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Pesquisas investem em plantas para tratamento de doenças

Dalvina Nogueira Da editoria de Cidades

A doença é um fato humano inevitável. Companheiros da morte, os distúrbios e transtornos do corpo sempre foram uma ameaça para a vida. Coube à Revolução Industrial e ao sistema capitalista tornar o medicamento um produto e com ele criar um dos mais rentáveis mercados. Continuamos constantemente ameaçados. E para viver mais somos obrigados a pagar por cada vez mais medicamentos.

Apesar da progressiva industrialização da saúde, as comunidades e povos da terra jamais deixaram de seguir com suas práticas terapêuticas de cura – cuja base é a planta e a própria riqueza das terras.

A partir deste conhecimento, sabedoria fundada na herança popular, é que as universidades brasileiras têm implantado uma das mais ousadas séries de pesquisa nacional: a investigação das plantas e da biodiversidade brasileira como ponto de partida para a maioridade da produção científica brasileira.

Levantamento realizado pelo Diário da Manhã mostra que existem pelo menos 35 plantas investigadas no Brasil, com potencial para se tornar medicamento reconhecido pela comunidade científica internacional.

A mais recente empreitada desta corrente de pesquisa começou na Amazônia. Os pesquisadores do Laboratório de Princípios Ativos da Amazônia (Lapaam) têm se debruçado na análise de seis substâncias isoladas que seriam capazes de matar os parasitas da malária.

O pequi, fruta característica de Goiás, tem propriedades que o tornam importante substância coadjuvante no tratamento do câncer. Há 14 anos ele tem sido objeto de estudos sistemáticos. Desde 2004, várias universidades se dedicam a investigar como o saboroso complemento do prato “arroz com pequi” pode nos ajudar a enfrentar a devastadora doença.

E mais recentemente, em uma luta inglória contra as indústrias farmacêuticas, pesquisadores tentam usar plantas para coibir a dengue. Os industrializados estão na frente, com previsão de chegada da vacina para 2017. Mas os investigadores brasileiros, mesmo sem o financiamento necessário, seguem em uma luta épica para oferecer medicamentos a baixo custo.

MORADORES

O farmacêutico Luiz Francisco Rocha, responsável pela área de farmacologia do Lapaam, explica que a pesquisa teve início exatamente a partir das comunidades da Amazônia. Os próprios moradores já utilizavam um grupo de plantas contra a malária. Cerca de 40 espécies são misturadas ou utilizadas puras na tentativa de afastar a terrível doença.

Os pesquisadores então decidiram isolar 15 substâncias bioativas. Em seguida, a equipe do Laboratório de Princípios Ativos da Amazônia preparou extratos vegetais. Depois, o grupo iniciou a análise química. “Uma coisa é a população utilizar e dizer que é eficaz. Outra é isolar o princípio ativo e mostrar que tem atividade. Nós conseguimos isso”, afirma Rocha.

O pesquisador disse que um artigo será divulgado em breve na Antimicrobial Agents and Chemotherapy, publicação de grande destaque na área de biotecnologia e química.

Os pesquisadores fizeram esforços redobrados em laboratório para descobrir, por exemplo, que as comunidades estavam certas: a caapeba-do-norte ou pariparoba têm poderes medicinais.

A substância 4-nerolidilcatecol (4-NC) pode ser extraída da caapeba-do-norte (nome científico: Piper peltatum). Dentre as comunidades autóctones, informas Rocha, o chá da capeba já é utilizado contra a malária. E mais: picadas de inseto, dificuldades de digestão, infecções no sistema urinário, febre e.

Segundo Rocha, não é possível precisar quando o medicamento estará disponível, o que também depende do interesse da indústria farmacêutica, mas várias etapas importantes já foram cumpridas. “Para o desenvolvimento de drogas, é necessário testar in vitro nos parasitas, depois em animais, analisamos a toxidade, e todos esses testes já foram feitos. A substância não é tóxica para as pessoas só mata o parasita”, explicou.

Pequi tem potencialidades terapêuticas

A proposta de uso do pequi contra o câncer começou em 2001. Cezar Koppe Grisólia, professor de genética morfológica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (Unb), foi um dos pioneiros na pesquisa para uso dele como coadjuvante nos cuidados de pacientes com câncer.

Dentre as características do pequi, chama atenção o fato de que ele traz em sua fórmula vitaminas A, B, C e betacarotenóide – importante antioxidante. Antes de iniciar suas pesquisas, Grisólia já sabia que o pequi é um medicamento popular no interior de Goiás, principalmente no combate de doenças pulmonares e respiratórias.

A maioria dos estudos busca desvendar os efeitos coadjuvantes do fruto. Mais recentemente, Natália Colombo, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), fechou estudos referentes ao caráter antioxidante do pequi. Ela estudou as características da ação do pequi na diminuição do estresse oxidativo em câncer de pulmão.

As investigações mais recentes descobriram no tradicional alimento goiano os carotenoides e compostos fenólicos (flavonoides, saponinas e taninos) que podem, em tese, ajudar no combate da temível doença.

A pesquisa em modelos experimentais está em fase final, mas precisa chegar aos humanos. É esta a barreira encontrada pela maioria dos estudiosos do país: na maioria dos casos, as bolsas de pesquisas são ínfimas e irrisórias. Gasta-se mais com a valorização de um único magistrado brasileiro ou com um presidiário de homicídio do que com pesquisas de relevância como estas. E assim permanece a indústria farmacêutica e seu domínio no mercado de medicamentos – em detrimento do conhecimento popular, que só precisa de comprovação científica e reconhecimento.

O melhor caso é da dengue. Inúmeras pesquisas no país estão em desenvolvimento a partir da biodiversidade (caso de feijão de corda). Mas uma empresa multinacional tem mais apoio das instituições brasileiras do que os pesquisadores das faculdades. Fica a pergunta: quem chegará primeiro às prateleiras das farmácias? Os medicamentos de baixo custo ou os mais caros?

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