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COTIDIANO

Tabus da amamentação

Que o leite materno é de fundamental importância para a saúde do bebê, por conter todos os nutrientes necessários para um crescimento saudável, além de contribuir para o desenvolvimento emocional da criança, isso não é segredo para ninguém. Tanto que  agosto é o mês dedicado à conscientização a respeito do tema: dia 1º de agosto é comemorado o Dia Mundial da Amamentação, e a primeira semana do mês esse ano foi dedicada ao aleitamento materno.

Apesar das homenagens há ainda alguns tabus ao redor do tema  que acabam se tornando problemas para as mães, como por exemplo a sensualização dos seios no momento da amamentação, a amamentação em locais públicos e a amamentação prolongada ou seja, quando a criança é considerada grande demais para continuar se alimentando pelo seio materno.

O fato é que mesmo as mães que nunca passaram por uma situação que consideram realmente constrangedora, já se sentiram vítimas de olhares, vindos de conhecidos ou não, que acabaram tornando o momento da amamentação desconfortável.

Heloise Gontijo, por exemplo, em entrevista ao Diário da Manhã, contou que nunca foi diretamente constrangida, mas já foi alvo de olhares de repulsa e/ou reprovação, além de erotização, quando amamentava sua filha Manuela, de um ano e 9 meses, em público. “No início eu me sentia muito constrangida e cobria meu seio com uma fralda. Me sentia culpada pelos olhares, como se eu estivesse fazendo algo errado. Daí conversei com o meu marido, que me apoiou e incentivou. Hoje sinto mais liberdade em amamentar. Aprendi a fazer a famosa ‘cara de alface’ para os olhares de reprovação (risos)”.

Erotização

Mas aquelas mães mais sensíveis ou que não conseguem lidar com os constrangimentos usando do bom humor como a Heloise, acabam se chateando e, algumas vezes, dependendo da gravidade da situação que vivem, até adquirindo problemas psicológicos em decorrência de situações traumáticas que viveram ao amamentar.

É o caso de Larissa Neves (nome fictício), que ano passado, ao esperar atendimento médico em um consultório da capital goiana, foi vítima de um assediador no momento da amamentação. Ela contou à reportagem que estava vestida de modo simples e nada provocativo, com calça jeans e bata, quando a filha de dois meses que ela carregava nos braços começou a chorar de fome.

Havia um rapaz sentado na frente de Larissa, aparentando ter cerca de 28 anos. Ela, entretanto, atendendo o chamado da filha, começou a amamentá-la. “Fazia uns 2 minutos que eu estava amamentando minha filha quando esse rapaz começou a dizer: ‘que delícia heim? Peitões grandes, quero eles pra mim, sua gostosa’. Daí olhei para esse cara e ele estava acariciando suas partes intimas e fazendo gestos obscenos”, recorda ela.

Larissa se indignou, colocou a filha no bebê conforto e começou a xingar e ameaçar de bater no homem com a bolsa pesada que carregava, mas ele não se intimidou e apenas lhe dirigiu um sorriso que ela julgou repleto cinismo. Ela foi até a secretária, que se encontrava na sala ao lado, e, aos prantos, contou o que havia acontecido. O marido de Larissa veio em seu socorro, pediu para chamar o dono do consultório e ela foi, chorando, esperar no carro. “O dono veio até mim e, com ar de cinismo e deboche, disse que aquele moço não faria isso nunca, pois ele era pregador de uma igreja protestante importante da cidade. Fiquei chocada e respondi apenas que eu não era nenhuma louca para inventar tamanha barbárie”, relata.

Ela diz se arrepender muito de não ter prestado queixa na delegacia contra o homem, mas que na época ficou com medo, além de muito envergonhada pelo ocorrido. “Nas semanas seguintes eu fiquei tão assustada que sonhava com aquele homem, com o que ele havia feito e com o rosto de deboche do dono da clínica. O resultado foi que eu não consegui mais produzir leite. Fui ao médico varias vezes, tomei remédio para aumentar a produção de leite, mas não tive nenhum efeito, meu leite secou completamente”, conta.

Para Larissa, o resultado do ocorrido não foi nada positivo. Atualmente sua filha se alimenta com leite de lata e ela faz terapia duas vezes por semana para superar a humilhação que viveu. “Também tive que adiar a minha volta ao trabalho, pois desenvolvi síndrome do pânico. A terapia está começando a surtir efeito. Infelizmente não tive mais condições de amamentar a minha bebê, isso por conta de um doente, gasto rios de dinheiro com terapias e calmantes manipulados, ganhei peso, estou com uma queda terrível de cabelo e tenho pesadelos constantes. Mas sei que logo voltarei ao normal”, conclui ela.

Outras mulheres relatam casos semelhantes ao de Larissa. Recentemente, em grupos de mães do Facebook, circularam algumas imagens de conversas no Instagran, nas quais um homem diz sentir atração por lactantes.

O homem seguia as mães na rede social, curtia as fotos nas quais elas apareciam amamentando e, depois de um tempo, iniciava uma conversa no bate-papo, pedindo para “conhecer melhor” a mulher, pois o sonho da vida dele era fazer amamentação materna.

Situações como essa, constrangem as mulheres e suas famílias, além de tornar a experiência da amamentação, que deveria ser de entrega e amor absolutos, em motivo de vergonha e preocupação.

Palavra de especialista

Maria Isabel Peres Costa,  Psicóloga Clínica Especialista Em Família Casal EMDR e Psicologia Transpessoal, em relação ao relato de Larissa, explica que ela foi invadida em um momento único de afeto e nutrição por sua filha. “Essa invasão se caracteriza por um abuso psicológico gerado em torno de um desequilíbrio de poder, nesse caso(Homem x mulher). Esse abuso psicológico pode causar muitos danos emocionais como: 1) Culpa: por pensar que ela ocasionou aquela situação e não tomou os cuidados necessários; 2) Ansiedade: que pode acarretar perda ou ganha de peso; pensamentos disfuncionais, que afetam a emoção e comportamentos de forma negativa, podendo vir a ser obsessivos, isto é, persistentes; e 3) Insegurança: sentimento de insegurança que traz diversos medos (medo de ficar sozinha, medo de amamentar em público novamente e etc.), insegurança também em relação ao sexo masculino, entre outros”, explica ela.

Todos esses sintomas psicológicos, segundo Maria Isabel, ainda podem ser somatizados e trazerem consequências físicas, “tais comoinsônia, pesadelos, queda de cabelos, urticarias e várias outras disfunções. Esses sintomas podem variar muito, dependendo de cada pessoa, suas vivências e saúde”.

Por isso a psicóloga ressalta ser imprescindível um acompanhamento psicológico após uma situação como esta, para que todas essas consequências sejam minimizadas, em alguns casos sendo necessário inclusive tratamento com medicamentos.

“Quando situações causam dores na alma, como foi no caso dessa mãe, pode-se desencadear um ‘gatilho’ psicológico negativo, trazendo outras dores e abusos, que na maioria das vezes estão inconscientes em nossa. O importante é procurar ajuda psicológica para evitar sequelas maiores (como insônia persistente e pensamentos disfuncionais)e tratar os sintomas”, defende Maria Isabel.

A psicóloga deixa claro que amamentar o filho, mesmo em público, é um direito da mulher e não pode ser, de maneira nenhuma, tolido. “Infelizmente, não é possível nos proteger de situações como essa, vivemos em uma sociedade machista que muitas vezes facilita comportamentos tão inaceitáveis assim, por isso devemos nos posicionar e denunciar para que casos como esse não saiam impunes. Se possível tentar manter a calma, buscar ajuda e quem sabe até obter provas (filmando com o celular – vide caso recente que ocorreu no metro de Nova Iorque - ou chamando a atenção de mais testemunhas) uma saída para posteriormente facilitar ações judiciais cabíveis. Lembrando que a denúncia não eliminará o trauma causado nem seus sintomas, apenas pode minimizar a dor trazendo alguma justiça” aconselha ela.

