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Escolas teológicas formam lideranças pós-modernas

Certos de que estão a responder um chamado de Deus, eles acordam cedo, às 5h30, arrumam seus dormitórios, fazem suas necessidades básicas como lavar o rosto, escovar os dentes, pentear os cabelos e seguem, sem demora, para a capela onde em um momento de retidão fazem a primeira oração do dia. Após refletirem sobre o que estão fazendo ali e para que, vão para o refeitório e tomam o ‘segundo’ alimento do dia, o café da manhã.

Em um terceiro momento, os 22 jovens aspirantes a padres, com idades entre 17 e 32 anos, dão início aos estudos que os capacitarão para no futuro próximo serem líderes espirituais.

No Seminário Propedêutico Santa Cruz, localizado no bairro Jardim das Aroeiras, em Goiânia, padre José Luiz da Silva, responsável direto pelo seminário, explica que neste primeiro ano ‘propedêutico’ duas ênfases são fundamentais na formação dos seminaristas: a comunitária e a espiritual. “Trabalhamos essas duas dimensões de forma mais ampla, de tal modo que eles possam ter um encontro com Cristo e um encontro com o irmão nas atividades do dia a dia, seja na oração da manhã, nos estudos ou no momento de retiro”, observa.

Mas se engana quem acredita que os aspirantes a seminaristas não estão conectados com o ‘mundo’ ou tecnologia. Os jovens não só usam os meios de comunicação para interagir e auxiliá-los nos estudos como têm uma disciplina de “teoria da comunicação”, onde aprendem usar as ferramentas ao seu favor.

O padre José Luiz destaca que os seminaristas ajudam na elaboração de jornal, comunicados para o mural e na produção de um programa exibido na Rádio Vox Patris (a Voz do Pai). Neste momento, os estudantes fazem entrevistas e ancoragem do programa.

“No processo de evangelização, hoje a comunicação e uso das tecnologias assumem um papel de grande importância para que a mensagem do evangelho possa chegar a mais pessoas. Desta forma é necessário que se prepare os seminaristas”, diz.

Entretanto, para tudo é preciso regras, informa o padre: “eles são formados para saber usar a internet. E por isso eles têm horários específicos para acessar. Precisamos educar para o melhor uso dos meios de comunicação nos dias de hoje”.

“Eles estão na escola de Jesus Cristo para poder aprender a amar”

Cada dia dentro do seminário – descreve o padre Luiz – é vivido intensamente. Quando não estão estudando, os seminaristas se dedicam aos afazeres domésticos do abrigo, como organizar coisas pessoais e realizar a limpeza da casa. Após um dia repleto de atividades, os candidatos a padre recolhem-se às 22h e como bem descreve o padre, o silêncio se estabelece.

“O sacerdote é esse homem que vive essa dimensão de entrega e de amor para poder servir os irmãos. Essa educação para o amor, para o serviço tem de forma primordial em nosso processo pedagógico espiritual a vida de todos os rapazes que chegam aqui. Desde que esses jovens entram no ano propedêutico até terminar o quarto ano de teologia, eles estão na escola de Jesus Cristo para poder aprender amar e servir”, define o padre.

Para serem ordenados padres, os seminaristas passam por um processo de aprendizagem que dura oito anos. A primeira etapa é feita no seminário propedêutico onde os estudantes ficam por um ano. Depois são encaminhados para o Seminário Interdiocesano São João Maria Vianey, onde concluem os cursos.

“Durante esses oito anos eles estudam filosofia e teologia. Nós seguimos pelo caminho formativo que a igreja nos oferece que abrange a formação humana, espiritual, comunitária e intelectual. São dimensões da vida formativa de uma pessoa. Nós pensamos a formação da pessoa em sua totalidade, o ser humano no todo”, informa.

Vocação

Conforme o padre Sérgio de Souza Neres, mestre em Ciências das Religiões pela Universidade Católica de Goiás (PUC), os fundamentos bíblicos para expressar a vocação, ou seja, o chamado de Deus, são vários. Nas palavras dele são “tantos os chamados” que ousa afirmar: a Bíblia toda é vocacional.

“Ela chama a todo o tempo o povo a percorrer o caminho do Senhor. Podemos falar da vocação de Samuel que é chamado a seguir o Senhor desde criança. Da vocação dos profetas: Oséias, Jeremias, Isaías (Antigo Testamento) e citar do segundo Novo Testamento: a vocação de João Batista, que foi preparar o caminho do Senhor. A vocação dos discípulos de Jesus para renunciar-se, tomar a cruz e seguir a Jesus. São muitos os chamados, os fundamentos bíblicos para afirmar a vocação que o Senhor nos chama”, expõe.

