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A cidade afogada

As memórias do mineiro de nascimento e goiano de coração, estão impressas e narradas em seu primeiro livro publicado em 2015 “Guapé e outras histórias”. Walquires traça um perfil dos moradores e da estética do vilarejo que sumiu para dar lugar a uma usina hidrelétrica nos anos 60.

O doutor Walquires Tibúrcio, um senhor muito simpático, na faixa dos seus setenta anos, repletos de experiências, chegou na redação do Diário da Manhã, muito bem vestido e com seus óculos escuros avermelhados. Começamos a conversar e ele explicou o que motivou a escrever essa grande crônica de acontecimentos e reminiscências, que ilustram com perspicácia o interior do sertão brasileiro.

“Não há nenhuma diferença entre Minas e Goiás” - Culturalmente e politicamente, Tibúrcio ainda cita Tancredo Neves, que certa vez na campanha das Diretas Já disse: “Não sei se sou goiano em Minas ou mineiro em Goiás”. A história do seu livro transpassa por causos, histórias e personagens desses dois universos.

Tudo gira em torno da cidade de Guapé, na região sul do estado de Minas Gerais, onde o autor foi nascido e criado até os 18 anos, quando se mudou apenas para concluir seus estudos na faculdade de Direito na cidade de Uberlândia. Walquires narra como o centro histórico da cidade, com suas casas e fachadas típicas, a igreja de uma torre em volta da praça do coreto e todo o charme do lugar, desapareceram nas águas turvas de uma barragem.

“Eu tinha 24 anos na época, eu e alguns colegas viemos de Jipe as pressas, durante a noite toda, quando soubemos o dia e a data em que Furnas iria concluir a barragem. Aos poucos as ruas de pedra foram se enchendo de água, passaram os dias até faltar apenas o alto da igreja, que foi completamente submerso.” Tibúrcio conta que atualmente a cidade de Guapé tem uma vista linda, pois toda a cidade nova, foi reconstruída as margens do lago que se formou pela barragem. “Temos o lago e em volta a cidade, totalmente rodeada de montanhas” descreveu.

No livro o autor entra em detalhes sobre o momento histórico em que esse fato ocorreu, durante o governo JK, em que o país vivia uma crise energética. “Construiu-se essa barragem, que foi a maior barragem existente até então na época. A área inundada corresponde a cinco vezes o tamanho da baía de Guanabara.” Walquires relata a proporção da obra, dizendo que a barragem chegou a pegar terrenos de 35 municípios diferentes, entre fazendas particulares e áreas públicas.

“Na época não tinha órgãos de defesa ambiental e nem para as famílias atingidas, isso foi um grande problema, pois as indenizações foram extremamente baixas”, comentou. Além desse fato que é imponente na narrativa da cidade, a maior parte do livro é sobre as pessoas. Os tipos populares e as personalidades que formam o espírito de um lugar.

O cotidiano do lugar, os causos que a oralidade pretende sempre repassar, histórias icônicas e que se tornam um tipo de lenda urbana, são finalmente eternizadas nesses relatos, feitos a partir de um observador deveras privilegiado. “Para que não se percam na memória, e que outros possam relembrar aqueles saudosos tempos, ficaria feliz se essas páginas possam evocar a saudade nos moradores e que nossa cidade não se torne apenas um retrato na parede” declara o autor.

O autor do livro, Walquires Tibúrcio é um simpático senhor com muita história para compartilhar, daquelas pessoas que se pode conversar por horas sem se esgotar o assunto ou mesmo o interesse. Formado em Direito atuou por mais de 50 anos como advogado e 8 anos como promotor no estado de Goiás.

Tibúrcio faz questão de relembrar que entre suas paixões, além de sua profissão, é sua querida esposa com quem é casado por cinco décadas. “Conheci a Maria Berta ainda na faculdade de Direito, onde ela também se formou”. Walquires tem dois filhos que seguiram seus passos na advocacia, Fernando e Henrique, o último já tendo presidido a OAB.

Entre seus mimos e hobbies, está a coleção de peças antigas e decoradas, principalmente os carros. Atualmente tem em sua casa, que ele descreve como “um cantinho muito agradável”, cerca de 13 automóveis e 4 motocicletas, além de uma oficina particular em que ele mesmo coloca a mão na massa.

Walquires comenta que entre todos os seus objetos antigos, como vitrolas, rádios, relógios e artes diversas, o seu predileto é um carro, Ford modelo 29’ que ele conta que encontrou e resgatou de um ferro velho. “Restaurar para mim é resgatar uma história” concluiu Tibúrcio.

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