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Crianças mudam imagem do papai Noel

Júlia Marie - Uma lenda diz que se você não acreditar no papai Noel em vez dele trazer presentes, então ele deixa um saco de carvão no lugar. Davi - Ah...Tá bom. Se ele deixar carvão fazemos um delicioso churrasco (risos).

Entrevistamos quatro crianças com ideias completamente diferentes sobre papai Noel e Natal.  Ternas, muitas vezes ingênuas, irônicas, às vezes realistas...Elas até se esforçam para acreditar, mas  como crer em um  personagem criado principalmente pela indústria para ajudar nas vendas de Natal? Como acreditar, afinal, em um bom velhinho que muitas vezes usa uma barba falsa e coloca um travesseiro na barriga?  

Não se sabe ao certo quando a história de papai Noel deixou de ser  plausível para as crianças. Mas com certeza desde a disseminação da era da informação que elas não confiam muito no bom velhinho como o personagem que sai por aí em um trenó puxado por renas e que distribui presentes – esta versão é a que ficou e surgiu com o clássico poema de Clement Clarke Moore.

O novo paradigma do papai Noel é enfrentar um grupo cada vez maior de crianças que habitualmente lê, estuda sobre mitologias, folclores e costuma ser bem informada pelos pais.  

O fato é que não acreditar em papai Noel, por volta dos três a quatro anos, passa a ser comum – uma regra de vida que pode até doer nas primeiras horas, mas passa logo depois.

Nem sempre foi assim. Um estudo de psicologia social realizado pela Universidade Columbia, no final da década de 1970, mostrou que de 250 crianças menores de sete anos, mais da metade (57%) acreditava que o bom velhinho existe e faz algumas magias, como voar e distribuir uns presentinhos na véspera. Dentre as que mais acreditavam, de quatro a seis anos, a porcentagem espantava: 90%.

Não existem pesquisas similares na modernidade ou no Brasil.  Mas a nova geração enxerga o papai com bastante ceticismo.  

Ao depararmos com quatro crianças abraçadas com um papai Noel em um dos shoppings de Goiânia resolvemos puxar conversa para ver até onde a lenda se sustentava. A mais baixinha do grupo, que se intitulava de “Caçadores de papai Noel”,  Kiara Gonçalves de Castro, está no limite da fantasia: fala com convicção que papai Noel...existe.  Afetuosa, ela pensa alguns segundos e cria sua história para uma pergunta já inquisidora que desejava saber se ele realmente existia: “É o papai Noel que dá os presentes de Natal. Eu acredito nele sim!”.

Kiara sofreu questionamentos das crianças ao lado e manteve seu discurso. Não deu ouvidos para as censuras e trouxe as provas da crença: “Ele é vermelho e branco e muito bonzinho. Em todos os shoppings eu sento no colo dele para tirar fotos. Ele vem da neve com todos os presentes de trenó”.

Quando os amigos e primos já estavam irritados com sua convicção, ela olhou para o lado e testemunhou: “Já vi ele chegando na noite de Natal. Quando alguém fala que ele não existe, eu falo que amo ele”.

Perfeito: a fantasia era mais do que esperada. Sua narrativa quase mexeu com o mais baixinho das crianças que aguardava sua vez para dar o depoimento.  Ficou pensativo, com olhos brilhando...mas não perdoou.       

Primo de Kiara, Davi Gonçalves Rocha, 4, foi lacônico: “Papai Noel não existe. Ele é só um velhinho bom que come muito. Eu gosto dele porque dá balinha e só”. Kiara não percebeu que o primo de certa forma negava sua teoria sobre o papai Noel e ao ouvir sobre as balinhas reforçou sua convicção: “É isso mesmo: ele dá muitas balinhas!”.

Quando a imagem de papai Noel já estava no chão, chegou Leandra Gonçalves de Castro, 10, para passar por cima e reafirmar que o Natal é um paradoxo, já que desperta o amor de Cristo e ao mesmo tempo uma mentira: a de que existe um bom velhinho que dá presentes. Mas como ele, de fato, não dá nada, por realismo, sempre sobra para os pais se virarem.  “Ele é só uma farsa. Se você for a todos os shoppings, vai ver que são diferentes. Eu vi isso há um tempo. Têm uns que a barba e barriga são falsas. Quando eu era pequena acreditava, mas agora sei que meu papai Noel é meu pai. Apesar de gostar das luzes e enfeites, sei que o Natal representa o nascimento de Jesus”, resumiu a meninona disposta a acabar com o mistério do papai Noel.

Quase adolescente, Júlia Marie Silva, aos 11 anos, recorda até hoje quando foi informada que papai Noel não existe: “Descobri que o papai Noel não existia na escola, na quarta série, quando um amigo me contou. Fiquei um pouco triste, mas já superei”.

Júlia diz que ele chegou, olhou bem na cara dela e disse que os presentes que tinha recebido não eram de “papai Noel coisa nenhuma”.  Júlia afirma que retrucou: “Como assim?”. A resposta a confundiu: “Como assim não! Esse papai Noel é o seu pai!”.

