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ECONOMIA

FMI propõe prazo de carência

Helvécio Cardoso,Da editoria de Política&Justiça

Falando ao vivo pela TV, Tsipras disse que “eles” andam falando que o voto “não”, no próximo domingo, implicaria na expulsão da Grécia, “mas eles estão errados”. A Grécia está há cinco anos em insolvência. Mesmo depois de ter truncado as negociações com os credores e continuar exortando o povo a votar “não” aos credores, o governo de Atenas não se avexa nenhum pouquinho em escrever aos credores pedindo mais dinheiro.

Não convém examinar o caso pelo ponto de vista moral. A situação é daquelas em que o mais sensato seria ajudar o devedor a sair do buraco, se reabilitar e, lá na frente, pagar suas dívidas, ainda que para isso os credores tenham que emprestar-lhes mais algum dinheiro. Tsipras está, no entanto, disposto a fazer concessões nas áreas da do turismo e no setor varejista.

O problema central é que a dívida grega é impagável e, pelo visto, ninguém quer reconhecer este fato. Quer dizer, quase ninguém. Na quarta-feira, à noite, o FMI, segundo The Guardian, acenou com uma solução razoável para a crise grega. Ao contrário das autoridades alemãs e dos bancos privados, que querem beber, até a última gota, o sangue dos gregos, o FMI admite que seria necessário injetar mais 50 bilhões de euros em fundos de ajuda e, claro, afrouxar a cobrança.

Em nota, o FMI adverte os europeus que a dívida grega é “insustentável” e que a Grécia precisaria de pelo menos 20 anos de carência antes começar a pagar o que deve. Pagar escalonadamente, até o ano de 2055. A Grécia deve algo equivalente a quase 200% do seu PIB. Essas concessões, segundo o FMI, criaria um “espaço para a Grécia respirar”. Mas adverte: sem reformas na economia grega, nada feito. O FMI acha que se deve dar refresco aos gregos, desde que eles se comprometam, seriamente, a adotar um plano coerente de estabilização da economia doméstica.

A mensagem do FMI pode criar um novo ambiente de negociação e encaminhar soluções duradouras para a crise. Mas é preciso que os europeus, isto é, os alemães e os bancos credores, saiam de sua atual intransigência. Como diz a convencional sabedora popular, quem não cede em nada não quer negociar.

Tsipras gostou. Falando ao vivo pela TV grega, segundo The Guardian, o premiê grego disse que nova postura do FMI justifica a decisão do seu governo de rejeitar o pacote de ajuda, mas não o alívio do débito. Ele aproveitou o ensejo para pedir ao povo votar pelo “oxi”, ou “não” em grego.

É difícil prever o que sairá das urnas amanhã. Institutos de pesquisa divulgaram prognósticos contraditórios. Levantamento do Palmos Analisys, 38% votarão sim e 51% votarão pelo não. Vence o não. O Instituto Alco revela que 44,8% votarão não e 43,4% votarão “sim”. Vence o “sim”, por estreita margem. O Instituto Pro Rata dá que 37% votarão “sim” e 46% votarão “não”, devendo vencer o “não”. Instituto Focus indica 37% para “sim” e 40% para o “não”. Os pesquisadores não computam indecisos e nulos, como no Brasil. A explicação é que, lá, o voto é facultativo. Estes dados foram publicados ontem por The Guardian.

Soprando e mordendo

Em discurso esta semana ao Parlamento, a chanceler alemã, Ângela Merkel, disse, conforme o diário londrino The Guardian, que deu ampla cobertura ao evento, que sempre esteve, está e estará de portas abertas para negociar com Atenas, mas, ressalvou, só depois do plebiscito de amanhã. Até lá, não há o que discutir. A União Europeia é um excelente negócio para Alemanha, França e Itália, mas principalmente para a Alemanha. Não admira, pois, que Merkel venha sendo, até agora, a única chefe de estado a acompanhar atentamente o drama grego e a participar, diretamente, dos conchavos políticos visando a uma solução para o caso. Enquanto Merkel se empenha, Holland não está nem aí. O presidente francês parece distante e indiferente ao que acontece. Os demais líderes europeus se mantêm em glacial silêncio.

