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COTIDIANO

Sensação de preconceito

Divania Rodrigues,Da editoria de Cidades

Pessoal, eu nasci em Goiânia-GO e estou sofrendo preconceito aqui em São Paulo-SP. Por ser goiana, meus colegas estão tirando sarro: “Olha lá a goianinha está vindo”, “Olha a roceira de Goiás, o que veio fazer em São Paulo”, “Gente, vamos mandar ela de volta pra terra dela, tadinha está perdida (...)”. Eu evito falar pra não mostrar sotaque e estou tentando falar somente o sotaque paulista”.

O desabafo acima foi escrito por uma pessoa anônima em um grupo de discussões de um portal da internet muito acessado. Como explícito nesse depoimento, a sensação de muitos goianos é a de que sofrem preconceitos por parte de pessoas de outros Estados ou mesmo dos vizinhos brasilienses. Mas será que isso realmente acontece ou está somente no imaginário popular?

O preconceito geográfico é o que marca alguém pelo fato de pertencer ou advir de um território considerado de alguma forma como inferior. O geógrafo e antropólogo Alex Ratts, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador das questões étnico-raciais e de gênero, esclarece que a expressão adequada é preconceito regional e que tem sido muito discutida e estudada principalmente com relação à situação de nordestinos em São Paulo e em outras áreas do País.

"Trata-se de estereótipos negativos, portanto, de imagens simplificadas e danosas contra grupos, por sua origem geográfica", define. O pesquisador ainda salienta que tanto a identidade regional quanto o preconceito vêm das elites e das classes médias: "Nos segmentos populares, pode haver também, mas há muita convivência entre pessoas de proveniência distinta."

Um exemplo, que recebeu destaque na mídia e causou a indignação de muitos goianos, aconteceu há cerca de um ano. O prefeito da cidade de Carlos Barbosa no Rio Grande do Sul, Fernando Xavier da Silva (PDT), declarou durante um discurso que "Infestação de baianos e goianos traria fome". No momento, o prefeito anunciava que o município, que tem cerca de 27 mil habitantes, tinha alcançado o 1º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Estado e que os números não seriam alardeados para não haver migração intensa. Depois da repercussão da frase, o administrador municipal se justificou dizendo que havia sido mal interpretado.

Um estudo de 2007, também, levantou a polêmica. A pesquisa feita no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, São Paulo, entrevistou brasileiros que estavam de volta ao País após terem sido deportados ou impedidos de entrar em outros países. De 73 pessoas, a maior parte dos entrevistados era goianos, cerca de 24 pessoas. As manchetes, dos principais jornais do País, destacaram, à época, que os goianos eram os brasileiros mais barrados e exportados no exterior.

Origem provável do estereótipo

Quando se fala em preconceito contra os goianos, os mais relatados pela população são: estereótipo de interiorano ou "roceiro", o estigma causado pelo Césio 137 e a forma com que são tratados pelos brasilienses. Para Alex, é difícil procurar e encontrar a origem de um preconceito ou tentar explicá-lo, assim como de qualquer outra expressão cultural.

De forma empírica, para a historiadora e antropóloga Dulce Madalena Rios Pedroso, o surgimento do estereótipo, que o goiano é exposto, pode remontar a meados do século XX. A causa provável seria o próprio contexto de evolução histórica e geográfica do Brasil. Ela explica que enquanto a parte litorânea do País já gozava de um desenvolvimento urbanístico mais avançado, Goiás ainda era um Estado considerado longínquo e de difícil acesso e grande parte da população era rural, vivia em fazendas e pequenas vilas. "Digamos que o progresso, como é entendido atualmente, pode ter demorado a chegar aqui", completa.

A pesquisadora lembra que ela mesma já passou por situações em que interlocutores tinham no imaginário um cenário pré-fabricado sobre Goiás. Quando era criança e viajava a São Paulo, pessoas perguntavam para ela se havia onças ou índios andando pelas ruas das cidades goianas. Embora Dulce admita que entre as décadas de 60 e 80 a vida selvagem e os índios fizessem parte das cidades do interior, as perguntas era uma maneira de sugerir que o progresso urbano da região era pouco desenvolvido.

