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2015: o ano mais violento da história de Goiás

Welliton Carlos

Dia 24 de janeiro de 2015, um sábado. Era para ser um dia divertido, mas o pai arremessa o veículo que conduz contra um caminhão e morre juntamente com quatro filhos. O assassinato premeditado ocorreu na BR-070, em Cocalzinho de Goiás.  As manchetes chocaram os goianos por alguns dias, mas as causas, de fato, dilaceraram uma família. O pai deixou uma carta para a mãe de seus filhos, em que afirma: ela não mais os veria. E a culpa era dela.

Assim começava o ano, com um característico crime de origem familiar. Motivado por ciúmes, o assassinato de quatro crianças inocentes colocava fim a um conflito do casal. Mas abria um buraco para a sociedade: como antever um crime brutal como esse e impedi-lo?

Conflitos interpessoais familiares são tecnicamente impossíveis de serem previstos pelas forças de segurança. O caso de Cocalzinho marca Goiás com a demonstração de que a destradicionalização e a modernidade intensificaram os crimes na família goiana – mais raros no passado, principalmente por conta da hierarquia rígida entre pais e filhos.

Parcela significativa da violência urbana nasce da desestruturação familiar. Ou de problemas originados dentro dela. Em 20 de maio, um jovem matou mãe a facadas, em Senador Canedo.

O estudante da Universidade Federal de Goiás (UFG), Vinícius Pereira Xavier, 26, foi encontrado nu ao lado da mãe assassinada. Segundo o pai do estudante, alguns dias antes do crime ele apresentou sintomas de transtornos mentais. O jovem delirava quando foi detido.

Em quantidade bem menor, os homicídios e agressões provocados por doentes mentais convivem com um sistema insolúvel no Brasil: as estruturas de saúde e judiciais delegaram aos familiares a responsabilidade de cuidar dos que apresentam transtornos mentais. Vez ou outra eles surtam e matam.

Ainda na seara dos conflitos pessoais, mas não familiares, Goiás testemunhou em 4 de agosto o assassinato do prefeito de Matrinchã, Daniel Antônio de Sousa, e sua esposa, Elizeth Bruno de Bastos.

Com facadas e golpes na cabeça, supostamente o secretário de Finanças da cidade, Hélio Soyer, tentou se livrar de uma imputação referente à sua conduta como gestor. Ele se entregou à polícia após ter confessado sua participação no crime. Trocou um crime menor por um pior. Na soma, supostamente computou dois delitos graves e que expõem as vísceras de uma sociedade materialista e violenta.

Todos estes crimes apresentaram situações de grande comoção social. Mas que não apresentaram dificuldades de investigação.  Um deles sequer terá processo penal, restando, todavia, a profunda injustiça com as crianças que morreram na região do Entorno do Distrito Federal.

Em 2015, Goiás bateu seus recordes de violência. As estatísticas e estudos qualitativos de violência  mostram que o Estado teve redução de homicídios, mas aumento de estupros, furtos e lesões corporais.  Além disso, ocorreu um maior número de delitos políticos e administrativos, além de casos de bala perdida e de conflitos familiares.

Outros crimes, no entanto, imobilizaram as forças de segurança. Em 15 de setembro de 2015, um estudante, Danilo Fernandes Roriz, 19, foi morto, segundo peritos criminais, por 21 tiros, na Praça do Violeiro, no setor Urias Magalhães.

A vítima era filho de policiais militares e a Polícia Civil não descartou a motivação do crime por retaliação ao trabalho dos pais. O jovem assassinado não tinha registro criminal. E causou comoção entre os policiais. Um deles chegou a conclamar que policiais executem os assassinos – o que é, evidentemente, atestado de que o Estado se sucumbiu à barbárie e ao desespero.

O caso permanece não resolvido pela Polícia Civil, responsável por encontrar os assassinos do estudante. Da mesma forma que  Danilo Fernandes Roriz, vários outros homicídios ocupam as prateleiras das delegacias sem motivação de autoria, pistas do assassino e mesmo suspeitas. Os que envolvem o tráfico de drogas, então, ocupam mesas e mesas.

