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COTIDIANO

A indústria vacila

Quatro dias depois da gigantesca passeata de Brasília pelas eleições diretas para presidente da república, imediatamente, já, os cariocas foram às ruas no domingo passado clamando pela queda de Temer. Ao contrário da passeata de Brasília, que foi estupidamente reprimida pela PM do Distrito Federal, a do Rio transcorreu pacífica durante quase seis horas. Não houve baderna nem quebradeira, pois a polícia lá não compareceu para jogar gás lacrimogêneo nos manifestantes.

Não apareceram os pavilhões auriverdes das organizações direitistas, já que a direita anda batendo em retirada e, na surdina, apoiando Temer. Mas uma grande quantidade de bandeiras brancas foram desfraldadas. As brancas foram levadas por organizações democráticas de centro. Uma parte da classe média que foi às ruas contra Dilma e contra o PT está agora voltando timidamente às ruas, desta feita contra Temer e suas reformas.

Quaisquer que sejam as contradições entre as forças oposicionistas – elas existem, e são muitas, o fato é que vai aos poucos se formando um consenso, nas classes populares, de repúdio às reformas e de hostilidade ao governo Temer. Surge um espírito nacional. A reforma da Previdência e da CLT não pode, já advertiu o senador peemedebista Renan Calheiros, ser empurrads goela abaixo da população, com fiapo e com caroço. Não seria o caso de, neste momento, o governo recuar, negociar com as entidades representativas da sociedade civil algumas concessões? Não seria o caso de se aguardar que o próximo presidente e o próximo Congresso, legitimados pela vontade popular, tratassem dessas reformas nos termos em que elas seriam debatidas durante a campanha eleitoral? Seria o que a prudência manda. Mas o governo Temer, no dizer de Calheiros, não é nem prudente nem razoável.

O problema é que o governo Temer está irremediavelmente comprometido com os representantes do grande capital, seja ele industrial ou financeiro. Não ilação de esquerdista ingênuo, não. É constatação. Neste final de semana, um dos mais autorizados porta-vozes da indústria, Robson Andrade Braga, presidente da Confederação Nacional da Indústria, publicou artigo assinado no site da entidade, “Comunicado à nação”, dizendo que as reformas precisam passar, custe o que custar.

Segundo Robson Braga de Andrade, “a indústria brasileira entende que não pode haver retrocessos nos avanços duramente conquistados nos últimos meses. Por isso, o Congresso Nacional precisa dar continuidade às reformas estruturais, que são fundamentais para recolocar o país no rumo certo”. No caso, “rumo certo” é o que os capitães de indústria, se arrogando porta-vozes do sentimento nacional, dizem ser o rumo certo.

“O Brasil precisa de estabilidade política e econômica para voltar a crescer, gerar empregos e renda e melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, especialmente dos mais de 14 milhões que sofrem com o desemprego”, diz o empresário Robson de Andrade.

“Neste momento de incertezas e instabilidade, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as Federações das Indústrias dos estados reiteram sua confiança nas instituições brasileiras. Temos a convicção de que os poderes da República serão capazes de solucionar a atual turbulência com serenidade, equilíbrio e espírito público, em estreita observância da Constituição Federal”, diz o líder classista.

Na semana passada o país teve uma pequena amostra da “serenidade” oficial, expressa em dezenas de bombas de gás, litros e litros de spray de pimenta, cargas de cavalaria e, até mesmo, tropas do Exército na rua, chamadas pelo presidente para restabelecer a desordem. Felizmente, as tropas verde-oliva não entraram em combate, apenas assistiram de longe.

“As reformas trabalhista, previdenciária, tributária e política são imprescindíveis e têm de continuar avançando”, exige Robson Andrade. E conclui, com uma frase retórica que apenas oculta a intransigência dos chefes da indústria: “Acreditamos no futuro da nação. Temos certeza de que, com trabalho e perseverança, construiremos o país no qual os brasileiros merecem viver. O Brasil não pode parar”.

Soando num diapasão diferente vem a Fiesp, que representa a indústria paulista, a mais poderosa do país. A Fiesp, é claro, apoia euforicamente o golpe contra Dilma e sustenta com entusiasmo as reformas de Temer. Mas, em face dos últimos acontecimentos, percebeu que as coisas não podem mais continuar como estão. É preciso que tudo mude, pelo menos para que continue como antes, como disse aquele aristocrata de O leopardo, o magistral romance de Lampeduza sobre as lutas pela unificação da Itália, das quais teve papel destacado a brasileira Anita Garibaldi.

Ontem o site da Fies publicou um manifesto intitulado “reforma política já”. E abriu um site de debates sobre o tema. Diz a Fiesp, entidade presidida pelo peemedebista Paulo Skaff: “A reforma política é essencial. Hoje, mais do que nunca. Precisamos mudar as instituições, corrigir os erros do passado e evitar que esses erros se repitam no futuro”.

Há décadas, discute-se este assunto no Brasil, mas a discussão não sai do papel, “porque a receita do bolo vem sempre pronta”, constata a entidade.

“A reforma política é uma tarefa do Congresso, mas ela não pode ser feita de cima para baixo. Precisamos da participação da sociedade”, diz. Para que as pessoas participem, elas precisam conhecer o que está em discussão”, aconselha. Para fortalecer este debate, a Fiesp decidiu lançar este site, que publicará, a partir da próxima semana, um detalhamento dos temas que estão em discussão, para que todos possam compreendê-los e compartilhá-los. De forma simples, didática, clara, em bom português”, informa.

“Não haverá receitas prontas. Haverá, sim, informação para que cada um possa construir suas ideias”, diz. E conclui com um brado: “Reforma Política Já.

São as fatias da parte alta da pirâmide social buscando retomar o protagonismo político, que hoje está nas ruas, sob as bandeiras vermelhas da CUT e outras entidades sindicais, bem como da UNE e outras agências de lutas progressistas. A rua vai pautando a agenda política a revelia até mesmo da grande imprensa e das redes de televisão.

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