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Águas do Tocantins para o São Francisco

O rio Tocantins pode ser a garantia de do fim definitivo da seca no Nordeste. Nesta última terça-feira, o segundo maior rio do Brasil, com 2.416 km, foi tema de debate na Câmara dos Deputados. Parlamentares se debruçaram sobre a PL 6569/2013, de autoria do deputado federal Gonzaga Patriota (PSB-PE), que prevê a transposição do Tocantins, na Região Norte, para o Rio São Francisco, no Nordeste.

A ideia é criar mais uma ferramenta para combater a seca no Nordeste. As novas águas aumentariam a vazão do rio São Francisco, cujos níveis estão baixos em decorrência de um longo período de estiagem.

O Tocantins banha os Estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, até a sua foz no golfo Amazônico - próximo a Belém, onde se localiza a ilha de Marajó. Ele é formado pela união do rio das Almas (que nasce em Pirenópolis), do  rio Maranhão e  do rio Paranã, entre os municípios de Paranã e São Salvador do Tocantins(ambos localizados no estado do Tocantins). Durante a época das cheias, seu trecho navegável é de aproximadamente 2 000 km, entre as cidades de Belém(PA)  e Lajeado (TO).

Em Minaçu, estão localizadas duas das maiores usinas hidrelétricas formadas pelas águas somadas do Tocantins e do Maranhão: Cana Brava (450 MW) e Serra da Mesa (1.275 MW), maior reservatório do Brasil com  54,4 bilhões de metros cúbicos.

Transposição

A preocupação de alguns deputados, como Adail Carneiro (PHS-CE), é que as obras de transposição das águas do São Francisco sejam concluídas sem que haja água suficiente para os 390 municípios que sofrem com a seca no semiárido. Dados de agosto do Ministério da Integração Nacional indicam que a obra, orçada em R$ 8,2 bilhões, apresenta quase 80% de conclusão.

“A nossa preocupação é trazer água de onde tem em abundância. E nós temos água com abundância no rio Tocantins, que é muito próximo do rio São Francisco, passando pelo rio Preto”, disse Adail Carneiro, que sugeriu a audiência.

Representantes do governo que participaram do debate disseram que a proposta é viável. Segundo o diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Valter Casimiro Silveira, a transposição pretendida não afetaria o rio Tocantins e ainda melhoraria a navegabilidade no São Francisco.

Revitalização

O coordenador-geral de Rodovias, Ferrovias e Hidrovias da Secretaria do PAC, representando o Ministério do Planejamento, Fábio Freitas, recomendou que se busque um caminho no orçamento para fazer a transposição do rio Tocantins para o São Francisco. Para ele, seria um jeito mais curto para ampliar a capacidade do São Francisco.

Freitas defendeu, ainda, a revitalização do rio como forma de melhorar sua navegabilidade. “É um processo complexo, porque você tem que adentrar áreas particulares, tratar de recuperar matas ciliares, tentar conter as erosões. Sem avançar em uma lei para pagamento por serviços ambientais, a gente vai ter dificuldade nessa revitalização”, ponderou.

Navegação

A audiência foi promovida pela Comissão de Viação e Transportes e pela comissão externa criada para avaliar a transposição e a revitalização do rio São Francisco. O objetivo inicial era discutir a interligação entre os rios Preto e Tocantins, destinada a assegurar a navegação desde o rio São Francisco ao rio Amazonas. Essa interligação está prevista no Projeto de Lei 6569/13, do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), que presidiu o debate. A proposta de Patriota já foi aprovada na Comissão de Viação e Transportes e agora aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

“As riquezas do Nordeste poderiam ser transportadas pela hidrovia do São Francisco e do Tocantins. Com apenas um canal de 200 a 210 quilômetros, saindo de um afluente do rio Tocantins para um afluente do rio Preto, na Bahia, a gente poderia fazer o transporte hidroviário. Fiz o projeto também pensando na água, na pouca chuva na região do rio São Francisco e no desabastecimento desse rio”, afirmou Gonzaga Patriota.