Ainda hoje, os goianos são pegos lutando contra essa representação que lhe é atribuída. Mesmo a Região Metropolitana de Goiânia foi alvo de defesa depois dos goianienses terem entendido como discriminatória a forma que a novela "Em Família", exibida pela Rede Globo em 2014, estava representando a cidade e seus habitantes. Os depoimentos em redes sociais e nos meios de comunicação explicitavam a insatisfação com o estereótipo de "povo sertanejo" ou a relação com as famosas palavras atribuídas ao cantor Roberto Carlos de que a Capital do Estado seria uma "fazenda asfaltada".

Relação com os vizinhos

Os brasilienses e os goianos convivem desde a criação de Brasília. E a pesquisadora acredita que as mudanças instaladas nesse momento histórico foram geradoras de circunstâncias que são entendidas por muitos goianos como discriminatórias.

Diante da mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília, muitos burocratas do governo tiveram que se instalar na nova Capital. Eles estavam acostumados com um estilo de vida diferente do encontrado na região. "Também, pode ter havido um pouco de arrogância porque eles estavam em um centro de importância", explica a historiadora, lembrando as frases usadas para se referir aos goianos, como tendo "pés-rachados" ou o fato de classificar uma barbeiragem no trânsito como "uma goianada".

"Um certo sentimento de superioridade pode vir de quem é ou se considera brasiliense ou do Distrito Federal, áreas mais recentes que Goiânia e Goiás, no entanto, que passaram por um crescimento maior", ressalta Alex. No entanto, ele diz que é preciso lembrar que em Brasília também há pessoas e grupos que passam por discriminações regionais, raciais e de outras ordens.

Estado fora

Banco-BGN

Marcos Alberto Sousa, 42 anos, é aposentado e mora em Senador Canedo, Região Metropolitana de Goiânia. Ele notou que o banco do qual é correntista tirou de um dos formulários de seu site na internet a opção pelo Estado de Goiás. "Eu queria solicitar um saldo devedor, mas quando ligava na central em São Paulo, só caia na gravação do banco. Resolvi entrar em contato com eles pelo site foi quando notei que não tinha a sigla do estado no formulário", revela desapontado com a situação.

O site a que Marcos se refere é o do BGN, na opção de contato, fale conosco. "Simplesmente, tiraram a gente do mapa. Se acontecesse no Rio Grande do Sul, se tirassem o RS, dava revolução." O fato aconteceu há duas semanas e para ele é uma mostra do descaso feito com os habitantes do Estado.

As vítimas do Césio 137 e a população de Goiânia sofreram pelo medo alheio

Outro motivador de preconceito pode estar associada à contaminação de parte da população de Goiânia no episódio do Césio 137. "Hoje, estas imagens negativas são menos utilizadas", explica Alex Ratts.

Mas muitos são os relatos de que era difícil, à época do acidente, sair de Goiânia, sem ser estigmatizado e por vezes maltratado. "Não sei se o pessoal achava que o nível de contaminação era muito alto e estaria exposto em contato com pessoas da cidade. A conversa era de que estava todo mundo contaminado", conta Dulce Madalena.

João Barros Magalhães, motorista para o Consórcio Rodoviário Intermunicipal S/A (Crisa) – que fez a remoção dos resíduos contaminados por radioatividade de Goiânia para Abadia de Goiás, contou para a reportagem que  até mesmo ir a Brasília era complicado e em qualquer lugar, se falasse que era de Goiânia as pessoas tinham medo e preconceito.

Para Alex, é preciso lembrar que desigualdades e discriminações podem ser encontradas em todos os lugares na sociedade e para enfrentá-las é preciso incentivar o valor delas: "Elas podem e devem ser desconstruídas, assim como o reconhecimento das diferenças precisa ser tratado como um valor social."

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