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POLÍTICA

Populismo na rede em vez de democracia digital

A internet foi anunciada nas últimas campanhas eleitorais como esfera pública para debates políticos e deliberações fundamentais da sociedade.

De repente, tornou-se a 'Ágora' ateniense com chipsets, drivers e bios. Parecia a solução para a crise da representatividade, com a instalação de uma praça virtual, onde todos poderiam se encontrar e discutir assuntos públicos.

Barack Obama tornou-se presidente com postagens ágeis no Twitter, as eleições de 2010 aceleraram o uso da redes sociais por Dilma Rousseff e José Serra e em 2014 ocorreu a consagração com a participação de todos e a implantação da democracia deliberativa pelos governos: #sqn! A expressão irônica tão comum no Facebook e Twitter #sqn (só que não) traduz como os políticos prometeram uma coisa e entregaram outra: a democracia digital e a interação foram substituídas por diálogos falseados, militâncias de araque, hangouts que não tratam efetivamente de deliberação e o pior: o uso das redes para trazer à tona o jaguncismo político.

Nos primórdios do jornalismo clássico, anterior à Revolução Francesa, que surge inicialmente fincado na produção política, os jornais se prestavam ao jogo das classes dominantes que disputavam o poder.

Com a transformação da notícia em produto e a introdução da objetividade nos séculos 19 e 20, os políticos ficaram sem espaço ‘lícitos’ para denegrir adversários até a chegada das redes. Agora, elas se prestam ao papel do passado. E negam a evolução do uso das novas tecnologias para fins realmente nobres, caso da propagação das deliberações populares e efetivas relações do mandatário com o povo.

Recentes pesquisas ajudam a diminuir o poder das redes sociais quanto ao que tentaram herdar do jornalismo: objetividade e acuracia. Em sua maioria, as redes não têm nada disso em sua estrutura. A pesquisa do Instituto de Tecnologia da Georgia indica que uma em quatro notícias divulgadas pelo site Twitter são falsas. O estudo avaliou 60 milhões de tuites. Logo, se as informações que se parecem notícias são falsas, o que dizer das opiniões pessoais e autoelogios realizados na rede? A crítica central aos políticos é que eles não usam a rede para se relacionar. Em vez de a usarem como plataforma de relacionamento, optam em encarar a rede social com uma mídia qualquer: a usam como outras mídias.

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DIÁLOGO

Fabio Cipriani, engenheiro eletrônico pela Universidade de São Paulo e um dos principais especialistas em estratégias em mídias sociais do País, acusa este erro na maioria deles.

O especialista informa que tanto a rede como um blog têm uma característica de comunicação: rede social é diálogo. Se não existe este diálogo, então existe um conflito, um equívoco.  Esperava-se, portanto, que as redes socializariam as questões públicas. Uma das maiores especialistas em jornalismo digital e redes sociais do País, a pesquisadora Pollyana Ferrari, professora da PUC-SP, explica que os políticos repetem os erros do passado. Preferem replicar informações e usar as redes "como uma via de mão única", disse em entrevista.

A especialista aponta dois erros: o político se limita a apresentar agendas. E não interage de fato. Esse robô frio e digital é pior do que o homem de carne e osso que ao menos poderia ser visto nos palanques. Com as redes, os políticos se escondem e podem falar o que bem entender – sem serem realmente questionados, já que não respondem aos diálogos. Com isto, traz à tona uma frase polêmica dita recentemente pelo semiótico e escritor Umberto Eco: "As redes sociais deram voz a legião de imbecis". Afinal, seriam os políticos então parte destes imbecis? Ou pior: seriam seus seguidores os imbecis?

Eco critica de uma só vez a máquina (a mídia rede social) e os homens (seguidores, frequentadores de espaços públicos digitais). "Antes, esses imbecis falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade. Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", analisa Eco.

As críticas de Eco são contundentes, pois pedem que os jornais – responsáveis por ao menos tentar agir no limite da objetividade e seguir limites éticos e judiciais bem claros – tenham quadros experientes para filtrarem o que é verdade nas redes sociais.

Juliano Mesquita, pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), alerta que as redes sociais propagam o que ele chama de "mentirismo virtual".

Ou seja, existe uma compulsão pela mentira, desinformação e tentativa de falsear a realidade: "Não são todos que mentem, mas existe uma mensuração dos casos de falseamento, retoques e filtragens. As mensagens ditas pelo emissor, na maioria das vezes, podem trazer uma carga de edição que falseia a verdade. O melhor exemplo é o selfie. Dentre as mil fotos realizadas pela pessoa, ela escolhe justamente aquela que menos parece com ela".

CONSTITUIÇÃO

É o que ocorre na política: sem debates reais, sobram propagandas de governo e autoelogios. O Diário da Manhã pesquisou vinte perfis de redes sociais e microblogs de políticos do País (dez nacionais e dez de Goiás) e não encontrou nenhum conteúdo deliberativo – que é uma das categorias da democracia brasileira, conforme os princípios fundamentais da Constituição Federal.

Todos os políticos analisados pelo DM trazem promessas de que pretendem inaugurar obras, divulgação de fatos heroicos (apresentação de projetos ou elogios de variados segmentos) e  divulgação de galanteios aos segmentos, artistas, pessoas falecidas de seu interesse. Dos 20 avaliados, apenas três respondem aos internautas – geralmente provocações políticas. Dois deles realizam esporadicamente encontros virtuais por meio de vídeo.

O uso mais comum é anunciar fatos relevantes nas redes sociais. Muitas vezes o gestor ou parlamentar opta em dar suas notícias para as redes do que convocar uma coletiva, por exemplo.  Ao desprestigiar a força comunicativa dos jornalistas, perde-se em capacidade de atingir audiências diversas – uma das características centrais do jornalismo não segmentado.

