Home / Cultura

CULTURA

Tempo e memória

Em 28 anos de carreira, o cineasta russo Andrei Tarkóvski dirigiu apenas sete longas-metragens, todos considerados emblemáticos e importantes para o desenvolvimento do cinema. Alguns deles, como Stalker (1979), Solaris (1972), Espelho (1975) e Andrei Rublev (1966) são frequentemente incluídos em listas de melhores filmes de todos os tempos publicadas em vários países do mundo. Admirado pela maioria dos cineastas contemporâneos, Tarkóvski é conhecido por dizer que fazer filmes significa “esculpir o tempo”. Segundo o cineasta sueco Ingmar Bergman, “Tarkóvski é o melhor diretor, aquele que inventou uma nova linguagem, fiel à natureza do filme, pois captura a vida como uma reflexão, a vida como um sonho”.

Temas recorrentes na obra de Tarkóvski podem ser enumerados, segundo o pesquisador Cássio de Oliveira através do artigo História e Documentário no Cinema de Andrei Tarkóvski. Entre tais características, o autor cita “a profunda introspecção filosófico-existencial de suas tramas, o caráter onírico e fantástico de suas imagens e o esmero na direção de arte e na fotografia”. A busca de Tarkóvski pela imagem perfeita é inclusive responsável pelo mito de que ele deu sua vida pelo cinema. Isso se dá ao fato de que vários atores e membros da equipe técnica do filme Stalker, inclusive o próprio diretor, terem morrido por conta de câncer anos depois das filmagens, que aconteceram em locações insalubres e radioativas na Estônia devido à ambição estética do diretor.

O poder da imagem 

Segundo suas próprias palavras, o diretor observava a imagem, em todos os seus potenciais, como um ícone montado diante da percepção da realidade. Essa por sua vez, se mostra efêmera e esfumaçada comparada às suas representações imagéticas, a consumação do poder de nossas interpretações da vida. “O artista revela-nos seu universo e força-nos a acreditar nele ou a rejeitá-lo como irrelevante e incapaz de nos convencer. Ao criar uma imagem ele subordina seu próprio pensamento, que se torna insignificante diante daquela imagem do mundo emocionalmente percebida, que lhe surgiu como uma revelação. Pois, afinal, o mundo é efêmero, ao passo que a imagem é absoluta”.

Tal premissa não significa, segundo Tarkóvski, que aqueles que se encarregam da produção de filmes e devem desprender-se da realidade para aproveitar o potencial abstrato que cabe dentro delas. Para o diretor, a representação deve suceder uma longa observação e análise daquilo que é real, que encontra referências vívidas no público. “Frequentemente, o próprio diretor está tão decidido a ser grandioso que perde todo e qualquer senso de medida e ignora o verdadeiro significado de uma ação humana, transformando-a num receptáculo para a ideia que ele deseja enfatizar. É preciso, porém, observar a vida com os próprios olhos, sem se deixar levar pelas banalidades de uma simulação vazia que vise apenas o representar pelo representar e a expressividade na tela.

Bastidores

O visionarismo do diretor encontrava algumas barreiras ideológicas e logísticas para desenvolver-se dentro da União Soviética. A aspereza das relações entre Tarkóvski e o Estado Soviético levaram-no ao exílio. Seus últimos dois filmes, Nostalgia (1983) e O Sacrifício (1986), foram produzidas fora de seu país (na Itália e Suécia, respectivamente). Em meados da mesma década ele declararia seu exílio. “A imagem de Tarkóvski como um artista individualista, em dissonância com a doutrina oficial do Estado , é reforçada pelo exílio do diretor na Europa Ocidental (declarado por Tarkóvski em 1984 na Itália, depois da filmagem de seu penúltimo longa-metragem, sugestivamente intitulado Nostalghia), exílio esse que perduraria até a morte do diretor, em dezembro de 1986”, conta Cássio de Oliveira.

Os problemas enfrentados pelo diretor, morto em 1986 aos 54 anos, também foi narrada por Antônio Dante Rodrigues da Costa, na dissertação Nostalgia e Memória em Andrei Tarkóvski. O cineasta, que completaria hoje 85 anos, tinha que se submeter às regras restritas de sua produtora. “Para que pudesse ser realizado, o filme precisaria ser obrigatoriamente aprovado por um estúdio de produção, e a Rússia possuía, em Moscou, o estúdio denominado Mosfilm”. De várias etapas dependia essa aprovação. Primeiro era enviada uma proposta com a sinopse ao estúdio. Uma comissão deveria avaliar a proposta e só depois de aprovada o roteiro poderia ser redigido e direcionado à Unidade de produção, e em seguida ainda era submetido ao diretor artístico geral.

7-5

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias