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ECONOMIA

Um modelo acertado de gestão pode reduzir os desperdícios na saúde

Ricardo Ramires Especial para o Diário da Manhã

A saúde brasileira, tanto no segmento público como no privado, atravessa um período de turbulências – reflexos não só da economia nacional, que vai de mal a pior, mas pelo fato de ambos os segmentos encontrarem dificuldades, sejam elas legais, políticas ou financeiras, não permitindo que haja um aumento da acessibilidade da população aos cuidados da saúde e, principalmente, da qualidade da assistência necessária.

Deve-se ressaltar que o futuro não parece muito promissor. Em recente pesquisa publicada pela consultoria AON, o VCMH (inflação médica) chegará a 18,09% em 2015, superando 2014. Ou seja, o cenário que se apresenta, de recessão da economia, taxa de juros em alta, comprometendo os investimentos e acesso ao crédito, e a inflação acima do teto da meta, diminui ainda mais o poder de compra da população. Nesta toada, todos os agentes públicos e privados devem refletir sobre a sustentabilidade dos segmentos, adotando medidas de curto e médio prazos. Para tanto, devemos nos inspirar em experiências bem sucedidas em outros países e que sejam viáveis de implantação no Brasil, sob todos os aspectos.

Visando a redução de gastos por paciente, há algumas décadas os Estados Unidos iniciaram a implantação de um sistema de primary care com o objetivo de desafogar os hospitais e assegurar a redução dos custos por paciente, que, na época, já estavam em elevação. Contudo, esta política somente foi realmente efetivada com a criação do chamado Obama Care, no qual foram estabelecidas medidas em prol da diminuição brutal de gastos na saúde, lembrando que atualmente os Estados Unidos gastam US$ 3 trilhões anuais com o Medcaid e o Medcare.

Isto porque, de acordo com uma pesquisa feita pela Amerigroup Real Solutions, houve cerca de 40 milhões de atendimentos realizados nos pronto-socorros (emergency rooms) dos Estados Unidos no ano de 2009. Contudo, somente 8% desses atendimentos realmente correspondiam a urgências ou emergências reais.

Sem falar no fato de que o mesmo trabalho apontou que, no ano de 2011, 80% dos adultos entre 18 e 64 anos visitaram os pronto-socorros de hospitais por falta de outro prestador de serviço. Vale ressaltar que, no ano de 2010, o Medcaid gastou mais de US$ 16 bilhões por ano em atendimentos em pronto-socorros de hospitais.

Nosso país não possui a cultura de utilização desse tipo de assistência à saúde, até por ser muito escassa. Contudo, o sistema público está muito à frente do privado, uma vez que este já implantou, em algumas regiões, Unidades de Pronto Atendimento (AMEs e UPAs). O segmento suplementar não conta com esse tipo de unidade à sua disposição, o que poderia reduzir significativamente o número de exames desnecessários. Atualmente, o sistema norte-americano estima gastos de US$ 14 bilhões em exames desnecessários.

Na opinião da Amerigroup, esse contexto decorre do fato de que “médicos e funcionários do pronto-socorro muitas vezes não têm o conhecimento e acesso à história clínica dos pacientes ou registros que possam identificar a diferença entre uma simples dor de garganta e uma condição que indique um quadro mais grave de saúde. Quando os médicos não dispõem de informações do paciente para prescrever a melhor opção de tratamento, eles podem optar por realizar testes ou procedimentos adicionais e, possivelmente, desnecessários, retardando o diagnóstico e aumentando os custos”.

Ou seja, as intermináveis filas nos pronto-socorros, as faltas de um sistema efetivo de primeiro atendimento e de conscientização da população geram uma demanda incalculável de procedimentos desnecessários em ambos os segmentos. E, no caso do segmento privado, provocam tentativas quase vãs de repassar aos beneficiários esse aumento de custo, que ocorre em uma escala muito menor.

O Brasil clama por mudanças ou iniciativas com a proposta de melhorar o sistema de saúde e, para tanto, deve-se espelhar em exemplos como o da Virgínia. O estado norte-americano investiu no aumento da acessibilidade da população assistida pelos programas Medcaid e Medcare, através das unidades de primeiro atendimento, sendo que tal processo envolveu principalmente a população. Após três anos da implantação, verificou-se que os custos com os atendimentos nos pronto-socorros caíram mais de 10% ao ano e que o valor gasto por participante caiu de US$ 8,899 para US$ 4,569, uma redução de mais de 50% nos gastos com saúde.

Já o Estado de Ohio criou um sistema de direcionamento de atendimento via telefone, no qual as 13 mil chamadas de ajuda foram direcionadas para uma central de primeiro atendimento, que orienta os pacientes para onde devem ir a fim de receberem um atendimento mais adequado ao seu problema. Tal programa redundou em uma economia de US$ 1,7 milhão em 18 meses de atividade.

Sendo assim, verifica-se que tais experiências tiveram como resultados a redução de custos em saúde, com a diminuição de exames e procedimentos desnecessários; a entrega de um serviço de mais qualidade e mais eficiência; maior conscientização da população; e aumento da acessibilidade.

Tal movimento levou tanto o governo quanto o segmento privado a criarem parcerias permanentes de tratamento, diretamente ligadas às centrais de atendimento primário e aos hospitais. Tais programas foram lançados no ano de 2013, com o Accountable Care Act, por meio do qual se criou a figura das Accountable Care Organizations (ACO).

Estamos certos de que há viabilidade para o desenvolvimento de programas e iniciativas similares no Brasil. Mas para que isto possa ocorrer, primeiramente é preciso existir vontade política dos governantes e dos atores do segmento privado, que deveriam ser os mais interessados na implantação de tais medidas. No caso do sistema privado, eles independem quase que totalmente da implantação no segmento público.

Com certeza, deverão haver revisões e modernizações das atuais políticas públicas de saúde, que precisariam passar pela conscientização da população e pela criação de programas de incentivos para os profissionais de saúde. A perenidade e o crescimento da saúde suplementar no Brasil prescindem de uma atuação focada no futuro, com ações reais no presente, sob pena de uma redução drástica dos players do mercado, haja vista o crescimento vertiginoso da inflação médica, e/ou da criação de uma barreira econômica de entrada de novos beneficiários no segmento.

(Ricardo Ramires, sócio da Dagoberto Advogados)

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