Sobre o comportamento de homens como o que constrangeu Larissa, Maria Isabel explica que pessoas abusadoras, geralmente cresceram em um ambiente abusivo. “Podem ter sido abusadas emsua infância e vida, ou presenciado abusos em mulheres. Por isso não reconhecem o seu comportamento como sendo abusivo. Esse histórico somado a uma sociedade machista, dificultam ainda mais a sua percepção e respeito pelo outro”, finaliza.

Mães empoderadas

Danielle Maria, consultora em amamentação e doula pós parto, explica que amamentação em público ainda é um tabu. Segundo ela, muitos não veem a amamentação como algo essencial à sobrevivência do bebê, pensam que há segundas intenções e o intuito de sensualizar. “Somos o país da contradição, se as mulheres mostram os seios no carnaval é arte, mas se a mãe precisa amamentar é recriminada. Algumas mulheres que acompanho têm muito medo da discriminação e dos olhares de desaprovação, algumas até evitam sair de casa. Mas eu sempre enfatizo que amamentar é um ato de amor , um direito delas e de seus bebês”, argumenta.

De modo a auxiliar as mamães, Danielle sugere as rodas de pós-parto e os grupos de apoio virtual. “Isso é importantíssimo, pois vendo mulheres que passaram inclusive por situação de assédio e outras que estão no mesma situação elas se empoderam e se sentem mais fortes para enfrentar os desafios da amamentação”, assegura ela.

“Somos o país da contradição, se as mulheres mostram os seios no carnaval é arte, mas se a mãe precisa amamentar é recriminada” Danielle Maria, consultora em amamentação e doula de pós parto

Danielle explica que a sensualização dos seios é algo presente em nossa cultura, mas não em todas. “As mulheres de tribos africanas acham graça quando contamos dessa erotização, pois pra elas amamentar em público é algo totalmente natural. Ainda precisamos de muitos avanços, mas percebo muitos paradigmas têm sido quebrados, as mulheres têm se empoderado, se unido e aos pouquinhos tornado o mundo um lugar melhor e a experiência da maternidade mais leve”, finaliza.

[box title="Benefícios da amamentação prolongada"]

Quando uma mãe amamenta um bebê maior que um ano, muitas vezes, elas se tornam alvo de repreensão e comentários constrangedores. “Esse peito ainda sai leite?” ou “essa criança nunca vai sair do peito?” são alguns dos comentários que elas ouvem quase que diariamente. Danielle Maria explica, entretanto, que existem evidências científicas que mostram que mesmo após um ano de idade o leite materno traz inúmeros benefícios para os bebês e suas mães.

Ela argumenta que a recomendação da OMS é que o aleitamento materno siga até, pelo menos, os 2 anos de idade, em paralelo com a alimentação da criança, que deve ser rica e variada. “Mas  pode (e deve) prosseguir se mãe e filho desejarem. Aconchego e segurança  fortalecimento do vínculo mãe-bebê são apenas alguns dos benefícios da amamentação após 1 ano de idade”.

Exibindo

Danielle destaca que, segundo o UNICEF, 500ML de leite materno fornece 95% das necessidades de vitamina C, 45% das de vitamina A, 38% de proteína e 31% do total de energia que uma criança precisa diariamente. Assim, mesmo depois dos 2 anos, o leite materno ainda é uma importante fonte de nutrientes.

Exibindo

“Além da nutrição a saúde da mãe e do bebê são melhores, o aleitamento reduz as chances de osteoporose, câncer de mama, útero e ovários na mãe e doenças respiratórias, alérgicas e gastrointestinais no bebê, isso sem contar que o sistema imunológico é reforçado, pois é rico em imunoglobulinas. Além disso, o leite materno é sustentável,  faz bem ao bolso e ao planeta: economiza se muito com o custo de fórmulas, mamadeiras e água para esteriliza-las”, explica a consultora em amamentção.

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