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Após 100 anos, bugios voltam à Floresta da Tijuca

A mudança para a Tijuca ainda é recente, mas Chico, Kala, Hanuman e Maia já parecem estar se adaptando ao novo endereço. No começo, desconfiados, mal saíam do viveiro, mas aos poucos foram explorando os arredores e elegendo seus recantos favoritos. Hoje, dois meses após sua reintrodução à natureza, os quatro bugios circulam com desenvoltura pelos 4 mil hectares do Parque Nacional da Tijuca.

O sucesso inicial com o quarteto de macacos anima os envolvidos no projeto de reintrodução de fauna nativa, realizado pelo parque em parceria com a UFRJ.

— Queremos fazer da refaunação da Floresta da Tijuca um modelo para o mundo — diz Fernando Fernandez, biólogo da UFRJ.

Vale lembrar que a própria floresta, a maior em perímetro urbano do mundo, é um exemplo único, fruto de uma iniciativa pioneira. Em 1862, Dom Pedro II ordenou o reflorestamento da região, devastada pelo contínuo uso agrícola, como maneira de proteger os mananciais de água potável do Rio. As cem mil mudas plantadas por seis escravos ao longo de 13 anos cresceram e se multiplicaram, mas geraram a chamada “floresta vazia”, sem população animal, e ainda contando com plantas exóticas que viraram pragas, como a jaqueira.

A reintrodução de animais em seu habitat original não é um consenso entre especialistas. Fernandez lembra do caso de Oostvaardersplassen, na Holanda, tão complicado quanto o nome da reserva natural criada em 1968. Para substituir animais extintos, trouxeram espécies de fora — no lugar de cavalos e bovinos selvagens, por exemplo, pôneis poloneses e uma raça de gado alemão. Sem predadores, a população animal cresceu, e os moradores do entorno tinham que escolher entre dois males: caçadores fazendo controle de população ou animais morrendo de fome no seu quintal.

— Foi uma reconstrução desequilibrada. Por isso, temos de ir aos poucos, acompanhando o resultado de cada passo — diz Fernandez, ressaltando que os animais reintroduzidos na Tijuca têm chips ou coleiras eletrônicas que permitem acompanhar sua localização.

A empreitada começou com cutias, perfeitas para dispersar sementes. O grupo, que recebeu até um reforço do Campo de Santana, no Centro do Rio, vingou: os 11 indivíduos soltos em 2009 já têm bisnetos, e hoje o parque conta com cerca de 45 cutias.

Com o sucesso dos pequenos roedores, os cientistas resolveram partir para a ordem dos primatas. A espécie precisava preencher alguns critérios, como ser nativa da região, ter população em cativeiro para ser reintroduzida e possuir função ecológica importante. Foi escolhido o bugio, extinto na região há cem anos por conta da caça predatória. Segundo o diretor do parque, Ernesto Viveiros de Castro, o bugio, macaco que pode atingir até 9kg e 75cm, preenchia ainda mais um item da lista:

— É um animal carismático, algo fundamental para que o projeto conquiste o apoio e a simpatia da população carioca. Recebemos 3 milhões de visitantes por ano, mas são visitas pontuais — diz Ernesto, referindo-se ao número absoluto de turistas que visitam o Parque Nacional da Tijuca para conhecer a estátua do Cristo Redentor, localizada dentro da área verde.

Segundo Robson Capretz, analista ambiental da Fundação Grupo Boticário, que dá suporte financeiro ao projeto, os próximos anos de refaunação estão garantidos. Entre próximos candidatos a reintrodução estão o ju-pará, o gato-do-mato e a preguiça-de-coleira.

Após uma triagem com apoio de veterinários do RioZoo, cinco bugios foram eleitos para voltarem à Floresta da Tijuca. Voltaram quatro: César, ex-bichinho de estimação de um dos principais traficantes do Complexo da Serrinha, ficou para uma segunda leva, que deve ser solta no parque nos próximos anos — “tecnicamente, o macho alfa Chico não foi com a cara do César e encheu ele de porrada”, explica Fernandez.

Bruno Moraes, pesquisador que tem acompanhado o cotidiano dos bugios, explica a dinâmica do quarteto. Chico, o macho dominante, costuma estar acompanhado de uma fêmea um pouco mais jovem do que ele, a Kala (nome da mãe adotiva do Tarzan). Os outros dois, mais jovens, são um casal de irmãos: Maia (porque os maias veneravam bugios) e Hanuman (por causa do deus macaco hindu). Hanuman, menos adaptado à vida selvagem, pode até voltar ao centro de primatologia da UFRJ. Ele ainda busca humanos para obter atenção e comida — a recomendação é negar ambos.

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