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CULTURA

A poética ressonante de assuntos ordinários

Durante mais de 40 anos, o fotojornalista norte-americano Walker Evans registrou seu olhar sobre diversos períodos da sociedade norte-americana. Seu trabalho mais famoso consiste na documentação do desenrolar da crise de 1929 e seus registros compõem uma das obras mais importantes do século XX, e ainda inspira o olhar de vários outros fotógrafos que vieram depois. Evans dizia que seu principal objetivo como fotógrafo era reproduzir imagens “literatas, impositivas e transcendentes”. É visto como um progenitor da tradição documental na fotografia dos Estados Unidos, e é contemplado por sua incrível habilidade de sentir o peso do presente e a maneira como ele se transforma em passado.

Dentre as várias fases de seu trabalho, ele também se empenhou em registrar edifícios através de pontos de vista diretos e realistas, elementos que dão às imagens um aspecto elementar, causando em seu público uma espécie de emoção profunda e seca. A blogueira Elle Cain escreveu sobre Evans em sua página, enaltecendo sua influência na obra de fotógrafos como Gary Wingogrand, principalmente nos trabalhos de rua. “O que eu mais gosto no trabalho de Walker Evans é sua habilidade de observar e capturar a normalidade em suas fotografias. Olhar para essas imagens e perceber que a verdadeira aparência da normalidade faz com que o espectador pare pra pensar e olhar além do conceito de regularidade e comportamento cotidiano.”

Estruturas

Para Elle Cain, a forma documental de capturar coisas comuns expressa no trabalho de Evans transcendem o campo do registro, do documental, e são capazes de atingir uma relação emocional com quem as observa, principalmente por ser a visão da normalidade algo inerente a cada ser humano, independentemente do cenário registrado. “A maneira simplista de registrar as imagens parece produzir um resultado muito diferente, pessoalmente, sinto que elas sintetizam um sentimento muito mais dramático para a imagem. O contraste entre a luz e os tons escuros, combinado com linhas retilíneas da estrutura de cada construção que envolvem toda a imagem, potencializam ainda mais essa carga de drama”, conclui.

Na página virtual do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque, Evans é descrito como um dos fotógrafos mais influentes do século passado. “Suas fotografias cristalinas e elegantes e publicações articuladas inspiraram várias gerações de artistas, desde Helen Levitt e Robert Frank até Diane Arbus, Lee Friedlander e o casal Becher (Bernd & Hilla).” Ele é representado ainda como uma espécie de dominador do tempo, capaz de criar imagens atemporais, cujos significados sobrevivem à passagem das décadas, agregando ainda mais força em suas atmosferas. “Evans tem a habilidade extraordinária de ver o presente como se ele já fosse passado, e de traduzir tal conhecimento e visão (historicamente flexionados) em arte duradoura.”

Sensibilidade

O fotógrafo trabalha através de uma combinação de habilidades técnicas com precisão sensorial. De acordo com a resenha do Museu Metropolitano de Arte, tal arranjo o possibilita conceber imagens carregadas de ebulição lírica, fazendo brotar vida em ambientes aparentemente estéreis. “Evans registrou a cena Americana com a nuance de um poeta e a precisão de um cirurgião, criando um catálogo visual enciclopédico da América moderna em construção.” Evans nasceu em 1903, na cidade de St. Louis, cidade portuária edificada às margens do rio que leva o Missouri. Seus primeiros impulsos artísticos se manifestaram ainda na infância, através de desenhos e retratos instantâneos que tirava de sua família.

Suas primeiras fotografias remetem ao modernismo Europeu, especificamente pelo formalismo, e pela ênfase em estruturas gráficas dinâmicas, mas ele não ficou apenas nisso. “Gradualmente, Evans fugiu desse estilo predominantemente estético, para desenvolver sua própria e reticente noção de realismo, atribuindo um papel ao espectador nesse processo, através da poética ressonante de assuntos ordinários.” Seu período mais produtivo data de meados dos anos 1930. Entre 1932 e 1965, Evans contribuiu com mais de 400 imagens publicadas em artigos da revista Fortune. Seus trabalhos são parte da coleção permanente de vários museus, como o George Eastman House e o próprio Museu Metropolitano de Arte. Evans morreu no dia 10 de abril de 1975, aos 71 anos.

Uma frase pronunciada pelo músico Charles Mingus, um dos jazzistas mais importantes da história, ajuda-nos a traçar um paralelo entre música e artes visuais, e cabe perfeitamente naquilo que as torna as imagens de Evans tão únicas: “Fazer do simples em complicado é fácil, fazer do complicado em simples é criatividade.”

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