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Cogumelos alucinógenos a favor da Medicina

Cientistas norte-americanos desenvolveram estudos que vão mudar a visão que o mundo tem sobre as drogas alucinógenas. Duas pesquisas mostram que a psilocibina, substância psicoativa presente nos cogumelos alucinógenos, pode gerar resultados ainda melhores do que a Medicina tradicional (ou psicofármacos) no tratamento contra os transtornos psicológicos que mais atingem a população mundial nos dias atuais: depressão e transtorno de ansiedade. O sucesso do estudo está nos cogumelos alucinógenos, especificamente a substância responsável pelas alterações psicosensoriais do Sistema Nervoso Central (SNC), a psilocibina.

A New York University (Universidade de Nova York, ou NYU) e a Universidade John Hopkins coordenam estudos que testam a ação dessa substância sobre o cérebro de pessoas que sofrem dessas enfermidades, e ambas as instituições têm apresentado ótimos resultados. Uma dessas pessoas já se sente curada e nunca mais sofreu com a ansiedade desde que experimentou, com acompanhamento de especialistas do campo, os cogumelos que continham a psilocibina na sua composição.

Dinah Bazer, uma novaiorquina de 60 anos, havia sido diagnosticada com câncer de ovário em 2010. Mesmo devastada, a professora de patinação no gelo e programadora de TI venceu a doença com a quimioterapia. No entanto, desde sua vitória contra o tumor maligno, ela se sente assombrada pela doença e teme que ela volte e não resista a uma nova luta. Se tornou ansiosa e temerosa, sendo a morte o seu principal medo.

Desde então, o sentimento de insegurança que tinha em relação à sua vida se tornou patológico, e ela viu que precisava de tratamento pois não conseguia mais viver daquela forma. Descobriu, então, através de diversas pesquisas, que a NYU estava realizando testes alternativos contra a depressão e o transtorno de ansiedade. Ao se inscrever no programa, ela viu que os especialistas estavam fazendo experimentos com cogumelos alucinógenos.

Acompanhada por terapeutas treinados, Bazer tomou uma pílula sem saber se era um placebo ou se estava realmente tomando a psilocibina. Mas os testes superaram suas expectativas, e até mesmo a dos médicos e pesquisadores, que acompanharam cada etapa dos efeitos provocados pela substância no seu cérebro.

O pesquisador da Universidade John Hopkins (JHU) explicou que os efeitos da psilocibina são os mesmos em todo indivíduo que ingere a droga, mas em pessoas com distúrbios psicológicos esses efeitos podem provocar benefícios ao cérebro. “As reações variam um pouco de indivíduo para indivíduo, que na prática significa sudação, alucinações, alteração da frequência cardíaca, dilatação e contração da pupila e alteração do metabolismo celular. Mas no cérebro, as conexões interneuronais são alteradas e otimizadas, aumentando o fluxo eletroquímico entre as células do SNC. Por causa dessa alteração funcional do cérebro que provoca os chamados efeitos colaterais supracitados”, pontua Roland Griffiths, professor de psiquiatria e ciências comportamentais da JHU.

E foi o que aconteceu com Dinah Bazer. “Eu tive visões e de alguma forma senti que elas tinham relação com meu medo. Durante a ‘viagem’ que a droga me colocou, foi como se eu tivesse enfrentado esse medo e tivesse vencido a batalha. Depois que o efeito da droga passou, eu nunca mais senti esse medo e não sofro mais com nenhum tipo de ansiedade”, relata ela.

Aprovação 

Tanto a JHU quanto a NYU faziam os estudos-piloto da mesma natureza, e que também obtiveram resultados igualmente satisfatórios. O estágio mais avançado, também realizado pelas duas instituições, da qual Dinah Bazer participou através do programa da NYU, foram os primeiros estudos maiores de seu tipo.

Os resultados de ambos os ensaios foram tão encorajadores que os cientistas envolvidos esperam que eles sejam capazes de obter o consentimento da Food and Drug Administration (a agência que controla, entre outros processos, a liberação de medicamentos nos EUA) para avançar para uma Fase 3. Essa nova fase, de grande escala do estudo, é o terceiro e final conjunto de ensaios em humanos que é necessário antes que a FDA considere a aprovação de um novo medicamento.