Em contraposição ao discurso conciliador de Merkel, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, vem fazendo críticas furiosas ao primeiro ministro grego, Alexis Tsipras. Ele disse ao The Guardian que a “Grécia está em situação difícil, meramente por causa do comportamento do governo grego, que pena que procurar culpados fora da Grécia seria de grande ajuda aos gregos, mas isto não tem nada a ver com a realidade”. E emendou: “ninguém é culpado por esta realidade”.

Segundo o ministro, para quem tudo isso “é muito triste”, a situação, que já era ruim no começo deste ano, piorou depois que Tsipras assumiu o governo grego. Tsipras, na verdade, embromou os credores até a última hora, quando encerrou as negociações anunciando que iria submeter a plebiscito a proposta de ajuda financeira dos credores (bailout) condicionada à adoção de um plano de austeridade extrememente rigoroso, aumento de impostos, corte de programas sociais etc.

Com isso, os credores acharam que não deviam mais negociar, que não havia o que negociar. O prazo para o pagamento da dívida ao FMI venceu, e a Grécia não pagou, como anunciou que não iria mesmo pagar. Diante desta situação, configurada a moratória (default) grega, tudo que os credores poderiam fazer era dar de ombros e ver os gregos sofrendo as terríveis consequências dessas decisões.

Tanto que o papa Francisco chegou a exortar os fiéis de todo o mundo a orar pelos gregos. Parece, no entanto, que as “terríveis consequências” não devem ser assim tão terríveis. O default não é automaticamente punido com a expulsão da Grécia da zona do euro. Tsipras, de resto, já declarou a todos os jornais europeus que não aceita passivamente a expulsão. Ele quer que a Grécia continue na zona do euro e garante que vai aos tribunais da UE defender o direito de seu país de ficar no bloco.

O discurso de Merkel passou a impressão de que talvez não seja uma boa ideia expulsar a Grécia. A saída da Grécia pode criar precedentes. Pode, por exemplo, encorajar a Inglaterra a sair da UE. A Inglaterra faz parte da União Europeia, mas não está na zona do euro. Lá, continua circulando a libra esterlina. Quem tenta entrar na ilha de dona Elizabeth II, vindo de algum país da zona do euro, tem que se submeter a controle de passaporte. Só cidadãos americanos estão isentos.

Na prática, é como se o Reino Unido estivesse com um pé na UE e outro fora. A crise grega fez aumentar, na Inglaterra o desejo de cair fora de vez. Se Grécia e Inglaterra saírem, a França também pode sair. É o que Mariene Le Pen vem pregando insistentemente. A líder da direita ultranacionalista francesa já declarou que, se eleita presidente, na sucessão de Hollande, vai tirar a França da UE. Tudo isso poderia levar a um desmantelamento do Bloco. É a última coisa que os alemães querem.

A voz das esquerdas

A França é o segundo maior país da Europa. Tem na presidência um presidente oficialmente socialista, François Holland, mas que nada tem de esquerdista. O que passa por esquerda hoje, na França, com peso político e respeitabilidade, são os partidos comunista e o partido de esquerda, este último fundado por Jena Luc Melenchon, dissidente do PS, que concorreu à eleição presidencial francesa, obtendo 11% da votação e provocando um segundo turno. Enfim, jogou papel importante na derrota de Sarkosi.

O jornal do partido de esquerda, chamado Parti de Gauche, disse ontem em editorial que apoia totalmente o governo grego. “A resistência do povo grego e do seu governo é um encorajamento a todos os que se batem, na Europa, contra a austeridade e as políticas de regressão social”, afirma.

Já l´Humanité, o jornal fundado pelo lendário Jean Jaurés, órgão oficial do partido comunista francês, disse, ontem, em seu editoria, assinado por Maud Vernol, que “a Grécia não é uma sublocatária da zona do euro que os grandes proprietários possam despejar a seu bel-prazer”. Segundo o editorial, a “chuva de mentiras” e a “onda de histeria”, que os franco-comunistas imputam aos “liberais europeus” são uma tentativa de golpe de estado financeiro, que, afirma o povo grego, saberá repelir, porque “sempre chega junto “num momento em que a política foi confiscada por tecnocratas”. E arremata: “o problema não é a Europa, mas as instituições que impuseram, sucessivamente, tratados mortíferos ao progresso social”.

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