Como os políticos bem sabem, só os seguem os seus 'amigos' ou pessoas de mesmo perfil ideológico. A outra parte da população, uma grande maioria, fica sem saber do que se trata. As redes, assim, em vez de publicizar os fatos, tornam-se um colegiado para que os seguidores saibam o que pensa e faz o gestor ou parlamentar.

Políticos usam redes para fazer publicidade

Em Goiás, as redes sociais dos políticos não surpreendem nem repercutem nacionalmente. Ao contrário: repetem e acumulam as críticas dos especialistas e pouco pautam as discussões nacionais. O deputado federal Delegado Waldir (PSDB), um dos mais populares, faz uso das notícias policiais para atrair sua massa de seguidores.

As expressões são as mesmas dos políticos de segurança que usavam as rádios no passado. Waldir usa termos como “cidadão de bem” e “marginais”. Faz sucesso entre seus seguidores.

O delegado utiliza um sistema semelhante ao do governador Marconi Perillo, que também usa as redes com montagens de fotos e frases expressivas sobre algum assunto celebrativo.

A categoria da forma comunicativa é publicitária. No Dia dos Namorados, por exemplo, o delegado comunicou uma mensagem cândida: “Toda uma vida estaria com você/ Não importa de que maneira/ Nem como, nem onde. Mas com você”. Quase três mil pessoas curtiram a frase do “romântico” delegado, cujo signo icônico maior é a mão em forma de arma.  Nas redes, Waldir procura ao menos responder alguns dos seguidores. Tem testado as redes e pode evoluir, talvez, para maior articulação com a sociedade. Outros políticos procuram ser mais autênticos, caso do vereador por Goiânia Djalma Araújo, que busca compartilhar  assuntos de seu interesse, mas de forma noticiosa. De todos os políticos avaliados para esta reportagem, é o que parece menos utilizar assessores: de 30 posts avaliados, sete falavam de arte e de músicas que ele, como apreciador, curte.

O vereador é autêntico até mesmo nos erros de português, que é perceptível, mas por conta das tecladas rápidas que realiza.

Outro autêntico nas redes é o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), que apresenta, todavia, um perfil instável: ora responde os seguidores (e muitas vezes de forma ríspida) outras desaparece e repassa o comando das redes para pessoas de confiança.

Outros políticos preferem viver no mundo da lua. E não é digital. O caso de Iris Rezende (PMDB), cuja última postagem do seu ‘grupo’ data de 22 de dezembro de 2014. Ao menos o ex-prefeito é honesto e não procura alimentar as redes sociais com informações artificiais ou falsas.

Modelo suíço é ainda o melhor

Maioria dos políticos evita o uso democrático das redes para compartilhar a governabilidade com a população. Não cumprem a Constituição, que diz que o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes e também diretamente

Na Suíça, a democracia é levada ao extremo nas redes sociais e sites: a cada três meses os moradores são chamados para votarem em plebiscitos. Desde 2011, eles aderiram às votações eletrônicas. No país, os políticos são mais acessíveis.

Nada mal para um país que vota até mesmo pelo Correio e inaugurou a primeira votação pela rede de computadores em um já longínquo 2003.  Para impedir fraudes, existem assembleias de voto, que atuam para reunir os desejos da população em uma só matriz e fechar o cálculo dos eleitos.  Enquanto na Suíça, o morador tem direito a debater e decidir sobre diversos assuntos. No Brasil, os políticos, no máximo, conseguem atuar com maior transparência nas redes sociais.

O senador José Serra (PSDB) é um dos mais cotados dentre os profissionais e analistas de mídias digitais. Sua interação é mínima, mas o uso para desdobrar assuntos de interesse público tem tornado o político um dos mais seguidos do país. Segundo a analista de mídias digitais Tatiane Aoki, o deputado federal Jean Wyllys (PSol) está também dentre os políticos brasileiros com melhor posicionamento nas redes.  Além de sua equipe bem preparada, o próprio deputado faz uso das redes, com linguagem correta e agilidade.

Wylys sai na frente da maioria, que precisa dos assessores para escrever corretamente para eles. A maioria que não tem o devido cuidado e se expõe negativamente, com erros de português. Aoki elogia o "Processo de Atendimento ao Eleitor", como um trunfo do deputado. Ela cita outros políticos como os melhores das redes sociais: deputada federal Manuela D´Avila (PCdoB) e prefeito Eduardo Paes (PMDB).

Apesar de elogios, Aoki questiona os posts, por exemplo, de Eduardo Paes. São realizados na primeira pessoa. "Mas será que é ele que escreve?", diz.

COMO SUPERAR O USO INSTRUMENTAL DAS REDES

* Paulo Garcia (PT), prefeito de Goiânia

-Positivo

- Mantém contas ativas e geralmente responde os seguidores. É comum ser ele mesmo o alimentador das redes

- Negativo

- Mantém diálogos ríspidos muitas vezes que não levam a nada. Não utiliza as redes sociais para tornar mais transparentes as contas públicas nem utiliza a internet para discutir orçamentos e deliberar

* Marconi Perillo (PT), governador

-Positivo

- Mantém contas ativas e utiliza grande estrutura para comunicar com a população. Realiza periodicamente hangouts com entrevistas

- Negativo

- Não utiliza as redes para discussão e deliberação. As interações são exceções no discurso produzido nas redes. Pesquisa de mestrado da UFG aponta baixa interatividade do governador.

*  José Serra (PSDB), senador

-Positivo

- Mantém contas ativas e utiliza grande estrutura para comunicar com a população. Tem claras inferências pessoais na discussão que trava nas redes.

- Negativo

- Não utiliza as redes para discussão dos projetos que apresenta no Senado.

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