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Curativo biológico com pele de tilápia trata pacientes queimados

Como alternativa no tratamento de lesões das queimaduras pesquisadores do Ceará, Pernambuco e Goiás desenvolveram pesquisa inédita a partir da pele da tilápia, peixe muito comum no Brasil. O estudo revelou que o curativo biológico de pele de tilápia oferece inúmeras vantagens frente ao tratamento tradicional. Dentre as vantagens: o fechamento do leito da ferida, promovendo completa aderência, evitando, assim, a contaminação de fora para dentro da mesma, além de evitar que o paciente perca líquido e sofra com dores.

No tratamento usual das lesões das queimaduras com pomada ou creme antimicrobiano o paciente é submetido a um procedimento que ocasiona desconforto e dor na hora de realizar o curativo. As trocas diárias de curativos a cada 24 horas requerem a remoção total da pomada do ferimento, num processo de limpeza da área, acarretando não só dor, mas demora no processo de cicatrização.

O tratamento de queimados com pele humana ou animal é uma prática comum na Europa e Estados Unidos, contudo, o desenvolvimento de um curativo biológico com base em animais aquáticos é inédito no mundo. A pesquisa vem sendo realizada há mais de dois anos, no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC) tendo como principais membros o coordenador da pesquisa, Edmar Maciel Sousa Lima, Marcelo Borges, Odorico de Moraes e Nelson Sarto Piccolo.

Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã, o diretor-geral do Instituto Nelson Piccolo, chefe de divisão de cirurgia plástica do Pronto Socorro para Queimaduras e cirurgião plástico destacou que a utilização clínica da pele da tilápia mostrou-se promissora, tendo em vista as semelhanças do material com a pele humana, como grau de umidade, alta qualidade de colágeno e resistência. “As vantagens são múltiplas e em planos futuros a gente já está até considerando fazer tipo de derivações do uso da pele de tilápia, pelo fato dela ser tão espessa e rica em colágeno tipo I e tipo III, é uma fase futura de estudo”, avalia.

A pesquisa se encontra na 14ª/15ª fase clínica e após ter sido aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em dezembro de 2015, o estudo em humanos queimados foi iniciado, no segundo semestre de 2016, em pacientes do Núcleo de Queimados do Centro de Queimados do Instituto Doutor. José Frota (IJF), em Fortaleza. O IJF já utilizou o método de tratamento de queimadura com pele de tilápia em pelo menos 56 pacientes.

“O rigor do estudo é grande e o paciente fica maravilhado. A ideia é fechar a ferida o quanto antes. Se for para definir a pele da tilápia em duas palavras: conforto para as queimaduras de 2° grau e proteção para as queimaduras de 3° grau”, define Sarto. Ele observa que o uso clínico da pele da tilápia é empregado em queimaduras de 2º grau profundo e 3°grau.

Esclarece que a eficácia do tratamento em queimaduras de 2º grau consiste no fato de que, assim que a pele de tilápia gruda ela cai quando o paciente sara. Enquanto no caso de queimaduras de 3º grau apesar do corpo não produzir outra pele o curativo biológico protege o ferimento enquanto o paciente sara outras partes do corpo possibilitando a retirada da própria pele do paciente para a realização do transplante de pele.

Custos

Curativo biológico temporário com o objetivo de fechar a ferida evitando a contaminação, a pele de tilápia como qualquer outra pele, usada no tratamento de lesões das queimaduras, resulta em proteção do ferimento, diminui a troca de curativos e a dor. Contudo, é notório que um de seus principais diferenciais está na sua acessibilidade que, consequentemente, reflete nos custos do tratamento.

Nelson Piccolo explica que existem os substitutos artificiais de pele, mas, um pedaço menor que uma folha de papel A4 custa cerca de R$ 40 mil, se, por exemplo, o paciente precisar cobrir o tórax seriam necessários oito pedaços desse, o que, do ponto de vista prático seria pouco viável. “Com o curativo artificial os EUA passou a usar essa pele em todos, mas é muito caro tratar um queimado. O curativo biológico não é igual à pele artificial que permanece no corpo, mas você consegue enganar o corpo por vários períodos de dia desde que o corpo ache que está fechado”.

Sobre o ponto de vista econômico ele acrescenta: “nós temos um milhão de peixe sendo criada agora. Se você tem um curativo que custa centavos, você pode enganar o corpo temporariamente. O corpo acredita que a pele de tilápia faz parte dele. Integra-se, assim como qualquer outra pele usada no tratamento”.

Vítimas de queimaduras

Em Goiânia o Hospital de Queimaduras atende, em média, oito a dez mil pessoas por ano, os registros diários apontam o atendimento de 25 a 26 vítimas de queimaduras. Sendo os tipos de lesões mais comuns as com líquido quente e dentro da cozinha. As queimaduras de 1º grau são raras, as de 2º são a mais recorrente acompanhada, um pouco, da de 3º grau.

O cirurgião plástico Nelson Piccolo conta que as principais vítimas de queimaduras são as crianças. Divulga que existe na população uma média de 20 a 22% de crianças até 14 anos. “Em torno de 35% de nossos pacientes são crianças, elas se queimam mais do que existe na população, proporcionalmente se queimam mais”, afirma.

Ele revela que 75% das mortes em criança é por álcool e mais ou menos 50% das deformidades também resulta do álcool. Enquanto no público adulto as deformidades por álcool correspondem a 30%, a nível nacional.

Esperança à vista

Hoje a pesquisa do curativo biológico de pele de tilápia conta com mais de 40 pesquisadores e o objetivo é aumentar a rede de pesquisa. “Queremos que o mundo saiba disso, então começamos a convidar pessoas, obviamente, interessadas em fazer parte do estudo multicêntrico. Em Goiás nós distribuímos para o Hospital de Queimaduras de Anápolis e para o serviço de queimadura do Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), vamos trabalhar cada um no seu canto, com o estudo padrão”, diz Piccolo.

O especialista prevê que o curativo de pele de tilápia comece a ser usada em pacientes queimados no prazo de um ano. “Acredito que em julho de 2018 já teremos concluído todos os estudos. Nossa ideia é que esse curativo seja realmente distribuído na Rede Pública abrindo esse leque cada vez mais para as pessoas realmente saberem qual o limite do uso do curativo biológico”, afirma.

O DM publica novamente esta reportagem devido à edição anterior apresentar problemas técnicos.

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