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COTIDIANO

Quando a prática de uma teoria utópica revela a realidade

Suzany Marques,Especial para o Diário da Manhã

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 3º, ‘’a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

Fernando tem 15 anos e atualmente vive com seu amigo Kennedy, de 10, em um cantinho da rua ao lado do Carrefour, próximo ao Shopping Flamboyant. O único direito que os dois têm é o de pedir. “Tia, tem como a senhora comprar uma comida no restaurante ali pra nós?”, implora Fernando.

Fernando foi abandonado nas ruas de Goiânia aos 7 anos. Natural de Trindade, sua mãe o trouxe para cá e sumiu. “Ela me deixou apenas com um cobertor na rua, depois nunca mais a vi”. Encaminhado para um abrigo pelo Conselho Tutelar, ele fugiu, por queixar-se de maus tratos e exploração. “Eles não deixavam nem a gente ir para escola. A gente acordava, aí eles falavam para dormir mais um pouco, só para perdemos aula e ficar lá limpando tudo. Só não fazíamos comida por que não sabíamos”, relata o garoto.

Para poder fugir, Fernando ajudou Kennedy a subir no muro. “Ele é pequeno e não tem força, aí eu dei ‘pezinho’ [sic], e quando ele tava fora eu pulei o muro”, lembra.

Kennedy é quieto, fala pouco. Foi abandonado pela mãe aos 5 anos de idade em um abrigo. Natural de Pires de Rio, ele lembra vagamente da mãe e, das raras memórias, recorda que ela não sabia andar de bicicleta. “A gente veio de Pires, ela ficou um pouco aqui comigo, e depois sumiu e me abandonou lá”. Ele cursa o 6° ano do ensino fundamental. Diz ser um garoto quieto em sala de aula e que, se fosse continuar a estudar, já teria nota necessária para a próxima série.

Do pouco que falam do abrigo em que estavam, o SOS Criança, os meninos relembram que apanhavam e que não iam frequentemente para a escola. É que, segundo eles, eram obrigados a lavar banheiros e todos os cômodos do local. Na rua, dormem com papelões e escondidos. “O Conselho Tutelar pode passar e levar a gente pra lá de novo”, temem. Para tomar banho, eles vão para a casa do “Di Maior”, que mora no Setor Novo Mundo. Aos serem indagados sobre o medo de dormir na rua, ambos são rápidos na resposta. “Medo a gente tem, tia, mas é melhor dormir na rua do que ser maltratado lá”.

FUTURO

Sobre o futuro, as perspectivas são poucas. “Se pudesse me formar, queria ser advogado do meio ambiente”, diz Fernando. Já Kennedy não tem planos caso termine os estudos. Mendigando o dia todo na entrada do supermercado, ele reclama da falta de educação de algumas pessoas. “Pedir é melhor que roubar, mas tem pessoas que respondem a gente com muita grossura. E tem gente que nem para. Isso porque nós só pedimos comida, não queremos dinheiro”.

A fé é o que os mantêm com alguma esperança. “Se Deus quiser, tia, um dia saio dessa vida. Se Deus quiser”. (*** Os nomes das crianças são fictícios)

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