Como explicar a sociedade goianiense para quem não vive em Goiás? É isso que o rapper Renedy propõe em novo single “Terra do Pequi”, recém-lançado em todas as plataformas. A ideia do som nasceu durante o período em que o rapper morou em Portugal, na Europa. As novas amizades gringas e as diferenças culturais motivaram o artista a desenvolver a letra a partir do seu ponto de vista sobre o comportamento dos goianos.“É pra cabá com os pequi du Goiás. O negócio aqui é bão e o trem é doido demais”, diz o refrão do som.
O humor satírico de Renedy é o que torna a obra musical diferente de tudo que você já ouviu sobre Goiânia, mas sem perder o tom da crítica, da sagacidade e da familiaridade poética. Na composição, o rapper aponta comportamentos “paia” como machismo, ironiza vivências da burguesia, denuncia a injustiça sofrida pela juventude periférica, sem deixar de exaltar a cultura goiana através de expressões típicas de quem vive aqui. Tem base?!
“O clipe marca a minha volta ao cenário musical goiano, depois de uma pausa de 2 anos. De uma maneira cômica, esse trabalho expõe os tipos de expressões usadas pelos goianos e mostra o quanto isso deixa os estrangeiros ou não conterrâneos confusos. Sem dúvida, um som interessante que visa ampliar e valorizar as curiosidades da cultura de Goiânia”, explica Renedy, em entrevista ao Diário da Manhã para divulgar seu novo trabalho.
O videoclipe de “Terra do Pequi”, disponível no Youtube, tem gravação de trechos na Europa e uma equipe técnica com DNA goiano. É um som produzido por Saggaz Beats, um dos mais importantes beatmakers da Capital, conhecido na cena pela excelência do trabalho. Também contou com mixagem e masterização do Estúdio 1º Mandamento, filmagem pelos goianos Amanda Silveira e Abner Marcelo, e edição de vídeo pela LCKV produções.
Do subúrbio aos corações
Nascido na periferia de Goiânia, Renedy é um rapper que começou carreira musical ainda na adolescência. Aos 16 anos, ganhou o concurso “V- Obras Flow Danca Music Festival”, cantando canções de sua própria autoria. Em 2011, foi finalista no concurso “Festival Sesi de Música”, na categoria ‘Composição Própria’. Ao se envolver de forma completa na cultura hip hop, o artista se notabilizou pelas batalhas de MC´s realizadas em Goiânia, nas quais foi campeão em duas ocasiões e, finalmente, reconhecido na cena do rap goiano.
Até que, anos depois, já com história nas costas, Renedy lançou seu primeiro disco solo, em outubro de 2014, com o título “Este Sou Eu”, sendo uma de suas primeiras composições a música “Totalmente Descolado”, que traduz até hoje sua personalidade. O segundo disco veio em 2017, intitulado “Vivendo, Aprendendo e Evoluindo”.
Renedy também faz parte do coletivo “Wu-Kazulo”, formado por artistas de três gerações do rap goiano: Yelowman, RasTibuia, Luz Negra, Dam Caseiro, Sem Lembrança, Saggaz Beats e, é claro, o próprio Renedy. Com o grupo, apresentou-se em diversos eventos em Goiânia e entorno, além de representar o rap da cidade em grandes festivais locais de enorme peso, como o Festival Bananada e o Cerrado Mix.
Em 2020, um ano antes da pandemia transformar nossas vidas, veio o tão esperado terceiro álbum solo do rapper, intitulado “Do Subúrbio Aos Corações Nobres”, que ele próprio considera como o melhor disco da sua carreira. De tão importante, para se ter uma ideia, o álbum recebeu um documentário especial, dividido em 3 partes e disponível no Youtube.
Para além de projetos musicais, Renedy é um importante ativista e produtor cultural no movimento hip hop goianiense. Foi um dos organizadores do projeto "A Quinta É Nossa”, que trazia batalha de MC´s e shows de artistas locais na Praça da Paz, no Jardim Nova Esperança. No mesmo lugar, participou também do projeto "Tenda Cultural”, onde eram distribuídos livros de poesia, palestras e shows.
Nos bairros da periferia, o rapper fez parte do projeto “Rap nas Escolas”. Ele cantava e transmitia suas experiências artísticas através de palestras sobre diversos assuntos ligados aos jovens. Sua música, por essas e por outras, é com ele: engajada, crítica e preocupada com sua função de transformar a sociedade. Renedy precisa ser ouvido.
Rap chega à academia
A socióloga Paula Costa Nunes de Carvalho, em sua dissertação de mestrado, disponível no repositório da USP, relaciona ascensão do rap com discussões propostas por artistas renomados da música popular brasileira, como a ideia de uma “linha evolutiva da MPB”, conforme declarou Caetano Veloso em 1966. À “Folha de S. Paulo”, em 2004, Chico Buarque analisou a ascensão do rap como uma maneira da MPB se reconectar a uma forma de expressão e crítica genuinamente populares.
Paula acredita que a discussão mostra principalmente uma perda de influência e centralidade da produção musical tradicional, e não tanto uma discussão sobre o próprio rap. "Busco conectar a noção de que essa produção crítica, vinda de um circuito consagrado no âmbito da cultura e da música popular, não levou em conta tanto os processos internos do rap, como o seu histórico ligado às memórias coletivas negras a que ele se vinculava.”
No ano passado, trabalho defendido da UFG mostrou como as plataformas digitais atuam no processo de midiatização do rap brasileiro. “O rap nacional não se tornou um fenômeno no Brasil do dia para a noite. Da mesma forma, a entrada do gênero nas diferentes mídias tradicionais e alternativas não se deu sem que houvesse impactos diretos e indiretos na forma de construção das canções, de consumo dos ouvintes e das interações dos indivíduos com a cultura e com a música”, afirma a pesquisadora Maria Veiga Nunes. (Jornal da USP, com Redação)