Padre José Luiz, do Seminário Propedêutico Santa Cruz, diz que interessados em seguir a carreira de padre devem realizar encontros vocacionais em suas dioceses e concluir o ensino médio para ser aceito.

“Costumo dizer que tudo está dentro da liberdade da decisão da pessoa. Quando o jovem percebe o chamado de Deus, que não é uma decisão puramente sua, ele vem para cá não com o sentido de privação da liberdade. Pelo contrário, vem notando a possibilidade da realização da sua liberdade. Inclusive de viver aquilo que quer. Claro, com o aval da igreja e respondendo verdadeiramente a um chamado de Deus”, afirma.

Na ‘escola de padres’, Sérgio Neres diz que o processo de aprendizagem da filosofia é essencial. Quando o aluno faz filosofia, diz ele, está preparado para adentrar no mundo de qualquer teoria mais exigente. Ele aprofundando as questões de cada problema.

Explana ainda que fora os cursos de graduações (filosofia/teologia) há ainda mais uma experiência pastoral, ou seja, experiência de caminhar em uma comunidade/igreja para perceber as idiossincrasias e como levar a pessoa para Jesus Cristo. “Portanto, o pretenso candidato a ser padre deve fazer os cursos necessários, ter um bom nível de conhecimento da doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana e também uma vida ilibada. Este último deve ser observado pelos formadores, superiores e bispos”, averigua.

De acordo com o padre Luiz, durante os cinco anos em que ele está à frente do Seminário Santa Cruz, a taxa de desistência de seminaristas são mínimas, cerca de 5%. “Nós estamos sujeitos a ter desistências desde o primeiro ano até o quarto ano de teologia. Se nós temos um propósito, nós temos que oferecer meios adequados para que esse propósito se concretize”.

Pastores precisam estar ‘limpos’ no Serasa e SPC

No século XVI o movimento protestante surgiu na tentativa de reformar a Igreja Católica. Liderado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, ele pregava o rompimento com a Igreja Católica Apostólica Romana por considerar ilegítimas algumas de suas práticas, dentre estas a adoração de imagens, o celibato, as missas em latim, a autoridade do papa dentre outras práticas. Surge daí o protestantismo, um dos principais ramos do cristianismo.

No entanto, o que há de diferente na formação de padres e pastores? Para o professor doutor em Ciências da Religião, titular do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da PUC Goiás, Valmor da Silva, o sacerdócio está presente na Bíblia, tanto na tradição judaica, do Antigo Testamento, quanto na tradição cristã, do Novo Testamento.

O sacerdócio, por sinal, diz ele é uma realidade constante em praticamente todas as religiões. “Embora não conheça apropriadamente a teologia protestante, acho que as bases teológicas para o ministério de pastor são praticamente as mesmas. Também os pastores realizam estudos de Teologia, preparam-se pastoralmente e possuem ritos de ordenação”, esclarece.

Segundo o pastor e professor de teologia Rudinei Toporoski, dentro da denominação a qual ele faz parte, Igreja Evangélica Avivamento da Fé, para que um membro da igreja seja ordenado pastor existe a necessidade de que este candidato possua todos os cursos oferecidos para formação de obreiros. Estes começam com o ingresso ao ministério através do diácono e chegam ao curso de bacharel em teologia.

EXAMES

Ele destaca que mesmo concluindo o curso de bacharel, o candidato passa por exames e entrevistas orais, incluindo o pedido de bons antecedentes e uma declaração de que seu nome não consta nos órgãos de proteção ao crédito como Serasa e SPC. Fora isso ele diz ainda: “O candidato deve possuir os critérios básicos das ordenanças bíblicas, I Tm 3.8: Irrepreensível, esposo de uma só mulher (Deus e a Bíblia autorizam e abençoam o casamento de sacerdotes), temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, “apto para ensinar”, não dado ao vinho, inimigo de contendas, não avarento, e que governe bem sua casa, criando os filhos sob disciplina, com todo respeito”.

Depois de quatro a cinco anos, e verificados todos os quesitos, Toporoski afirma que o aspirante a pastor está apto a começar seu ministério. Porém o mesmo é incentivado a buscar uma pós-graduação na área que ele mais se identifica, como aconselhamento pastoral, docência universitária ou teologia sistemática. “Existe uma variação de pessoa para pessoa. Nem sempre terminar o curso de teologia garante o ingresso imediato ao ministério. Uma boa parte da avaliação do candidato se dá no cotidiano. É na observação da sua prática diária que observamos se é compatível com o que pretende ensinar para sua congregação”.

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