“Este é um caminho potencial para a aprovação clínica”, enfatiza Roland Griffiths, que também é um dos pioneiros na era moderna da pesquisa psicodélica. “Mas essa aprovação requer o próximo passo, que é obter permissão para avançar”. O recente anúncio de que a FDA permitiria ensaios neste nível usando MDMA (o nome químico para a droga comumente conhecida como Ecstasy) para tratar o transtorno de estresse pós-traumático também lhe dá esperança, especialmente porque ele diz que a MDMA pode ter ainda mais “bagagem” do que a psilocibina quando se trata de obter aprovação.

Volta aos anos 60 

Em certo sentido, o trabalho dos pesquisadores se trata-se de uma “renovação” da pesquisa sobre o poder das substâncias psicodélicas, de acordo com Griffiths e Stephen Ross, professor associado da Faculdade de Medicina da NYU, que liderou o estudo da NYU.

Nos anos 50 e 60, os psiquiatras ficaram surpresos com o poder do LSD, da psilocibina e de outros alucinógenos – substâncias que pareciam capazes de reorganizar a maneira como os pacientes viam o mundo e, segundo eles, ajudavam a superar as lutas com o alcoolismo e outras dependências. Mas a era da proibição das drogas arquivou tais pesquisas por várias décadas.

Os cientistas começaram recentemente a fazer experimentos novamente com essas substâncias. Griffiths disse ao site “Business Insider” que começou a analisar experiências com voluntários saudáveis por volta de 2000, num momento em que tal sugestão chocava os conselhos de revisão, que achavam que seria muito perigoso.

No entanto, aos poucos, ele conseguiu convencê-los. O pesquisador começou a recrutar voluntários que não tinham experimentado LSD ou cogumelos alucinógenos. E esta era uma das partes mais difíceis, diz ele, já que ele queria que as pessoas fossem novatas com os psicodélicos, mas a maioria das pessoas que ele encontrava, e que não tinham medo da ideia, já haviam experimentado algumas vezes antes.

Dose única 

Depois que os pesquisadores estudaram um número de pessoas saudáveis, certos fatos científicos sobre efeitos da psilocibina ficaram mais claros. Num contexto terapêutico, eles não encontraram efeitos adversos graves e duradouros do fármaco. No entanto, isso não significa que eles descobriram que ele é totalmente livre de risco.

Griffiths é também o pesquisador sênior em outro artigo publicado recentemente no Journal of Psychopharmacology que entrevistou pessoas que tomaram alucinógenos fora de um ambiente clínico sobre suas piores experiências. Algumas pessoas disseram que passaram por experiências difíceis ou perigosas, algumas inclusive que as levaram a buscar tratamento psicológico mais tarde (Essa é uma pequena porcentagem de casos de uso psicodélico, e muitas dessas mesmas pessoas ainda dizem que suas experiências foram importantes e significativas, mas vale a pena estar ciente).

Mas em um ambiente clínico, uma alta porcentagem de voluntários relataram que a experiência foi uma das mais significativas que tiveram em sua vida, chamando-a de “espiritual” – algo que inspirou reverência e aumentou sua satisfação geral com a vida.

Experiências místicas 

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Esses efeitos profundos foram tão poderosos que eventualmente Roland Griffiths e outros pesquisadores tentaram usar a psilocibina em pessoas lutando para lidar com a ansiedade sobre o fim da vida depois de serem diagnosticadas com uma doença potencialmente fatal, como o câncer. “Nós não temos uma boa maneira de tratar a ansiedade existencial e depressão que é proeminente em pacientes com câncer, e não respondem bem ao tratamento tradicional”, relatou o pesquisador.

No entanto, uma única dose de psilocibina já pareceu útil, de maneira profunda. Os pesquisadores deram aos pacientes uma dose de cerca de 20 miligramas de psilocibina para uma pessoa pesando 70 quilos. Os trabalhos anteriores de Griffiths mostraram que as pessoas que têm “viagens ruins” frequentemente tomam mais – uma média de 30 mg, o que equivale aproximadamente a 4 gramas de cogumelos secos.

Demora cerca de 20 a 40 minutos para que as pessoas comecem a sentir os efeitos. Os pacientes ouviram música durante sua experiência. Griffiths diz que sua playlist incluiu uma mistura de música clássica, incluindo Henryk Gorecki, Bach e Beethoven; canto indiano, incluindo “Om Namah Shivaya”, de Russill Paul; New Age; e música do mundo, para que os pesquisadores pudessem estudar a “melhor” música para a experiência.

