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As fazendas que Goiás perdeu

A construção de Brasília foi uma das maiores empreitadas do Estado brasileiro. As principais cidades do Brasil surgiram em sua maioria por pleitos privados, de forma espontânea e através das ações de grupos de colonizadores ou atividades de exploração que atendiam a coroa portuguesa.

Mas Brasília foi diferente: nasceu de uma ideia.  Prevista na Constituição Federal de 1891, ela foi retirada do papel na década de 1950 após a vitória de Juscelino Kubistchek na disputa presidencial, em que venceu Juarez Távora.Trata-se da maior obra pública da história do país. Mais do que prédios, surgiu no planalto central uma imensa cidade, que copiava o mesmo empreendedorismo realizado antes por Pedro Ludovico, quando construiu a também planejada Goiânia.  A diferença residia na dimensão.  E na importância.

Das sesmarias às cartas das capitanias de Goiás, passando por todos os desdobramentos que ocorreram durante e após a instalação da capital, pouco falta na obra de Nina Tubino, que lança hoje, às 19h,  livro no Palácio das Esmeraldas.   “Uma luz na história” (Editora Kelps, 547 páginas) revela os bastidores da construção de Brasília e capítulos delicados, como a tomada das terras de Goiás para que fosse construída a capital.

Por mais que seja celebrada como empreitada para interiorizar o Brasil, não custa nada lembrar: quem programou Brasília destruiu fazendas de Goiás. Diga-se, desmatou de forma pré-ordenada.  E pior atraiu trabalhadores de todo país, mas quando acabou a obra os construtores foram sendo aos poucos afastados da cidade. Daí o surgimento do Entorno do Distrito Federal, considerado um problema social de primeira grandeza após a instituição da Lei Complementar n. 94, que estabelece a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride).

No recente capítulo histórico da relação de Goiás com Brasília, a obra de Nina talvez seja a mais rica em ilustrações e fotografias. Mapas, esquemas e registros documentais enfeitam sua obra.  A escrita é polimórfica, na medida em que a autora não publica um texto contínuo em um só fluxo narrativo, mas retalhos, trechos de obras,  relatos, documentos, cálculos, currículos, pesquisas, etc.  

Para uma próxima edição, a editora pode cuidar melhor da revisão do texto, evitando a presença de alguns erros ortográficos, inclusive na orelha do livro, pois o caráter profundo da pesquisa deve manter por bastante tempo a obra insuperável.

Conforme Nina, para desapropriar as terras destinadas à construção da futura Capital foi primeiro realizado o mapa com as fazendas da região onde está o Distrito Federal.  A partir do desenho do engenheiro Joffre Mozart Parada e de Janusz Gerulewicz foi construída a Planta Índice Cadastral. O relatório da Comissão Goiana revelava uma enorme quantidade de fazendas e foi entregue pelo governador José Ludovico de Almeida ao Governo Federal.

As propriedades rurais transmitidas à União se localizavam principalmente em Luziânia, Planaltina e Formosa.   De Luziânia, as fazendas Gama, Rasgado, Ponte Alta, Alagado, Chapadinha (com 16 escrituras), Água Quente, Guariroba (com duas escrituras), Engenho Queimado, Paranoá, Larga de Santa Maria (duas escrituras), Santa Maria, Desterro (com três escrituras), Barreiras e Saia Velha foram repassadas para a União tendo em vista construir o Distrito Federal.

Em Planaltina, explica Nina Tubino, as fazendas 15, Sítio do Mato, Mestre D´Armas, Bananal, Larga do Piripau e Piripau (duas escrituras) e Torto tornaram-se futuramente cidades com asfalto, casas e equipamentos urbanos.Já Formosa, hoje localizada no Entorno Norte do DF, ofertou as fazendas Santo Antônio dos Guimarães (duas escrituras), Retiro do Meio (duas escrituras), Mestre D´Armas, Várzea (duas escrituras), Barbatimão, São Gonçalo, Manga Poços Claros e Poço Claro, Retiro Epavina.  

