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OPINIÃO

Túnel do tempo

Volto a minha infância nos anos 70. Na viagem lembro das várias manhãs perdidas no sofá da sala, assistindo a seriados. Um dos que gostava de ficção era o chamado Túnel do Tempo no original Time Túnel, um enlatado categoria B que na altura não sabia bem por que assistia, mas que tinha seu charme. O que é retornar ao passado? O que isto representa a nosso imaginário? Vivemos nosso hoje ou somos apenas o retrato das experiências que tivemos no ontem do existir?

Dois cientistas presos no passado em algum lugar incerto, inexato era o cerne da experiência apresentada na série de TV. Eram do presente mas viviam no passado. O experimento militar que criou uma máquina do tempo, com um computador feito de válvulas pelo Exército não conseguia trazer de volta os cientistas que ficavam perambulando em épocas e lugares do passado. A série de TV não fez sucesso, deu prejuízo, e a segunda temporada foi cancelada.

Na altura em plena guerra fria, os cientistas de fato tentavam equalizar os achados científicos sobre o tempo e as descobertas eram o prenúncio da Física Quântica, a curvatura do tempo, as dobras espaciais, a física subatômica, a relatividade aplicada. Quem tem poder sobre o tempo era a discussão que saiu da física e caminhou na história, na psicologia, psiquiatria, nas ciências sociais, nas conversas de boteco. O que é seu passado e como você lida com ele? De que é feita sua história e biografia?

Há alguns dias atendi um paciente que me procurou para tratamento psicológico, ele tinha seus 48 anos de idade. Um homem rabugento e melancólico cuja vida há anos perdeu a graça.

Ele havia sofrido uma grande decepção amorosa em sua adolescência que o traumatizou. Um fato ocorrido há mais de 30 anos que em sua cabeça era vivo, como que ocorrido ontem. As falas, o toque, tudo extremamente vivo em sua cabeça, o filme que repete sem parar, que reproduz a exaustão a tragédia de sua existência e que o acompanha como uma assombração, uma maldição eterna diariamente o punindo de novo por um ocorrido de 30 anos ..."Não consigo esquecer e isto não sai de minha cabeça todo instante". Foi o que me disse em uma consulta. Memória ou autoboicote?

O túnel do tempo anunciava o drama de nosso inconsciente quando estamos presos à matéria. Querer sair e ir além mas não poder. O eterno remoer das coisas que não retira ninguém do lugar e que piora quando a pessoa é pessimista ou materialista. Em raros casos de pacientes que ecoam seu passado desta forma, vi pessoas relembrando de coisas boas da própria vida. Em nossa história valorizamos mais as guerras que as grandes descobertas, o trauma que o beijo. Não usamos do passado para aprender e andar para a frente, mas como mecanismo de flagelo e autopunição... Espera que vou me esbofetear um pouquinho... é a maldição da Estátua de Sal, do olhar para trás, ou como o olhar da medusa. A isto chamamos neurose. E o que é que te prende em teu passado? Isto lhe deixou sem poder caminhar para o futuro? O que você tem feito com sua história? Qual marca você vai deixar para o futuro? Como vai ser lembrado por esta existência?

(Jorge Antônio Monteiro de Lima, analista, pesquisador em saúde mental, psicólogo clínico músico, MSC em Antropologia Social)

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