Valter Casimiro Silveira, no entanto, explicou que a construção de uma hidrovia desse porte esbarraria em problemas como desníveis nos cursos dos rios e diferenças nos tamanhos de embarcações que poderiam navegar nas diferentes bacias.

“A interligação entre o rio Preto e o Tocantins não foi considerada como opção no plano hidroviário estratégico do Ministério dos Transportes por conta dos desníveis bastante acentuados. Ela pressupõe a construção de barramentos e eclusas de porte que dificilmente se amortizariam em um plano mínimo de 30 anos”, disse Silveira.

Na avaliação de Fábio Freitas, existem duas frentes que podem ser trabalhadas: uma para a transposição da água do Tocantins para o Francisco e outra, posterior, para a integração da navegação. “Talvez fosse salutar a gente dividir os esforços. O projeto para navegação pode demorar um pouco mais na discussão ao buscar o caminho mais barato para sua instalação”, observou. (Com informações da Agência Câmara/Noéli Nobre)

Ditadura também queria as águas do Tocantins para o Nordeste

Projeto do coronel Mário Andreazza, já pretendia na época da ditadura promover algo parecido

O tenente-coronel João Ferreira Filho, que acompanha de perto os projetos de combate à seca desde os anos 80, relembra outro projeto de transposição: “Em 1982 eu estava no 1º Grupamento de Engenharia, sediado em João Pessoa (PB), e recebi a missão de acompanhar o projeto do coronel Mário Andreazza para a execução da transposição do São Francisco”.

O projeto era abrangente: envolvia os rios São Francisco, Parnaíba e Tocantins, com previsão para ser realizado em 40 anos. Seriam redirecionados, ao final, 330 metros cúbicos por segundo do Rio São Francisco e 300 do Rio Tocantins, a um custo estimado em US$ 3,3 bilhões. “O farto e chuvoso inverno em 1984 e também questões políticas paralisaram a execução do projeto”, lamenta o coronel Ferreira.

Nesse período, a população brasileira acompanhava pela mídia o sofrimento do povo nordestino na seca que durou de 1979 a 1983. O fato de as secas nordestinas serem cíclicas já havia sido preconizado em 1977 pelos pesquisadores Carlos Girardi e Luiz Teixeira, do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP). Mas a informação era mantida em segredo pelo governo militar.

Os pesquisadores previram secas com duração de cinco anos a cada 26 anos, e secas de menor intensidade, com duração de três anos, a cada 13 anos. “Como eu estava no ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutica), naquela época, tive acesso a esta pesquisa. O argumento para o sigilo era o pavor e o descontrole que iria gerar na população”, lembra o coronel Ferreira.

No governo(1993-1994) do presidente Itamar Franco (PMDB) o ministro da Administração e da Integração Regional , Aluízio Alves, apresentou um projeto semelhante ao de Mario Andreazza, mas prevendo a retirada de apenas 150 metros cúbicos do Rio São Francisco, a ser realizado em 180 dias em caráter emergencial.  A seca terminou em 1994 e o projeto não chegou a sair do papel.

Luís Inácio Lula da Silva, chegando à presidência, deparou com problemas em licitações, liberações ambientais e protestos populares contra a execução da obra, como a do bispo baiano Luiz Flávio Cappio, que impetrou uma greve de fome de 10 dias em protesto apoiado por ambientalistas de todo o país. Em agosto de 2007, foram iniciadas as obras dos canais de aproximação no Reservatório de Itaparica (Eixo Leste) e em Cabrobó (Eixo Norte). É o mesmo local de onde, um século e meio antes, o governo imperial pretendia captar água. No dia 21 de agosto deste ano, Na  presidente Dilma Rousseff (PT) inaugurou, em Cabrobó-PE, a primeira etapa de uma das obras mais importantes da era dos governos petistas, a transposição das águas do Rio São Francisco. (Com informações de Márcia Demenstshuk  - Agência de Jornalismo Investigativo)

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