Nas terras repassadas para a União, na verdade, existiam inúmeras propriedades já ocupadas, como as terras da igreja e inúmeros loteamentos comercializados – caso do Planaltinópolis, Planópolis, Chácaras Santa Maria, Vila Federal, Sociedade Anônima Planalto Central de Goiás e Nossa Senhora de Fátima.Os loteamentos chamam atenção principalmente pela ganância dos latifundiários que decidiram prematuramente esquartejar Goiás. Um dos responsáveis teria sido o intendente e latifundiário Deodato do Amaral Louly, que aproveitou a demarcação da área em 1922 para vender loteamentos.  

Planópolis, por exemplo, surgiu da Fazenda Bananal. Por sua vez, Planaltinópolis teve como base as fazendas Monjolo, Bom Sucesso e Lambari. Platinópolis surgiu da Pipiripau. Já a fazenda Bom Sucesso deu origem à Vila Federal.  A fazenda Salvia deu origem à Sociedade Anônima Planalto Central de Goiás.Parte destas propriedades tornou-se problema fundiário e jurídico. A negociação dos lotes trouxe dor de cabeça para quem comprou, pois a desapropriação das terras rurais para a construção de Brasília abrangeu os loteamentos e pequenas chácaras, hoje ocupadas por prédios públicos que sustentam a capital Federal. Um dos casos perceptíveis é a Fazenda Bananal, onde foi construída a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes.

Polêmicas

O livro de Nina não aprofunda nestes conflitos e polêmicas, possíveis em parte graças às recentes descobertas de documentos na antiga casa de Altamiro de Moura Pacheco.  Mas ela opta em minimizar as disputas e conflitos agrários que se arrastam nos tribunais. “Não reconheço, como verídicas, as críticas que, hoje, são feitas por pessoas que não possuem escritura ou documento legal, da propriedade adquirida”, diz a autora. Ela afirma que as terras repassadas para Brasília pelo Estado de Goiás foram pagas e todas se tornaram objetos de análise justa e criteriosa da Comissão Goiana.  

Nina se dedica a informar como se estruturava o meio rural antes de surgir Brasília e aprofunda no relato de algumas personalidades.  A autora, por exemplo, resgata dados e informações preciosas do engenheiro Joffre Mozart Parada, pioneiro nos estudos para a construção da nova capital.  “Meu desejo era passar, do papel para o terreno, o projeto imaginado por Lúcio Costa. Nossa equipe demarcava todos os pontos, estaca por estaca para fazer se tornar realidade a nova Capital. Meu amor por Brasília aumentava a cada vez que via mais um prédio, uma rua, uma quadra nascer”, disse de forma poética o engenheiro.  

Heróis da construção de Brasília

Joffre Mozart Parada é uma espécie de herói para Nina Tubino.  Ao lado de Altamiro de Moura Pacheco - médico, agropecuarista, escritor e presidente da Comissão de Cooperação para Mudança da Capital Federal, entre 1955 e 1958 - , ele é um dos mais destacados pelas passagens da escritora.Nina Tubino  chama de quarteto iluminado os integrantes da Missão Goiana, que tinha em seu início Bernardo Sayão,  Altamiro de Moura Pacheco, Joffre Mozart e Segismundo de Araújo Melo.

Os principais elogios são direcionados para Joffre: “Esse engenheiro, que na profissão abraçou três especializações, em engenharia civil, minas e metalurgia e, na construção de Brasília, atuou nas três áreas, foi quem fez, com seus topógrafos, a locação da maior parte da cidade depois de ter locado e ter aberto as três primeiras avenidas do Núcleo Bandeirante (Cidade Livre)”, diz Nina.

Para a escritora, Bernardo Sayão é um desbravador que se aliou a Joffre na construção de Brasília. Diretor da Novacap, a empresa que orientava as ações de engenharia, Bernardo Sayão tornou-se um mito no interior de Goiás. Uma de suas principais obras é a construção da rodovia Belém-Brasília.

Imagem do acervo de Altamiro Pacheco: foto mostra o médico goiano na  Cachoeira do Paranoá durante a desapropriação de fazendas  para construir a Capital Federal

Primeiro mapa do Distrito Federal: trabalho do engenheiro  Joffre Mozart Parada, que procurou catalogar todas as fazendas da região

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