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Cinquenta buracos de bala num carro só

Um dos membros fundadores d’O Rappa, Marcelo Yuka, dizia em uma letra do grupo que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. A frase faz referências aos anos sangrentos de escravidão no Brasil, onde negros eram trancafiados em barcos e trazidos para as nossas terras a fim de servir aos brancos. Lembrando desse período irracional ao ver algumas fotos compartilhadas pela internet, é natural pensar que o mundo era violento demais para alguns homens no passado. Porém, vejo um líquido vermelho e grosso pingando da bandeira verde-amarela, fazendo a frase “ordem e o progresso” ter um teor ditatorial. Afinal, qual o preço que os governantes desejam pagar para atingir essas metas e por cima de quem esse trator passa?

A frase também é diz sobre às atitudes que a Polícia toma para “proteger” os cidadãos considerados de bem ao redor do mundo. Em janeiro deste ano, por exemplo, a Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre policiais de Miami, na Flórida, que usavam fotos de negros durante o treinamento com armas. Nesta pauta fica claro o local para onde a segurança pública mira: a cabeça do cidadão negro. No Brasil, os homicídios aos negros são 153% maior do que aos brancos, de acordo com o estudo Homicídios e Juventude no Brasil, do Mapa da Violência 2013. No mesmo estudo, que usa dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, consta que 71,4% das 49,3 mil vítimas de homícidio em 2011 tinham a pele negra. Outra curiosidade: o número de mortos no atentado de 11 de setembro (considerado um dos mais violentos da história) equivale a 2% dessa quantia.

Mas esta pauta não é apenas para lembrar esses fatos aleatoriamente, apesar da necessidade de tocar nesta ferida. Dois eventos com ligação direta a esse preconceito marcam os dias recentes. Hoje é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Dia Internacional da Abolição da Escravatura e um outro evento, que é bem mais triste: cinco jovens negros são executados por policiais militares enquanto passeavam de carro pelo Rio de Janeiro.

Abolição da escravatura?


Em 2011, o atual secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, publicou uma carta sobre a violência sofrida pelos negros ao redor do mundo. Na carta, o diplomata fala sobre os esforços dos governos e da sociedade civil para mudar essa realidade, mas ainda sim “vivemos em um mundo degradado pela escravidão e por práticas análogas à escravidão”. De acordo com Ban Ki-moon, ainda é uma realidade a “escravidão por dívidas, servidão e trabalho forçado; tráfico de pessoas e tráfico para remoção de órgãos; exploração sexual; as piores formas de trabalho infantil” e outras.

Porém, apesar de a escravidão ter uma ligação direta com o povo negro aqui no Brasil, o secretário-geral fala sobre a exploração de diversos povos. Não só negros sofreram com o absurdo de ser patrimônio privado de alguém. Outro fato apontado na carta aberta de Ban Ki-moon é que ainda se trata de um problema contemporâneo. Além disto, sabemos que este problema não é tão distante quanto parece. Em Goiás, em setembro deste ano, um casal foi resgatado de uma fazenda no Novo Gama, Entorno do Distrito Federal, de uma situação análoga à escravidão. Os dois eram mantidos trancafiados e segundo o lavrador os donos da fazenda os puniam fisicamente.

“Freio de barca”


A expressão “freio de barca” é comum entre jovens e adultos da perferia brasileira. A “barca” neste caso se refere ao camburão e o freio seria o motivo para que esta pare no mesmo instante.  Um Pálio Branco com cinco adolescentes negros de 16 a 25 anos na zona norte da cidade, mais precisamente em Costas Barros, é um exemplo claro dessa gíria. No dia 29 do mês de novembro, ou seja, poucos dias atrás, cinco garotos foram executados pela PM com cerca de 50 tiros de fuzil. Roberto de Souza Penha, 16, Carlos Eduardo Silva de Souza, 16, Cleiton Correa de Souza, 18, Wilton Esteves Domingos Junior, 20, e Wesley Castro Rodrigues, 25, comemoravam o primeiro salário de Roberto quando foram abordados. Nenhuma das vítimas tinha passagem pela polícia.

Lendo às notícias sobre a chacina, vejo uma declaração do tenente do batalhão onde os PM’s estão lotados. Ele afirma que o caso não tem relação com preconceito racial ou algo do tipo. Lembro-me de outra frase, dita por algum conhecido que não me lembro: “o único bem público que chega na favela é a polícia e ela já chega batendo”.

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