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O “Caçador de Lobos”

Rariana Pinheiro,Da editoria DMRevista

Durante mais 26 anos o médico pediatra Paulo de Tarso Lira Gouvêa podia ser visto com frequência pelos cartórios do interior de Goiás. Ele estava sempre às voltas com documentos antigos, amarelados e empoeirados. “Mas que eu me lembre não espirrei nenhuma vez”, suaviza. Sua meta? Uma viagem à própria raiz. Ele queria saber quem eram os membros mais remotos da família Sousa Lobo. E o resultado desta jornada foi a descoberta de parentes inusitados, como um imperador romano e grandes acontecimentos que se confundem com a própria construção e evolução deste Estado. Os anos de trabalho ele transformou no livro O Caçador de Lobos (Editora Kelps), cujo lançamento será hoje, às 19h, no Centro Cultural Oscar Niemeyer.

A obra, que é prefaciada pelo produtor, arranjador e advogado José Eduardo Morais e apresentada pelos escritores Edival Lourenço e Geraldo Coelho Vaz, traz fartas informações em 545 páginas. Com fotos, e até partituras de canções, quase narra uma interessante “viagem” a 65 gerações dos Sousa Lobo.

Mas toda esta história foi revistada graças a muito trabalho. Para concretizá-lo, ele utilizou-se de 200 entrevistas e incessantes visitas a cartórios de 20 cidades de Goiás e também em municípios de São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Mato Grosso.

O porquê do médico – que assina Lira Gouvêa – se entregar com afinco à família Sousa Lobo é explicado pelo próprio autor, como o amor à sua avó Iria, que carregava o sobrenome e lhe possibilitou o contato com vários outros parentes. “Mesmo não sabendo na época que essa família teve governadores, prefeitos, deputados, senadores, ministros de Estado, generais, sentia um cheiro de história e acertei no escuro”, revela.

O faro do pediatra escritor estava certo, e mesmo nos tempos mais longínquos da humanidade, ele notou a presença dos Souza Lobo. Logo, o médico escritor descobriu que o sobrenome tem raízes judaica, surgiu na Espanha, migrou para Portugal, onde há relatos de que a família já era antiga em 1281.

Por isso, segundo Paulo de Tarso, é quase um milagre que, há mais de sete séculos, o sobrenome Sousa ainda permaneça ligado ao Lobo. E isto vale tanto para Portugal, África e Índia como para ainda várias cidades goianas, a exemplo de Silvânia, Formosa e Pirenópolis.

No Brasil, o sobrenome chegou com o português Luís de Sousa Lobo, ou Lobo de Sousa, guarda-mor, que por volta de 1760 veio fiscalizar a produção de ouro em Santa Cruz. Ele casou-se no Brasil com Margarida Pontes de Andrade, de Guaratinguetá (SP). E, a partir daí o nome ganhou o País, chegando até as terras goianas.

“Todos nós Sousa Lobo de Goiás temos essa mesma ascendência: sangue de índio (cacique Pikerobí), de judeus e de nobres espanhóis (rei Henrique II, duques e condes) e de nobres de outros lugares da Europa. Mas também de gente simples, cujo passado é impossível remontar devido à ausência de registro dos filhos, por questões econômicas e culturais”, justifica.

Nesta busca por seus ancestrais, Paulo contou com grandes surpresas ao identificar como parentes distantes nomes como os do escritor Bernardo Élis, do médico e jornalista Antônio Americano do Brasil, do ex-governador e senador Marechal Braz Abrantes e de Joaquim Lúcio. “Eu achava um dado que não tinha valor e quando eu juntava com outro de outro livro fazia sentido. Tinha que ter muita paciência, paixão ou tara, né?”, diz entre risos.

O autor

Paulo de Tarso Lira Gouvêa nasceu em 15 de abril de 1945 e foi criado na Fazenda São Pedro, perto do Engenho Velho, hoje em Vianópolis (mas na época era distrito de Silvânia). Além de médico pediatra e genealogista, “é prosador, poeta, historiador, geógrafo, músico, sociólogo, artista plástico e conservacionista ambiental”, como destacou o escritor Edival Lourenço.
Lançamento do livro

“Caçador de Lobos”, de

Paulo de Tarso Lira Gouvêa

Quando: hoje, às 19h

Onde: terraço do Centro Cultural Oscar Niemeyer


  • ENTREVISTA COM PAULO DE TARSO LIRA GOUVÊA


DMRevista — Como nasceu a ideia de se tornar um “caçador de Lobos”?

Paulo de Tarso Lira Gouvêa — Pelo amor a história. Eu sempre gostei da história de Roma, de Pérsia. Eu tinha saudade de um passado que eu não vivi. Engraçado, né? E também pelo amor à minha avó paterna, com quem eu fui criado boa parte da minha infância. Eu a via falar da nossa família e comecei a interessar e pensei: vou escrever alguma coisa. Até então não sabia que Bernardo Élis, Americano do Brasil, Braz Abrantes eram desta família. Eu comecei a escrever livro há uns 20 anos e parei. A medicina não deixou. Mas, há uns 13 anos comecei de novo e há, cinco anos comecei firme. Trabalhava bastante a semana inteira em vários cartórios do interior. E, no livro há também folclore, nosso vocabulário “goianês”, brincadeiras de criança, as comidas do interior, carro de boi. Tem histórias engraçadas, mas também histórias tristes.

DMRevista — Qual foi o parente mais antigo que encontrou?

Paulo — Cheguei a um imperador romano. Parece absurdo né? E os bandeirantes também quase todos são parentes dos Sousa Lobo, inclusive o Anhanguera, Bartolomeu Bueno da Silva.

DMRevista — E o que mais queria transmitir aos leitores?

Paulo — O amor à história, às nossas tradições e à família, que está sendo destruída. Hoje, quase ninguém sabe quem é o próprio avô. Há um total desligamento da família. E neste livro eu liguei 65 gerações, mostrando o apego que tenho à família.

DMRevista — Qual descoberta histórica te emocionou mais durante a pesquisa para o livro?

Paulo — Historicamente o imperador romano. Mas não tenho ligação emocional nenhuma com ele. Mas achei emocionante chegar há mais de 2 mil anos. Não por ele em si, mas pela antiguidade da coisa. Mas, uma das descobertas mais emocionantes foi conhecer meu trisavô, que era muito trabalhador. Teve casos também de uma menina, a Laís, que me emocionou demais, porque morreu queimada. Outros casos ligados à passagem da Coluna Prestes, porque eles quiseram arrebentar com tudo. Teve uma menina, por exemplo, que quando eles chegaram e acabaram com sua família, ela se escondeu dentro do forno, mas ela escutou a voz de um dos revoltosos e achou que fosse o padrinho, e o chamou. Mas, o homem foi bondoso e a escondeu. Isso também me emocionou muito.

DMRevista — O senhor é daqueles que acham que o passado era mais interessante que o presente?

Paulo — Acho que sim. Havia mais paz, porém pouco conforto. Hoje as doenças são mais fáceis de combater, tem mais assistência médica, ruim ou boa mas tem. Se não fosse a violência e a impunidade estávamos quase em um paraíso. Pois, eu e você temos mais conforto que um rei antigo, que tinha luxo, mas não tinha conforto. Mas no geral, acho que as pessoas do passado eram mais felizes e sensíveis. Uma família visitava a outra e quando ia embora todos choravam. Já hoje as pessoas parecem se incomodar com visitas.

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