Júlia diz que entrou em conflito com o colega, pois não aceitava que falassem que o verdadeiro pai dela era gordo e já velhinho. “Não aceitei a ideia, mas depois pensei bem e vi que tinham razão. Em partes. Fiquei feliz em saber que papai Noel, na verdade, não era meu pai, gordo e com barba. Mas que dava os presentes”.  

Para Júlia, os festejos do dia 25 são mais importantes do que o papai Noel. “Natal é o nascimento de Jesus, agradecimento pela vida e não só pelos presentes, além de momento de curtir a família”.

Caçadores de Noel


Três das quatro crianças não acreditam muito na história de papai Noel, mas mesmo assim fazem sempre um programa na época de Natal: tirar o máximo de fotos com o bom velhinho e analisar quem mais se parece com a lenda.

Para Leandra Gonçalves, falta rigor com alguns “papais”. “Já olho e vejo se a barriga parece verdadeira. E se a barba não colar já rebaixamos a nota”. Dos papais noéis de Goiânia ela preferiu o que está em um shopping: “Perfeito. Parece muito com o papai Noel”.  Na hora que o quarteto chegou para fazer a foto,  a menorzinha, Kiara, irmã de Leandra, puxou a barba para ter “certeza” de que o papai Noel era “real”.

Em contrapartida, as caçadoras de papai Noel não gostaram muito do personagem que estava na praça Cívica, durante a programação de Natal patrocinada pelo governo.  Kiara também fez o teste da barba de novo e ficou confusa: “Uns são de verdade, outros não!”.  

[box title="Especialistas alertam como lidar com a fantasia"]


O evangelista e jurista Paulo Henrique Rocha diz que a festa tem inúmeras inovações que são estranhas ao legado cristão.  Para ele, é preciso tratar com cuidado o assunto e informar corretamente a criança. “Ao longo dos anos o Natal tem sido desfigurado com algumas inovações estranhas às Escrituras. Vejamos: primeiro, o Papai Noel. O bojudo velhinho Papai Noel, garoto propaganda do comércio guloso, tem sido o grande personagem do Natal secularizado, trazendo a ideia de que Natal é comércio e consumismo. Natal, porém, não é presente do homem para o homem, é presente de Deus para o homem”, diz Paulo.

Para o evangelista, Natal é a festa da graça e proibir a criança de celebrá-la seria um equívoco. Mas ele contemporaniza:  “Natal não é festa terrena; é festa celestial. Natal é a festa da salvação. Tão grave quando a distorção do Natal é a proibição da celebração do Natal. Na igreja primitiva a festa do ágape, realizada como prelúdio da santa ceia, foi distorcida. A igreja não deixou de celebrar a ceia por causa dessa distorção. Ao contrário, aboliu a distorção e continuou com a ceia”.

Paulo acredita que é preciso separar os acréscimos e excessos. “Não podemos jogar a criança fora com a água da bacia. Não podemos considerar o Natal, o nascimento do Salvador, celebrado com entusiasmo tanto pelos anjos como pelos homens, uma festa pagã. Pagão são os acréscimos feitos pelos homens, não o Natal de Jesus”.

Para o evangelista mais importante do que a árvore enfeitada, todavia, é celebrar “o Verbo que se fez carne”. Ele acredita que não é o ideal celebrar banquetes gastronômicos e troca de presentes, mas Jesus.

O psicólogo Ivan Matos diz que  as crianças precisam aprender a separar a fantasia de questões religiosas, já que a festa de Natal mistura as duas: “Papai Noel é como um herói, um personagem de quadrinhos. Logo, não tem sentido apresentá-lo como algo com valor simbólico de fé. Acredito que nem mesmo os católicos mais sérios o aproximam para valer ao São Nicolau, que é apontado como seu inspirador”.

Para ele, a criança aprende com naturalidade saber que papai Noel é uma grande ficção. “O problema é que não descobrem um Natal de esperança e de nascimento. Quando crescem, pelo menos muitas delas, continuam materialistas”.

Ele diz que existe uma perversão na lenda do papai Noel que interessa ao mercado: “Quem receberia presente é Jesus, pelo seu nascimento e aniversário. Esta é a narrativa bíblica. Depois criaram a ideia de que todos devem dar presentes. Convenhamos que é uma ótima matemática de mercado”.

Padre Rafael Magul, pároco da Igreja Ortodoxa São Nicolau, diz ao DM que existem várias questões polêmicas no Natal, como a data real de nascimento de Cristo e a própria imagem de São Nicolau – tido como um santo apreciado pela bondade e temperança. Para ele, a Igreja Católica criou o Natal como forma de se contrapor às festas comemoradas na mesma época no Império Romano, as saturnálias, e que excediam com álcool e agressividades. “Existe muita estratégia. Mas essa ideia de bondade, de nascimento do filho de Deus, isso, enfim, essa característica é o que importa para nós, pois temos a oportunidade de falar de Jesus. E com o tempo foi esta a celebração que permaneceu”, diz o padre.

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