Os efeitos da psilocibina desapareceram após cerca de quatro horas – uma das razões pelas quais pesquisadores gostam de trabalhar com essa droga em vez de LSD, que pode durar até 12 horas. Depois, os pacientes conversaram e escreveram sobre o que tinham passado.

Mesmo seis meses após a experiência, 80% dos 51 participantes no estudo da JHU mostraram diminuições significativas na depressão e na ansiedade, conforme medido pelo que é considerado uma avaliação psiquiátrica “padrão ouro”. A equipe da NYU diz que entre 60% e 80% de seus 29 participantes tinham similarmente reduzido a ansiedade e a depressão 6 meses e meio após uma única “viagem psicodélica”.

Estes achados correspondem aos resultados de outros estudos piloto sobre a psilocibina até o momento. Esses estudos sobre o tratamento da depressão e ansiedade relacionados ao câncer têm sido promissores o suficiente para que os pesquisadores tenham começado pequenos estudos sobre o uso de psilocibina para tratar formas mais comuns de depressão. E, até agora, esses resultados têm sido encorajadores. A medicina tradicional para estes casos leva tempo, tem efeitos colaterais e muitas vezes não é muito melhor do que um placebo. Neste caso, uma dose parecia capaz de fazer uma enorme diferença.

Griffiths diz que uma maneira que os pesquisadores caracterizaram a experiência é como sendo o inverso de um Estresse Pós-Traumático. Nestes casos, uma experiência terrível pode mudar a forma como o cérebro de uma pessoa faz com que ela perceba o mundo, com efeitos duradouros. A experiência com a psilocibina seria como o oposto disso – uma única experiência significativa que as pessoas valorizam muito e tem efeitos transformadores e duradouros.

“Eu não acho que tenhamos modelos psiquiátricos como esse”, diz Griffiths. “É mais como uma intervenção cirúrgica”. (Abaixo, é possível ver as conexões feitas em um cérebro comum e, à direita, em um cérebro com psilocibina):

Ainda assim, o processo de pesquisa ainda está no início. Centenas de pessoas já receberam com segurança doses de psilocibina, mas ela ainda é considerada uma droga, o que significa que legalmente não tem aceitação médica. Qualquer pesquisador sabe que antes que eles realmente possam dizer que a psilocibina é um medicamento seguro e eficaz, ela precisa passar pelos processos de aprovação necessários.

Como funciona  a consciência?

E ainda há uma pergunta muito importante ainda não respondida, que podemos estar longe de compreender: como a psilocibina e os outros psicodélicos funcionam?

Sabemos que pessoas que tomam psilocibina e outros alucinógenos – nesses estudos, os participantes consumiram psilocibina sintética, não na forma de cogumelo – relatam que eles têm experiências místicas ou espirituais, coisas que consideram significativas. Mas não sabemos o que causa essas experiências.

Segundo Griffiths, ainda não sabemos o que é responsável pela nossa própria consciência no cérebro. Nós não temos uma boa maneira de caracterizar cientificamente as coisas que transformam a consciência. “Estamos em níveis muito primitivos de compreensão de experiências mais profundas deste tipo”, aponta ele.

Algumas teorias já foram levantadas. Uma interessante tem a ver com uma rede no cérebro conhecida como a rede de modo padrão, algo que associamos ao pensamento autorreferencial – pensar sobre nós mesmos. Em pessoas deprimidas, a atividade nesta rede do cérebro vai para cima, talvez por causa de algum tipo de auto-obsessão ou ruminação associada à depressão.

Mas em certos momentos, essa atividade cai. A meditação parece estar associada a uma forte queda na atividade cerebral desta rede, o que parece corresponder à ideia de dissolução do ego, que é o objetivo de algumas práticas meditativas, segundo Griffiths. Ele diz que realmente se interessou em estudar a psilocibina por causa de sua longa prática de meditação, o que o fez pensar sobre a consciência e os significados das experiências espirituais (embora ele diga que era inicialmente um cético sobre alucinógenos).

A psilocibina parece causar uma queda na atividade da rede em modo padrão que é muito semelhante àquela induzida por certas meditações. Mas a experiência mística induzida é tão profunda que Griffiths acha que a diminuição da atividade não pode ser tudo o que está acontecendo. “Eu suspeito muito de histórias simplistas”, diz ele. Mesmo as pessoas que não encontram realmente a experiência “mística” ainda parecem sofrer uma reorganização no cérebro que muda sua percepção do mundo, algo que parece além das explicações até agora. Ainda mais difícil de entender são as mudanças de longo prazo causadas pela droga.

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