Home / Cultura

CULTURA

Shiva se consolidou como ponto obrigatório da cena alternativa de Goiânia

Me perco pela alma encantadora dos bares. Ou melhor, para não cometer o erro de evitar usar a primeira pessoal do plural, nos perdemos assim que o sol de rachar do verão abre alas para o paraíso noturno. À noite, ressoando entre mesas profecias bêbadas,

Me perco pela alma encantadora dos bares. Ou melhor, para não cometer o erro de evitar usar a primeira pessoal do plural, nos perdemos assim que o sol de rachar do verão abre alas para o paraíso noturno. À noite, ressoando entre mesas profecias bêbadas, somos homens derramados. Corto pequenas rodelas de laranja, coloco-as na taça, destampo o gargalho da garrafa de gin, click, click na latinha, uma dose e meia de destilado, vai aí um gin tônica? Relaxa porque hoje é sexta, e de carnaval!

Antros em que praticamos o etilismo – sim, sejamos francos –, os bares nunca escapam da fúria da gente que defende a moral e os bons costumes. A bebida, dizem, é ordinária, transforma os homens, fazem deles seres fora de controle, ao que digo, tendo em vista o noticiário das últimas semanas: não, não corre-se risco de defender absurdos bêbado. No entanto, jornalista com queda à porra-louquice, sempre associei a birita com a turma que criou o jornal-debochado O Pasquim nos anos 1960. De Jaguar a Tarso de Castro, ninguém ali escapava do uiscão nosso de cada dia. Sábios eram eles.

Era um sabadão, céu estrelado, estávamos no Shiva Alt-Bar, localizado na Alameda das Rosas, Setor Oeste, um dos mais queridos do público que faz parte da cena alternativa de Goiânia. Tirei o smarphone do bolso. Horas? São nove e qualquer coisa da noite. Eu e meu bom camarada, o jornalista e ilustrador Carlos Durruti, pedimos um gin tônica. Resta-nos esperar e ir morrendo pela nicotina enquanto fumamos um cigarro atrás do outro. No som, a trilha sonora me avisa que rola algo como Aretha Franklin.

Selma Jô, vocalista da banda Carne Doce, em apresentação no Shiva - Foto: Facebook/ Reprodução

Drinque à mesa, gracías, muchas gracías, atrevi-me a agradecer ao garçom numa espécie embebedada de portunhol selvagem. Bebericando o primeiro trago, passei os olhos pelo ambiente e me encantei com os murais que decoram o espaço, como aqueles em que os traços psicodélicos - à moda lisergica do quadrinista norte-americano Robert Crumb - feitos pelo aclamado grupo de artistas visuais Bicicleta Sem Freios.

Inaugurado em 2015, o Shiva surgiu de uma ideia que tiveram Thiago Faria e Ana Laura para completar suas áreas de atuação. Ele é publicitário; ela, advoga. Mas não queriam nada que fosse limitado ao universo das bebidas e petiscos, ainda que mandem bem nessa arte, e sim que proporcionasse uma experiência diferente, meio imersiva numa redoma que envolve música, arte urbana, espaço intimista, aconchegante, onde já se apresentaram a banda goiana Carne Doce e no início do mês Bruno Caveira – cem por cento vinil – com músicas reconfortantes aos tímpanos.

Experiência no ramo? Não tinham. Eram, contudo, conhecedores de botecos, bares e festivais de música.  O Setor Oeste, bairro cujo estilo de vida é mais alto, ajudou na empreitada: ali, diferente de regiões mais centrais da capital, os vizinhos não se sentem tão importunados pelo furdunço que vem do estabelecimento noite adentro, ajudando o calendário de shows a fomentar a cena cultural por meio de apresentações de nomes carimbados no underground, como as bandas The Galo Power ou Vida Seca.

Um dos DJs mais conhecidos de Goiânia, Bruno Caveira bota som no Shiva neste feriado de carnaval - Foto: Facebook/ Reprodução

De quinta a domingo, a programação cultural do espaço conta com discotecagens e shows, o que é a principal característica do Shiva e também o que fez com que o lugar entrasse no radar da agenda cultural de Goiânia. Por lá, já passaram iniciativas com temáticas em sintonia ao mundo contemporâneo, desde empoderamento da mulher até pautas a respeito de abandono dos animais, além de exposições, intervenções artísticas, performances, flash day de tatuadores da capital – e de fora daqui também.

Nos últimos anos, o Shiva passou por reformas que ampliaram banheiros, cozinha, cobertura externa e, como um todo, serviram para aprimorar o bar. Se antes aconteciam problemas no atendimento, foram solucionados – pelo menos em parte. Requisitado boteco para curtir a noite a dois, sozinho ou com amigos, talvez você tenha algum problema – se chegar em cima da hora – para conseguir uma mesa bem localizada. Acredite, leitor não-fumante, isso faz total diferença. Com a companheira (o), por conta do clima ideal à troca de olhares e beijos, vale a pena sentar lá dentro.

Para os dias de folia, caso você ainda não tenha nada em mente, a casa oferece uma alternativa de rolê. Nesta sexta-feira, 25, até terça, 1°, rola a festa Carnavinil com DJs aclamados na cidade, como Caveira e Pafa. É uma possibilidade para ouvir boa música de forma segura em meio às restrições impostas pela pandemia de coronavírus, com bons pratos, carta de bebida que contempla todos os gostos e trilha sonora analógica.

Para casar com carta de bebidas, espaço oferece ampla possibilidades gastronômicas - Foto: Facebook/ Reprodução

Que bom! A história de uma cidade não se limita apenas aos gabinetes nos quais são tomadas decisões por quem desconhece a realidade da vida urbana. Seu charme é moldado também pelos bares em que se pode ir de chinelo, bermuda, acompanhado ou não, atrás descanso para os ouvidos e de uma cervejinha para molhar o paladar, onde é serviço uma excelente baixa gastronomia, para utilizar-se de uma expressão cunhada pela escritora Heloísa Seixas: precisamos ocupar Goiânia porque dos bares que morrem vão surgir agências bancárias, academias ou farmácias.  

Shiva Alt-Bar

Horário: 02h30

Endereço: esquina com a - Rua R Dezoito, Alameda das Rosas, 1371 - St. Oeste