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“É uma dor na alma que nunca vai acabar”

“Tristeza não tem fim, felicidade sim.” É com esse sentimento da rima e prosa do poetinha Vinícius de Morais, entoado de lágrimas, que famílias ouvidas pela reportagem do Diário da Manhã, falaram sobre as vidas ceifadas pelas mãos do vigilante Tiago Henrique Gomes da Rocha, 27 anos, suposto serial killer. Após mais de um ano da prisão do algoz e do adeus das vítimas, para os familiares o tempo parece não ter sido suficiente para superar a dor. Foram 35 pessoas assassinadas inocente e aleatoriamente em Goiânia.

Nem mesmo o fato de saber que no caminho de Tiago 16 júris populares, por enquanto, o aguardam para determinar sua sentença na prisão, consola o lamento profundo de pais, irmãos, tios, avós e amigos. Para cada vítima que teve sua vida interrompida pela violência, mais outras centenas de vidas, sonhos e projetos foram cessados. A ausência de cada pessoa é uma dificuldade “elevada ao cubo” para aquelas que ficaram e tentam continuar a jornada terrena.

Para recontar essas histórias, a reportagem do DM entrou em contato com várias famílias. Algumas não quiseram relembrar sua dor e preferiram não se pronunciar sobre o assunto. Três, nesse primeiro momento se abriram à equipe e contam como a perda repentina transformaram suas vidas.

Enclausurado

Enquanto isso, processos tramitam na Justiça e Tiago Henrique permanece detido no Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. Ele já foi sentenciado a 12 anos de prisão por dois assaltos a mão armada em uma casa lotérica de Goiânia. Os delitos aconteceram em menos de um mês, sendo o primeiro no dia 6 de setembro do ano passado. Na ocasião, o vigilante chegou à lotérica pilotando uma motocicleta, cor preta, com o capacete na cabeça. Ele entrou no local,  anunciou o roubo mediante arma de fogo e coagiu três pessoas que estavam na agência, subtraiu R$ 3,9 mil do estabelecimento e saiu tranquilamente.

No segundo assalto, no dia 1º de outubro, Tiago Henrique voltou à mesma casa lotérica. De modo igual, agiu como no primeiro caso e nesta segunda ação roubou R$ 8 mil da agência. Em ambos os crimes praticados, não houve feridos.

Contudo, preso no dia 14 de outubro de 2014 em Goiânia, confessou ter cometido 39 assassinatos. Depois de muitos depoimentos à polícia, o suposto serial killer afirmou que na verdade foram 29 pessoas mortas.

Julgamento

Entre as vítimas de Tiago Henrique, além de mulheres, estavam moradores de rua e homossexuais. Para a Justiça, o vigilante é responsável por 35 homicídios, dos quais já é acusado e enfrentará, por enquanto, 16 júris populares. Sendo que em 30 houve pronúncia para o julgamento por meio de jurados. Os outros 14 processos ainda aguardam decisão judicial. O imbróglio se deve ao fato da defesa do suposto serial killer ter recorrido de todas as sentenças.

Contudo, o primeiro júri popular, a ser enfrentado por Tiago já tem data marcada para o próximo dia 16 de fevereiro, às 8h30, no Fórum do Setor Oeste. A sessão ocorre no 1º Tribunal do Júri de Goiânia. O julgamento poderá ser visto, ao vivo, pelo site do Tribunal de Justiça de Goiás (www.tjgo.jus.br). O vigilante será julgado pelo homicídio de Ana Karla Lemes da Silva, 15 anos, morta no Setor Jardim Planalto.

Os 300

De acordo com o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 13º Vara Criminal da Capital e do 1º Tribunal do Júri, o processo de Ana Karla foi o primeiro a ser remetido ao TJGO. Vinte e cinco pessoas serão selecionadas, porém, apenas sete participarão do processo de julgamento popular. Pelos crimes praticados, Tiago Henrique deve ser julgado por homicídio duplamente qualificado com as qualificadoras de motivo torpe e por não dar chances de defesa às vítimas.

“Caso for julgado e condenado em todos os crimes, Tiago Henrique pode pegar mais de 300 anos de detenção. No entanto, conforme a lei, ele deve cumprir no máximo 30 anos preso. Como as penas interferem no regime de progressão, ele pode passar esse tempo em regime fechado. No Estado de Goiás, no meu conhecimento, não teve outra pessoa que tenha praticado tantos homicídios quanto o Tiago”, ressalta o juiz Jesseir.

Saiba mais

Casos envolvendo Tiago Henrique em que já houve decisão para júri popular:

Famílias desestruturada pelo Serial Killer

Fernanda Laune

Durante as visitas, a equipe de reportagem se deparou com famílias que, com a perda do ente querido, perdeu também a alegria e sonhos. Para eles, o tempo não cura a dor e a saudade é cada dia maior.

À espera de Justiça

Vítima: Ana Maria Vitor Duarte

Para a mãe Cleusa Vitor de Paula, Tiago ainda tem muitos privilégios (Foto: Cristóvão Matos)

A reportagem do DM combinou um encontro com o pai e a irmã de Ana Maria, mas mesmo muito abalada e emocionada, a mãe Cleusa Vitor de Paula preferiu dar entrevista. Um momento de muitas lágrimas, tristeza e recordações. Cleusa não perdeu a filha mais nova, mas sim uma companheira da vida que era cercada e querida por muitos amigos.

Ela tinha 27 anos e era assessora parlamentar. Estava numa lanchonete no setor Bela Vista, no dia 14 de março de 2014, quando foi atingida supostamente pelo vigilante Tiago Henrique.  Ela estava na companhia do noivo e de amigos quando ele teria descido da moto, com capacete, dado voz de assalto e em seguida baleado Ana Maria, que não resistiu os ferimentos.

Durante a entrevista, a mãe contou que espera que se cumpra a justiça para ela e todas os familiares das vítimas do vigilante. “Mas, eu gostaria de saber além da justiça. A justiça do direitos humanos, aonde eles estão? Cadê eles? Só existem para o réu? Para proteger o réu? E as famílias? Os pais que choram pela perda de seus filhos e que nunca mais vai ter o direito de estar com eles”, diz bastante emotiva, Cleusa.

“O direito humano eu não sei onde ele mora, eu não sei aonde ele vive, eu não tenho acesso a ele. Mas, o bandido tem”, desabafa Cleusa. Para ela, outro fator de mal estar é pensar que o preso vive “as custas” da sociedade: “O pior é que eu como cidadã, como gente que trabalha, ainda tenho que pagar pra esse homem ficar preso, pagar para ele viver, comer e beber as minhas custas, as custas de toda a sociedade. Nós precisamos mudar!”.

Diante de muitas lágrimas, Cleusa conta que a partida da filha deixou uma dor imensurável. Durante toda a entrevista ela estava bastante abalada. Foi intenso, verdadeiro e triste: “A nossa dor não é física, que dá uma bofetada, mas é uma dor na alma que nunca vai acabar, é só isso, a minha tristeza nunca vai acabar. A saudade da Ana Maria nunca vai acabar.”

Entrevista foi um momento difícil: muitas lágrimas e saudade (Foto: Cristóvão Matos)

Família desfeita

Vítima – Beatriz Cristina Oliveira Moura

Além da lembrança e de carregar a irmã no coração, Lorena gravou, em uma tatuagem, homenagem à irmã (Foto: Íris Roberto)

Para falar sobre Beatriz, a reportagem entrevistou a irmã Lorena Eterno Oliveira, 28 anos, garçonete. Lorena contou que a irmã morava com os avós, em razão da mãe delas ter falecido quando Beatriz tinha apenas 4 anos de idade. Com a tragédia de Beatriz a avó diante de tanto sofrimento, teve depressão e acabou falecendo três meses depois.

“A minha família toda desestruturou, a Beatriz era o nosso porto seguro, não era só minha irmã mais nova, era uma irmã, mãe, amiga e braço direito”, afirma Lorena. Ela explica que Beatriz era uma menina do bem, evangélica e não tinha namorado.

Um dia antes da morte da irmã, Lorena disse que havia comprado um notebook para Beatriz começar a praticar para um curso de computação, mas ela nem chegou a receber o presente. “Eu comprei no sábado para entregar no domingo, no dia que ela morreu. No dia que aconteceu, era domingo e nós íamos fazer almoço de aniversário para a minha avó, que comemorava o aniversário na segunda”, conta Lorena.

Lorena explica bastante emocionada que a irmã estava indo comprar pão pela segunda vez, já que na primeira tentativa encontrou a padaria fechada, quando no meio do caminho, muito perto da casa da avó, o vigilante Tiago Henrique passou de moto e atirou. Ela disse que de acordo com testemunha que viu o crime, o assassino não tentou assaltar, simplesmente atirou e saiu.

Lorena estava em casa no momento em que recebeu um telefonema avisando que a irmã tinha levado um tiro. Foi correndo para o local e entrou em pânico, diante da situação. Beatriz não resistiu aos ferimentos e veio a óbito imediatamente, no dia 19 de janeiro de 2014, no Setor Nova Suíça.

“Xodó” da família, a perda de Beatriz desestruturou a casa (Foto: Íris Roberto)

“É uma perda muito difícil. Quando perdi minha mãe aos 9 anos, eu era criança e não senti tanto, mas a minha irmã foi maior a dor, foi um pedaço de mim. Minha irmã estava indo comprar pão, comprar pão e acontece isso!”

Dificuldades

“Ele fez por maldade mesmo, pura maldade! Ele está lá, só vemos bem vestido e arrumado, bonitinho. E a minha família acabou. Minha avó morreu de sofrimento, ela se acabou. Meu avô dá surto só de lembrar do que aconteceu com a Beatriz!”, diz Lorena inconsolavelmente. O avô está com depressão, doença de Alzheimer e só levanta da cama com ajuda da neta Lorena e durante toda a visita da equipe ele estava ao lado na cama dormindo.

