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Ana Carolina celebra discografia de Cássia Eller no Flamboyant

Apresentação revive hits que atravessaram gerações. Entenda por que homenageada é ponto importante na história das cantoras na MPB

Ana Carolina passeia por cinco atos durante show - Foto: Iris Alves/ Divulgação Ana Carolina passeia por cinco atos durante show - Foto: Iris Alves/ Divulgação

Ouve-se uma voz rasgante, rouca. Um canto meio-soprano vocaliza que bobeira é não viver a realidade. E ainda temos a tarde inteira. E ainda andamos nas ruas. Trocamos os cheques. Ou mudamos uma planta de lugar. Dirigimos nossos carros. E tomamos nossos pileques.

Nada define tão bem Cássia Rejane Eller (1962-2001) quanto “Malandragem”, balada blueseada mas pop composta pela dupla Cazuza e Frejat, nos anos 1980. Inicialmente, era para ser gravada pela diva escandalosa Angela Ro Ro. E, no entanto, não foi. Erro total, o dela. Angela se equivocou. Mas se arrependeu. E, arrependida, chegou a cantar com Cássia, num dueto histórico, em 2001: “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha”.

Essa canção levou Cássia Eller ao auge da carreira. Quem também interpreta “Malandragem” é Ana Carolina, que reacende nesta terça-feira, 30, as chamas do poderoso repertório de Cássia, no Flamboyant, durante o In Concert. “São sentimentos contraditórios quando penso nesse show. A turnê é uma conexão direta com a jovem garota mineira, que aos 16 anos ouviu Cássia pela primeira vez, apaixonou-se e nunca deixou de ser fã.”

Percorrendo o Brasil desde 2022, o show tem chamado atenção por um motivo: Ana canta como Ana. Acerta ao não perder tempo querendo imitar a visceralidade interpretativa de Cássia. Ou achando que é a própria Cássia. A mineira, surgida no cenário musical brasileiro em 1999, sempre se conectou à intérprete roqueira, mas cuidou de preservar as próprias idiossincrasias, características que a tornam singular no cenário atual.

Cinco atos são contemplados no show. Na abertura, a seção “Cartas” mostra canções que têm estado de poesia pura. Já “Palavras” demonstra universos capazes de unir as cantoras, enquanto “Sabotagem” revela a faceta debochada de Cássia e os questionamentos dela acerca do status quo. “Girassol” regressa à delicadeza. Por fim, no último bloco, Ana apresenta suas próprias canções, numa tentativa de dialogar com a música da diva-mor.

Tocamos as versões originais à exaustão para entender minuciosamente cada uma delas. Só aí que começamos a repensar em arranjos, para trazer uma releitura que conversasse comigo e que não renunciasse o DNA de Cássia em nenhum momento Ana Carolina, cantora e compositora

Se uma tinha o blues na alma, a outra jamais se desvinculou de um romantismo desvairado – e estourou assim mesmo. São dissonâncias que servem para salientar as afinidades entre as cantoras. “Relicário”, por exemplo, esteve sob o escrutínio da crítica por Ana ter gritado na canção. Por sua vez, “O Segundo o Sol” desnuda o brilho delicado de uma voz poderosa, enquanto em “Todas as Mulheres do Mundo” se acentua a potência do rock´n´roll.

Tal qualidade se manifestou cedo em Cássia Eller. Desde criança, a inteligência cênica da artista carioca dava sinais explícitos de vocação transgressora. Aos 14 anos, o pai – militar – lhe presenteou com um violão. Tímida por demais (“eu só peço a Deus/ um pouco de malandragem”), viu-se impedida de frequentar aulas de música, o que a fez aprender o instrumento nos cursos oferecidos em bancas de jornal por meio de revistinhas.

Por causa da carreira paterna, morou no Rio de Janeiro, metrópole em que nasceu e à qual voltou já adulta. Em seguida, a família se mudou para Belo Horizonte, Minas Gerais. O próximo destino seria Santarém, Pará, até chegar em Brasília. Na cidade projetada por Oscar Niemeyer, passou parte da adolescência e, aos 20 anos, integrou o elenco do musical “Vejo Você, Brasília”, de Oswaldo Montenegro. Cada lugar lhe ensinou sotaques, musicalidades e culturas.

Em 1986, já mulher das artes, Cássia estrelou outro musical, “Gigolôs”, agora ao lado do ator e diretor Marcelo Saback. Começou, então, a tocar no bar Bom Demais, point frequentado por artistas, intelectuais e amantes de música. Quando ouviu Cazuza se esgoelar na canção “Down em Mim”, blues gravado no primeiro disco do Barão Vermelho, lançado em 1982, ficou antes de mais nada enlouquecida. Esse poderoso remédio que lhe deu alegria.

