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Você acredita naquilo que assiste na Netflix?

Estudo da UFG mostra como algoritmos impactam a maneira com que público compreende a realidade

Sabem tudo: sistema de recomendações possui espécies para filtrar dicas de filmes - Foto: Andrés Rodríguez / Pixabay Sabem tudo: sistema de recomendações possui espécies para filtrar dicas de filmes - Foto: Andrés Rodríguez / Pixabay

Você liga a Smart TV e aperta o botão que irá te direcionar até a Netflix. Uma torrente de filmes se avoluma aos seus olhos. E, no entanto, nenhum deles chama atenção. De posse do controle remoto, você começa a achar que é uma boa ideia percorrer as categorias cinematográficas à procura do que assistir, ali no canto esquerdo. Passam-se cinco ou dez minutos, às vezes um pouco mais, e nada: só porcaria está disponível na plataforma!

Cadê aquele doc dirigido por Scorsese sobre Bob Dylan, me refiro ao doc em que Dylan “trolla” o espectador, sabe? Para tua surpresa, “Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story” se encontra “escondido” na Netflix. Não vai dizer que o longa “A Voz Suprema do Blues” foi “ocultado” lá também? Ou “Drive My Car”? Pois é, amigos, estamos na era dos algoritmos.

Sim, eles determinam o que você vai assistir. Sabem até o que você pensa. E, convenhamos, exemplificam ainda o quão complexa tem sido a relação entre humanos e tecnologia. Daí, portanto, parte a pesquisa “Interfaces, Dados e Algoritmos Performativos como Formas Culturais na Netflix”, estudo realizado no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais (PPGPC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), no ano passado.


		Você acredita naquilo que assiste na Netflix?
Thiago Moreira de Oliveira, autor do estudo. Foto: Acervo Pessoal


Thiago Moreira de Oliveira, autor do estudo, mostra como as interfaces, os dados e os algoritmos da empresa dominante no audiovisual mundial influenciam a forma com que percebemos o mundo ao nosso redor. Para tanto, o pesquisador se muniu de uma metodologia baseada em análises e sínteses, que incluem aspectos bibliográficos, isto é, próprios das problematizações propostas na tese, até a observação empírica da Netflix.

Orientado pelo professor Cleomar de Sousa Rocha, Thiago reconhece que é “inegável” a relevância da tecnologia em diferentes campos do conhecimento, como cultura, design, sociedade, psicologia, cognição e comunicação. Ele revela, na pesquisa, que os algoritmos da Netflix se prendem no vestígio de dados produzidos em ambientes digitais pelos usuários ou não usuários.

Thiago traça paralelo, em dada altura do estudo, com o conceito de flâneur. Esse termo foi consagrado pelo filósofo Walter Benjamin, num ensaio publicado na obra “Passagens”, editada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2006. Segundo Benjamin, a cidade o levava a se familiarizar com aspectos que lhe eram estranhos, de maneira que o estimulava a construir outras relações nas quais se aglutinassem o tempo pretérito.

“Tentamos transformar as ruas da Netflix para percorrê-las com o leitor e ir encontrando molduras e territórios discretos que se tornam fundamentais para entender os sentidos identitários da plataforma Thiago Moreira de Oliveira, pesquisador

“Tentamos transformar as ruas da Netflix para percorrê-las com o leitor e ir encontrando molduras e territórios discretos que se tornam fundamentais para entender os sentidos identitários da plataforma. A dissecação dessas imagens nos permite desconstruir e dar a ver as montagens e sobreposições que constroem esses sentidos, deixando a própria natureza do meio na opacidade”, indica o pesquisador, num trabalho de fôlego, de 154 páginas.

Conforme Thiago, ao interagirmos com plataformas como a Netflix, as máquinas vão gerar um “tear”, que é uma interface. A partir disso, os robôs, que são capazes de impactar a sociedade e as instituições da democracia, conseguem “visualizar” a cultura humana - condição que eleva a interatividade virtual a uma realidade em que humanos e máquinas têm interações atrativas para ambas as partes. E sempre, claro, sem esquecer-se do aspecto econômico em torno disso, uma vez que se insere dentro das estruturas capitalistas.

Recomendações

Sabe-se que o sistema de recomendações da Netflix possui três espécies para filtrar as dicas que chegam até você: colaborativa, baseada em conteúdo e híbrida. Por ser a forma de sugestão mais comum, a ótica a partir da qual esta última fotografa os dados dos usuários leva em conta cliques, ações e escolhas, facilitando a tomada de decisões da empresa. Thiago lembra que essa maneira de operar mapeia quem somos, o que pensamos e o que gostamos.

Segundo o estudioso, com a pesquisa “Interfaces, Dados e Algoritmos Performativos como Formas Culturais na Netflix”, evidencia-se que os roteiros da empresa se sujeitam à pressão do mercado. “A otimização algorítmica desempenha um papel significativo na determinação do tipo de conteúdo privilegiado pela plataforma”, explica. Ou seja, por uma questão meramente mercadológica, limita-se a pluralidade - quando não a aniquila de vez.

Na tentativa de se manter antenada ao comportamento do público, a Netflix investe em testes práticos, cuja finalidade é aprimorar o mecanismo que se responsabilizará por prender atenção das pessoas. Transformações no layout, por exemplo, vêm com a missão de otimizar o que a empresa define como “experiência do usuário”. É tudo articulado - ou melhor - programado para facilitar a escolha do filme, da série ou do show a ser assistido, embora possa atrapalhar a procura de quem deseje ver o tal doc do Dylan dirigido por Scorsese.

Ao longo das 154 páginas, o pesquisador Thiago Moreira de Oliveira faz uma pergunta pertinente: as recomendações ajudam efetivamente na descoberta de novas produções audiovisuais? “A Netflix alvitra níveis de arquicomplexidade. Essencialmente heteróclita, híbrida, descentralizada, reticulada, baseada em módulos autônomos, materializa-se nas desmedidas nuvens – metaforicamente falando – de informações que nos rodeiam e a que temos acesso ao sensível toque dos dedos em múltiplas telas”, afirma Thiago.

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