Beatriz era o “xodozinho” da família, a irmã ressalta que era um tipo de pessoa que era parceira em todos os momentos. “A minha irmã para mim era muito importante. Eu não esqueço nenhum dia dela, lembro todos os dias. As vezes eu me pego nervosa, sento e peço a Deus, fico lembrando dela e me acalmo”.

Lorena fez uma tatuagem em homenagem a Beatriz, com o apelido carinhoso a que ela respondia: “Bia”.

A irmã da vítima relatou que fica indignada quando pensa que o assassino da irmã está protegido numa cela, onde recebe uma alimentação toda cuidadosa enquanto isso, a vida fora da prisão segue com dificuldade. Diante da dependência do avô, além de um filho e sobrinho, ela sozinha é responsável pela casa, financeiramente e nos cuidados.

“Nós não contamos com nenhum apoio. No dia que o Tiago foi apresentado pelo governador, teve assistente social falando que ia arrumar psicóloga para os meninos, mas depois disso nunca teve nada. Os direitos humanos está do lado dele lá, ele está preso e bem, numa cela que até televisão tem”, conclui a irmã, sem condições de continuar a entrevista.

Sonhos interrompidos

Vítima - Bruna Gleycielle de Sousa Gonçalves

Com a foto da filha e do neto em mãos Marlene desabafa que o menino ainda tem pesadelos e sente falta da mãe (Foto: Íris Roberto)

A equipe do DM foi recebida pela mãe de Bruna, Marlene Bernadete Sousa, 55 anos, que contou sobre a filha que a deixou com um neto de oito anos. Na época Cristiano Ronaldo tinha apenas 6 anos e ia todos os dias com a avó buscar a mãe, quando chegava do trabalho, num ponto de ônibus próximo da casa.

Marlene explica que a filha era recepcionista de academia em um shopping e no dia do assassinato ela estava no ponto de ônibus na avenida T-9, em Goiânia. Ela tinha o costume de pegar ônibus em outro ponto, mas tinha mudado recentemente de local por andar preocupada com a violência, acreditando que em uma avenida seria mais seguro.

Porém, no dia 08 de maio de 2014 Bruna foi vítima da violência. O vigilante Tiago Henrique supostamente a abordou no ponto de ônibus com voz de assalto e atirou em Bruna. Ela não resistiu aos ferimentos.

A mãe relembra que no dia estava chovendo, foi para o ponto de ônibus buscar a filha com uma blusa de frio e um guarda chuvas para entregar a ela. Foi quando recebeu um telefonema, do celular de Bruna mesmo: era um amigo que estava aguardando o ônibus com ela e avisou que tinha levado um tiro.

“De coração: não queria que ele morresse. Se ele não se arrepender aqui, vai ser condenado pela eternidade”, Marlene sobre Tiago.

“Depois que a Bruna foi embora, sempre falta um pedaço, tá faltando. Ela era uma moça alegre. Ela limpava a casa, colocava música e ficava cantando. Todo salário que ela recebia me entregava, para ajudar na casa. O único dinheiro que ela pegava era para dar lanche para o filho. E falava: mãe quando sobrar alguma coisa guarda pra mim”, conta Marlene.

Cristiano Ronaldo, filho de Bruna, estava na escola quando a equipe do

a família. A avó relata que somente agora o neto está começando a se recuperar e conta com apoio psicológico. “Outro dia ele acordou chorando bastante e falou que tinha sonhado que a mãe dele tinha morrido, que eu fazia uma incisão e ficava com “defeito” e que o pai tinha ido embora para os Estados Unidos e não voltava”, diz Marlene.

No momento, explicou para o neto que se Deus levou a mãe e a deixou, porque a avó tem capacidade de cuidar dele. Marlene comenta que às vezes a pessoa não está preparada para a aflição dos dias ruins e que dias desses leu um recado em um caderno do neto em que estava escrito: “Bruna, estou com muitas saudades de você”. “Ele lembra da mãe com muita alegria, pergunta das brincadeiras que ela fazia com ele mais novo”, afirma a avó.

Os sonhos de Bruna foram interrompidos. Ela era formada, técnica em segurança do trabalho, e estava planejando entrar para a polícia e fazer o curso de Educação Física. Com isso, já programava arrumar a casa da mãe. Mas, a tragédia chegou antes.

“Não recebo nenhum apoio. Meu conceito de justiça é diferente. A justiça é simplesmente tirar ele das ruas. A justiça para mim é quando a pessoa recebe o castigo necessário que ela sinta que está sendo castigada. Com o fardo que ele cometeu errado, reconheça e se arrependa. Mas se por ele na rua, vai continuar matando. Agora ele tá sendo protegido de várias formas, embora que eu acho que muitas pessoas estão falando que ele vai pagar com a própria vida. De coração: não queria que ele morresse. Se ele não se arrepender aqui, vai ser condenado pela eternidade”, conclui Marlene.

Marlene Bernadete Sousa, mostra à reportagem lembranças que ficaram da filha. A bolsa que Bruna usava no dia do crime nunca foi lavada: ainda tem marcas de sangue da violência (Foto: Íris Roberto)

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