De São Paulo, onde morou depois de Brasília, retornou ao Rio. Carregava na bagagem uma fita demo que contava – além das interpretações de Jacques Brel ou Beatles – com uma versão de “Por Enquanto”, composição assinada por Renato Russo. Em 1990, debutou no cenário com o disco “Cássia Eller”, que teve a participação de Roberto Frejat (guitarra) e Peninha (Percussão) – ambos gravaram “Barraco”, parceria de Frejat com o poeta Jorge Salomão.


		Ana Carolina celebra discografia de Cássia Eller no Flamboyant
Cássia Eller durante gravações do 'Acústico MTV', em 2001. Foto: Marcos Hermes/ Divulgação


Som seco

É seco, o disco. Seco mas arenoso. Certamente se trata de um álbum roqueiro. Puramente rock. Asperamente bluesy. “O Marginal”, o segundo da discografia de Cássia, saiu em 1992. Há canções escritas por Arrigo Barnabé. Outras têm o peso da guitarra hendrixiana, tocada por Nelson Faria, além das releituras de Luiz Melodia. Contudo, nem o primeiro ou o segundo explodiram nas paradas – embora fossem, se sabia à época, bons discos.

Tudo se transformou a partir de “Cássia Eller”, o terceiro álbum, que foi lançado em 1994. Agora investindo numa linguagem pop, deixando de lado a Vanguarda Paulista e os rocks de Jimi Hendrix, a cantora liderou as paradas com “Malandragem”, música que ajudou o disco a vender 150 mil cópias. O trabalho foi produzido por Guto Graça Mello, que recorreu a Ezequiel Neves – mentor do Barão Vermelho. Neves, como se esperava, ligou para Frejat.

Figura lendária, Zeca perguntou ao pupilo se ele não tinha nenhuma música para Cássia gravar. Tinha, claro. Ou imaginava ter. Era a canção “Malandragem”. Como Cazuza a tinha feito para Angela Ro Ro, Frejat telefonou para a diva, que lhe deu sinal verde. Cássia, agora, poderia se metamorfosear numa estrela. Isso levou Caetano Veloso a dizer que “não é por acaso que seu rock’n’roll se refere ao flamenco, à canção francesa mais visceral e ao blues”.


		Ana Carolina celebra discografia de Cássia Eller no Flamboyant
Ana Carolina conheceu Cássia nos anos 1990. Foto: Iris Alves/ Divulgação


Depois de “Violões”, gravado durante a turnê de “Cássia Eller”, a nova estrela fez um disco com composições de Cazuza. “Veneno Antimonotonia”, de 1997, se desdobrou no registro “Veneno ao Vivo”, do ano seguinte. Cássia guardava semelhanças com o poeta maior dos anos 80, como a predileção pelas farras e pelas mentiras sinceras. “Parecia que as músicas eram minhas”, contou ao jornalista Pedro Alexandre Sanches, do jornal “Folha de S. Paulo”.

Nos próximos anos, lançou “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” e “Acústico MTV”, entre 1999 e 2001. Recebeu elogio do baterista Dave Grohl, ex-Nirvana, por ter interpretado o hit “Smells Like Teen Spirit”, no Rock in Rio, em 2001 – cujo show ganhou versão em mídia física. Em 2022, os fãs foram presenteados com o álbum “Cássia Eller & Victor Biglione in Blues”, no qual se percebe a acentuação bluesy daquela rouquidão do timbre de Cássia.

Ana Carolina afirma que precisou de meses para estudar a discografia de sua musa. “Tocamos as versões originais à exaustão para entender minuciosamente cada uma delas. Só aí que começamos a repensar em arranjos, para trazer uma releitura que conversasse comigo e que não renunciasse o DNA de Cássia em nenhum momento”, explica a mineira, de 49 anos.

No In Concert, Ana sobe ao palco na companhia de Juliano Valle (teclados, programações, voz), Theo Silva (guitarras e violões), Lancaster Pinto (baixo e voz), Thiago Faria (violoncelo e voz), Cesinha (bateria, cajon, Kokoriko e voz), Leonardo Reis (percussão, cajon, Kokoriko e voz). Os ingressos para “Ana canta Cássia” estão esgotados.

Ana canta Cássia

Amanhã, a partir das 19h30

Shopping Flamboyant

Av. Dep. Jamel Cecílio, 3300

Jardim Goiás

Ingressos esgotados

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