Goiás ocupa a 7ª posição em índice de assassinatos de adolescentes e jovens, o que inclui Danilo Roriz em uma triste estatística.   O Estado teve 4,82 homicídios, entre 12 e 19 anos, para cada mil menores, informa a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), em dados divulgados há 11 meses.

VÍDEO

Se o homicídio se banalizou em Goiás, as câmeras de segurança também. E elas são testemunhas da violência urbana. Os olhos em formato de lentes captam situações prosaicas, formam provas e impedem a injustiça pelo flagrante avassalador das imagens.

Em 26 de outubro de 2015, um empresário foi morto na porta de empresa. O assassinato de Rildo José Brasão foi captado pelo sistema de segurança, que flagrou o momento em que um carro branco passou atirando contra a vítima.

O empresário revidou com cinco tiros. Conforme a polícia, uma traição amorosa seria o principal motivo do conflito, que fez Goiás se parecer com um faroeste. Em vez de cavalos, carros. E a motivação: disputa por mulher.

O crime ocorreu supostamente por causa de uma traição da esposa do empresário Fernando da Rocha Nascimento com Brasão. Nascimento teria confessado o crime e se apresentou à polícia espontaneamente, facilitando o trabalho dos investigadores.

Outro vídeo bastante compartilhado no país envolve o assassinato de um cigano, no distrito de Linhares.  Dois PMs de Goiás teriam sido supostamente contratados para assassinar o cigano. Os dois conseguiram o intento. Mas o filho do cigano reagiu na hora e matou os dois assassinos de aluguel, revelando uma tragédia que afeta famílias de vários estados.  Um vídeo mostra os últimos segundos de um dos PMs, para horror de familiares e de todos que o conheciam.

CICLISTA

Quando as autoridades policiais de Goiânia comemoravam a redução de homicídios, eis quem um caso fecha o ano com a marca da maldade. No dia 30 de novembro de 2015, uma ciclista foi morta com um tiro na cabeça após assaltantes tentarem roubar sua bicicleta. Cibelle Silveira, 31, jovem carismática no trabalho e na igreja, pedalava pela BR -060 quando foi rendida por  homens que tentaram levar sua bicicleta.

Ela estava acompanhada pelo marido e o cunhado, que a levaram para o Cais do Bairro Goiá, onde já chegou sem vida. A cena repete a criminalidade típica por conta da falta de efetivo policial, que tem como função estar presente nos espaços públicos e agir em defesa do cidadão quando necessário.

Um policial rodoviário federal poderia ter impedido o assassinato, caso estivesse na rodovia. A jovem foi morta de forma torpe e causou indignação na Capital, fato que motivou uma série de protestos contra a violência urbana.

BALA PERDIDA

No último mês do ano, para não desmentir que Goiás segue de perto as modalidades de violência que ocorrem nos grandes centros, em 3 de dezembro de 2015, uma bala perdida atingiu uma criança dentro do carro da família.

A menina de 9 anos foi atingida no pulmão e no fígado quando transitava pelo Anel Viário, no setor Garavelo. Pai da vítima, Virco Batista do Sacramento, contou que foi tudo muito rápido e disse não ter nenhum conflito que tenha motivado a ação.

Em agosto, uma criança de 8 anos, Evelyn Batista Rodrigues, foi atingida dentro de uma lanchonete, em Caldas Novas. A pequena morreu também por conta de bala perdida, um problema gravíssimo que tem cada vez mais se transformado em manchete no Estado, mas sem nenhuma contrapartida do aparato de Segurança Pública.

Assim, começam as estatísticas, com um caso aqui e outro ali, como o de Caldas Novas. Quando se percebe, já é tarde e Goiás estará na lista dos Estados com mais mortes por bala perdida – nos estudos sociológicos, bala perdida significa abandono das comunidades por conta do Estado e da anunciação de uma sociedade de risco em que nem os inocentes estão livres da maldade.

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