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Música radioativa detectada

Segunda década do século XXI. Mais precisamente no ano de 2015. Os medidores de radioatividade voltaram a apitar na cidade de Goiânia. A apuração posterior dos indícios infectos apontou para a música que vinha do Teatro do Instituto Federal de Goiás, no dia 26 de fevereiro. Na noite referente a esta data, o grupo musical Vida Seca trazia ao mundo a primeira apresentação de seu segundo disco: Rua 57 / nº 60.

A tradição dessa banda é de transformar objetos encontrados no lixo em instrumentos musicais. Seguindo essa lógica, eles lançaram em 2008 seu primeiro disco: Som de sucata. Os indícios de atividade radiológica a influenciar o trabalho do grupo surgiram um ano antes, em 2007, quando encontraram-se com o grupo de dança ¿Porqua?. Ambos os grupos iniciaram o projeto de um espetáculo cênico-musical que abordasse o tema do césio.

A radioatividade que contaminou a sonoridade da banda não veio do contato direto com o elemento Cs. Acontece que os sobreviventes do desastre radiológico de 1987 se uniram na tentativa de espalhar ao mundo o descaso com que eram tratados pelo poder público, que deveria se encarregar do tratamento dos males causados pelo descarte indevido de material de tamanha periculosidade, que teve um impacto gigantesco na saúde de inúmeras pessoas.

Essa ideia de descaso contaminou as mentes dos quatro integrantes desse grupo do som de sucata, que inquietos e com raiva do mau tratamento dessas vítimas da ditadura do lucro-a-qualquer-custo (que se materializava em seus corpos através de mal estar e doenças), passaram a transmitir aos seus instrumentos a radioatividade da revolta. O resultado pode ser ouvido em duas faixas longas. Rua 57, de 16 minutos, e Nº 60, de 27.

Conteúdo


É um pouco difícil tentar definir categoricamente o som do Vida Seca. Vocais humanos não existem. Sabe-se que diferente do disco anterior, onde as músicas eram mais definidas, curtas, e com títulos que ajudavam na interpretação, agora temos duas peças correrias de improviso que refletem a experiência do contato dos músicos com seus instrumentos de criação própria.

São peças progressivas, que exploram e evoluem camadas de instrumentos. Essas camadas diferenciadas funcionam de forma emocional, e têm vida própria. Elas se misturam ao longo do processo, criando fases de transição, à medida que convidam novos instrumentos a participar. Trata-se de um som firme e sólido, como deveria ser, tendo em vista que são criados em processo totalmente mecânico.

Batidas em lata das mais variadas frequências, provocadas por variadas texturas de baquetas, e com variadas intensidades de força dão a velocidade da música. Em alguns momentos soa bastante urbano. Em alguns momentos soa bastante muito tribal. Nota-se até uma espécie de estrutura jazzística em instrumento de sopro, que se assemelha a brinquedos que crianças fazem com folhas de árvores. Aquelas gameleiras muito comuns em Goiânia. Daquelas que têm como subir e passar a tarde toda.

Recipiente


A música do Vida Seca foi lançada fisicamente, em CD. Quem cuidou da embalagem desse material foi do artista Oscar Fortunano. A arte, meio que minimalista, faz referência à simbologia utilizada pelos químicos em um de seus mais influentes inventos: a tabela periódica. A célula do elemento césio é reproduzida em preto, sobre um fundo totalmente branco.

Em um jogo simples de desdobragem podemos contemplar o exterior e interior do disco em três quadros. Por dentro, um céu azul com fragmentos de nuvens vindo de uma fotografia de Victor Leal Pontes quebra o tom asséptico da capa. Do lado de fora, além do símbolo da capa, outras duas células exibem o nome das duas faixas do disco e o símbolo Vs, representando a banda, acima de 2004, ano de formação do grupo.

Fusão


A fusão do trabalho de radioativa sonoridade do grupo Vida Seca, em fusão com a dança da galera do ¿Porqua? teve como resultado um filme de curta-metragem lançado no ano de 2012, com direção de Michael Valim. O filme pode ser conferido na plataforma virtual vidaseca.com.br, junto com outras músicas da banda e algumas fotos de seus marotos espetáculos, que sempre envolvem uma performance artística.

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