Home / Cultura

CULTURA

Ancestrais

Jorge Lima  Especial para Diário da Manhã“Você anda como seu avô, tem o mesmo olhar que ele”, dizia uma senhora a seu neto. “Você é igualzinho a seu pai, por isto ele te irrita tanto”, bradou a mãe inconformada. “Ele é um político corrupto como todos os o

Jorge Lima  Especial para Diário da Manhã

“Você anda como seu avô, tem o mesmo olhar que ele”, dizia uma senhora a seu neto. “Você é igualzinho a seu pai, por isto ele te irrita tanto”, bradou a mãe inconformada. “Ele é um político corrupto como todos os outros de sua família”, incitou a voz da senhora após a denúncia.

Tradição ou hereditariedade? Genética ou cultura? Talvez o velho novo enigma da Esfinge da tardia pós-modernidade. O antigo nada de novo.

A canção da contracultura de Belchior cantado aos quatro ventos: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, com a releitura de Pais e filhos na década de 80, de Renato Russo, reencena o drama humano discutido à exaustão pela ciência na década de 1910 nos desdobramentos da psicanálise. Em um lado do ringue o positivismo de Freud e seu reducionismo na sua teoria da libido; do outro lado, C. G. Jung questionando os desdobramentos da fantasia e do delírio de uma paciente psiquiátrica em surto esquizofrênico e toda carga hereditária de suas fantasias com amplo teor mítico e arquetípico. Freud preso a ideia de trauma e de ideias captadas para formação do inconsciente e do outro lado Jung com a ampliação da ideia de inconsciente evidenciando o chamado inconsciente coletivo; sua teoria dos arquétipos em 1911 postulando que a personalidade humana tinha camadas que vão para alem do comportamento aprendido, de traumas evidenciando uma clínica do simbólico e todo desdobramento para um modelo clínico de atuação para psiquiatria, psicologia clínica e saúde mental. A humanidade ganhou com o embate.

“Eu tenho medo que meu filho siga o pai ou os tios e se torne um marginal, viciado e traficante”, foi o que houve outro dia de uma mãe que procurou me como analista, ela estava desesperada ao perceber que seu filho pré adolescente trazia várias questões e atitudes semelhantes a de seu pai e parentes. Toda discussão científica sobre hereditariedade, linhagens esbarra no problema do comportamento. Estudos da genética feitos a partir de 2005 em uma nova área: a epigenética comportamental com pesquisadores como Randy Jirtle; Szyf e Meaney; Eva Jablonka e Marion J. Lamb evidenciam que as tendências psicológicas e de comportamento são herdadas. E o que fazer com isto? O que fazer com o jovem adolescente que pode ser como parte de sua família e se tornar um traficante?

Todo materialismo científico que descartou a essência do ser humano agora esbarra com um problema existencial cantado em verso e prosa. A resposta dada a comunidade científica por Jung em 1911 em Metamorfoses e símbolos da libido-atualmente Símbolos de transformação já evidenciava que fosse pelos sonhos, linguagem, pela estrutura e emprego do uso do simbólico a existência de uma hereditariedade e de conteúdos que transcendem a vivencia pessoal.O lado mítico e subjetivo do existir. Jung na altura ressaltava que genética não pode ser vista como fatalidade mas como tendência já na época questionando o positivismo e materialismo científico de do período. O que fazer com a mulher que descende de uma linhagem de mulheres que rejeitam os homens?Como lidar com o rapaz que vem de uma família de pervertidos? O filho do bandido será inevitável mente bandido? Continua na próxima semana...

(Jorge Antônio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em Saúde Mental, psicólogo)