Home / Cultura

CULTURA

Vaporwave: a arte pós internet que critica o consumismo

Se um computador tivesse a capacidade de sonhar, que tipo de imagens e sons ele vislumbraria enquanto dorme? E se ele vomitasse, o que sairia de dentro dele? Uma linguagem artística genuína da década de 2010 tenta montar esta epifania através dos mais variados softwares e imagens printadas de jogos de video-game dos anos 90, estátuas gregas e jingles publicitários. Vaporwave é o nome do movimento artístico, que já motivou a criação de inúmeras páginas do facebook e álbuns musicais. É uma arte que tem origem na intimidade que existe entre o homem e o computador.

A princípio, o vaporwave parece um labirinto mental, e deixa um vácuo de compreensão que no fim acaba sendo o sentido da “brincadeira”. Na música, álbuns como Far Side Virtual, de James Ferraro (2011), Eccojams Vol. 1, de Chuck Person (2010) e Floral Shoppe de Machintosh Plus (2011), são considerados chaves para a sequência e compreensão do movimento vaporwave. São como memes da música, que misturam ainda elementos nostálgicos como o barulho de inicialização do windows 95, músicas de telemarketing e a manipulação de pates de músicas pop com eco, reverberação e um grande número de outros efeitos de computador, criando um resultado que desfigura quase totalmente o material original.



Além do virtual

Para a artista Ramona Xavier, responsável pelo pseudônimo Machintosh Plus e pelo disco Floral Shoppe, cuja arte de capa é utilizada exaustivamente como meme em páginas de vaporwave na internet, seu álbum comporta-se como “um breve olhar sobre as novas possibilidades de comunicação internacional” e “uma paródia à hipercontextualização americana da ásia virtual em 1995”. Em resenha, o crítico Adam Downer, do site cultural Sputinikmusic caracterizou o álbum como “um ótimo registro, que ao mesmo tempo consegue ser quente e estranho, nostalgico e futurista, bizarro e totalmente simples”.

No site RateYourMusic, uma rede social e catálogo musical, o usuário IanCurtisMayfield deixou uma resenha ao disco Floral Shoppe na página dedicada a ele. “No início parecia apenas uma novidade, mas não parei de escutar o disco desde seu lançacento, mesmo que eu raramente consiga escutá-lo na íntegra, em uma sentada. É muito psicodélico, desassociado, hiper-real, pop e às vezes aterrorizante para meu estômago. E isso não é uma queixa”. A arte criada por Ramona Xavier pegou tanto que a estátua grega da capa virou praticamente um logotipo do vaporwave.



O uso de caracteres japoneses e de origem não latina também é frequente em artes de capa dos discos vaporwave, bem como nas construções gráficas de internet. Ele se relaciona primeiramente com a característica de choque visual e nonsense, e também ao otimismo com o qual se enxergava a globalização nos anos 1990. É só lembrarmos das instruções de produtos importados do oriente, em caracteres orientais. Que tipo de feedback o acesso a esse produto poderia gerar para quem não tem conhecimento do significado deles? O vaporwave responde isso com imagens.

O aquecimento global (e o impacto da difusão desse elemento com o assassino do mundo para crianças dos anos 90) é um dos elementos escenciais do disco Far Side Virtual (Além do virtual), de James Ferraro. Ele define seu disco como “um espaço social ou modo de se comportar. Todas aquelas coisas operando em sincronia: ringtones, telas-planas, culinária, moda e sushi”. O álbum de Ferraro foi amplamente selecionado para as tradicionais listas de melhores do ano de 2011, fabricadas por sites como Pitchfork e The Wire (que inclusive colocou-o no topo de sua lista). O trabalho também foi comparado ao jogo de video-game Second Life e ao trabalho do teorista cultural Jean Baudrillard.

Visual

O site cultural Pitchfork traz uma boa definição do que se encontra graficamente em artistas que produzem vaporwave visual. Em resenha a um vídeo-artigo publicado por Daniel Lopatin, sob o pseudônimo de Oneohtrix Point Never, há uma explicação do que compõe o vaporwave visualmente. “Uma coleção de imagens de internet de qualidade duvidosa, imagens bizarras e perturbadoras de sistemas de computador, artes estranhas em anime (desenhos animados japoneses) e personagens que lembram webcams”. A adesão ao sintético como substituto do orgânico tem origem principalmente no cyberpunk, movimento cultural dos anos 1970 e 80 que propunha essa situação futurista.



Outro tipo de arte recente relaciondo à autoridade aleatória dos computadores é o estilo Deep Dream. Em um site, o usuário carrega qualquer imagem. Essa imagem é submetida a um processo algorítmico que usa uma rede convulcional de dados para encontrar e melhorar os padrões da imagen, criando um resultado um aspecto alucinógeno e onírico. Tudo isso é feito artificialmente. O resultado vem sendo considerado perturbador e associado ao uso de drogas como LSD. A Google disponibilizou o código fonte do estilo Deep Dream, e ele vem sido amplamente disponibilizado utilizado por vários sites.

Hiper-realidade

Ideologicamente, o vaporwave pode ser visto como uma crítica à sociedade consumista, pois utiliza os elementos da industia cultural de forma hipercontextual, tirando-os de seus propósitos iniciais, resultando em uma arte que busca “travar” a mente do público com uma espécie de overdose de imaginário através da relação aleatória de vários significados. Está associado aos conceitos de hiper-realidade e simulacro, disseminados por teoristas culturais da semiótica e do pós-estruturalismo, como Jean Baudrillard e Umberto Ecco.



A hiper-realidade, para esses teoristas, fundamenta-se na incapacidade de distinguir a realidade de uma predominante simulação da realidade. É expressa através de símbolos que não encontram referência ou origem em um “mundo real”, ou “original”. A hiper-realidade seria então, um acúmulo de simbologia transformada em novos objetos, que gera novos objetos e assim sucessivamente. Tanto Baudrillard como Ecco utilizam a Disneilândia como exemplo de hiper-realidade. Para Baudrillard, “[a Disney] propõe-se a ser um mundo infantil, a fim de nos fazer acreditar que os adultos estão em outro lugar, no mundo ‘real’”.



É como se eles quisessem chamar a atençao para o constante estado de representação que é exigido dos humanos para que a sociedade capitalista continue funcionando. O falso clima de órdem e receptividade dos estabelecimentos comerciais seria um outro exemplo. Ao mesmo tempo os autores costumam lembrar um “ser humano original”, parte da natureza selvagem, apenas com necessidades básicas de alimetação e reprodução. Esse humano original é comparado ao complexo emaranhado simbólico que nos tornamos, com palavras de mais de 20 letras que remetem a uma mistura gigante de significados, e pessoas que morrem de fome por não terem um pedaço de papel.



Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias