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‘Reatamento não trará imediata suspensão do embargo econômico’

Renato Dias, Da editoria de Política&Justiça

Nem capitalismo de Estado, como aponta a blogueira dissidente Yoani Sánchez, muito menos uma ditadura policialesca. O que há na ilha solitária do Caribe de 11,2 milhões de habitantes é um socialismo aos moldes cubanos.

É o que afirma com exclusividade ao Diário da Manhã o doutor em Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Silvio Costa. De linhagem marxista, ele monitorou, em fevereiro, o clima no país dos irmãos Castro.

- Fidel e Raúl!

Segundo ele, o reatamento das relações diplomáticas entre Cuba, que realizou uma revolução em 1º de janeiro de 1959 e declarou o País socialista em 1961, com os Estados Unidos da América, não significará a imediata suspensão do embargo.

- Vamos com cautela!

Silvio Costa relata ao Diário da Manhã que o Porto de Mariel, construído com recursos do BNDES, do Brasil, contribuirá para alterar, de forma significativa. o comércio regional e mesmo internacional, além dos fluxos de capitais.

- O que poderá significar desenvolvimento e bem-estar nos países que se envolverem na criação e consolidação de bloco alternativo ao existente, que é dependente dos EUA. Países tais como China e Rússia poderão ir ampliando essa presença.

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

DM – O senhor esteve em Cuba em fevereiro último. Qual é o clima na ilha?

Silvio Costa – Em forma humorística, diria: clima ameno, agradável, ensolarado com anúncio de pequenas intempéries, mas não há indicações de furacões no horizonte, conforme ocorria com certa frequência, em passado recente. Há vários anos que carrego comigo uma curiosidade, baseada na constatação dos fatos e na realidade, é entender melhor como é possível a um país pequeno – que pode ser colocado entre os "não desenvolvidos" –, consegue manter-se (ou é mantido) no noticiário da grande imprensa por mais de seis décadas. Como é possível despertar apoio internacional em diferentes países e ao mesmo tempo atrair tanto ódio cego e persistente, mesmo quando desenvolve atividades humanitárias? Ao chegar a Cuba, é despertada uma grande curiosidade. Em geral, os cubanos são bem informados, possuem nível intelectual "invejável" e excelente formação formal, inclusive universitária. Não há analfabetismo em Cuba. Logo à primeira vista, destacam-se os direitos sociais assegurados através de políticas públicas amplas e gratuitas à todos cubanos, tais como: saúde com ampla rede de postos, hospitais e farmácias; educação em todos os níveis, moradia (direito a posse e recentemente à propriedade, através do direito de compra e venda);  significativo volume de atividades culturais (música, dança) e esportiva; proteção e assistência aos idosos e enfermos e à criança. Atualmente, a licença maternidade é iniciada seis semanas antes do parto e prolonga-se até a criança completar um ano. A partir do terceiro mês de vida, o casal, caso seja fruto de sua decisão, é possível inverter a licença, passando o pai a gozá-la. O aborto motivado por enfermidade ou como expressão da livre decisão da mulher ou do casal (família), é realizado na rede (pública) de saúde. A alimentação e higiene pessoal (libreta) básicos, é assegurada através de preços simbólicos, permitindo cobrir as necessidades básica de cada indivíduo mensalmente. Como parte da libreta, cada cubano tem assegurado um pão de 80 gramas diariamente. Às crianças com até seis anos, é garantido leite e até 14 anos, uma ração extra de carne - de porco e frango. A taxa de analfabetismo é zero, inclusive a população apresenta alto índice de escolaridade. Há extensivo aprendizado de línguas, sendo relativamente comum, encontramos pessoas que falam várias línguas, principalmente e não exclusivamente, entre aqueles que estão ligados ao turismo. Não há perseguição ao homossexualismo. O tráfico de droga é considerado crime grave; inclusive, em anos recentes, uma alta patente militar e dos escalões do governo foi acusado de participar, como intermediário, de tráfico internacional com destino aos outros países, principalmente EUA; investigado e acusação comprovada, ele foi preso e sofreu punição exemplar: o fuzilamento. O direito ao trabalho, até recentemente, assegurava emprego a todos – pleno emprego –, mas em decorrência da persistência da crise advinda da queda da URSS, nos anos de 1990, e da migração do campo e do interior para cidades maiores, começa a surgir pequeno desemprego. Mas, contraditoriamente, há falta de mão de obra para o desempenho de atividades agrícolas e atividades "mais pesadas", como por exemplo, na construção civil. Há o direito ao trabalho, mas ao mesmo tempo, há o direito à escolha, à liberdade de opção, os cubanos podem aceitar ou não uma oferta de trabalho (há limites no controle estatal sobre a vida da população). Atualmente, os cubanos possuem o direito de viajar ao exterior, por iniciativa e conta própria ou a convite de estrangeiros – pessoais ou institucionais – como é o caso de atletas, acadêmicos, etc. e daqueles – poucos, ainda – que conseguem "fazer economias". Não há roubo e outras violências. O policiamento não é ostensivo e armado. É muito difícil ver um guarda e quando é visto algum, ele está desarmado. As Forças Armadas cubanas estão integradas ao cotidiano da população de forma não ostensiva. Inclusive, se dedicam a desenvolver atividades produtivas, principalmente nas áreas de construção e produção agrícola.

DM – Qual a sua leitura sobre o reatamento diplomático entre EUA e Cuba?

Silvio Costa – É necessária cautela! Essa aproximação e reatamento das relações diplomáticas podem facilitar uma reaproximação, mas não significa, por si só, o fim automático do bloqueio econômico, que pode não acontecer em um horizonte muito próximo. Há poderosas forças econômico-políticas contrárias, tais como membros do Partido Republicano e anticastristas. Cuba e o Caribe possuem uma situação geopolítica privilegiada. Encontram-se próximo, ao lado do maior mercado consumidor do mundo – a América do Norte – e se interpõe entre as rotas comerciais deste com a Europa, Oriente Médio e África. A isso se soma, atualmente, as tentativas de ampliação e expansão comercial chinesa, que busca consolidar a América Latina como novos mercados para suas mercadorias e capital. Isso vem ocorrendo com certa rapidez e ter pontos de apoios, tais como portos com capacidade de atender essa crescente demanda, torna-se crucial. Devemos salientar que não se trata apenas dos aspectos comerciais, mas também dos fluxos de capitais chineses, que buscam situação favorável para expandir-se.Vejamos uma situação contraditória que pode ser acrescida hoje, ao jogo geopolítico que envolve as Américas Latina e do Norte e o Caribe, com a entrada em cena da China – fluxos comerciais e de capitais – a partir da construção do Porto de Mariel sem dúvida, contribuirá para alterar significativamente os fluxos comerciais entre o Caribe e a América Central e destes com os mercados norte-americano, europeu, africano e asiático, abrindo novas rotas comerciais e deixando para trás a grande dependência para com o EUA.

DM – O embargo econômico, depois de 53 anos, terá fim?

Silvio Costa – O bloqueio econômico norte-americano é devastador e, ao que tudo indica, permanecerá por algum período. É um bloqueio que em rápido espaço de tempo poderá ser transformado em bloqueio militar – naval e aéreo, principalmente. Ele, por mais que se procure negar, impõe limites às relações de Cuba com outros países, limita e encarece, de forma significativa, suas importações e exportações. Inclusive, ironicamente, por falta de opções, possibilitou que os carros velhos – de origem norte-americanas, importados no período pré-revolucionário, são os mais "charmosos" e os importados da ex-URSS, a marca Lada, que é conhecida no Brasil – se transformassem em "charme", em uma "identidade turística" do país, em sinônimo de "exotismo", movidos em significativo número por motores Peugeot, Volvo e peças de outras marcas, que ao lado de carros novos, em geral utilizados para aluguel por empresa estatal, circulam por Havana e pelo país. O bloqueio econômico, as pressões e sabotagens terroristas patrocinadas pelo governo dos EUA e por anticastristas impõem a Cuba, principalmente após a desestruturação da (ex)URSS, a necessidade de investimentos e gastos significativos em defesa e inteligência, dificultando investimentos em outras áreas que trariam benefícios mais diretos para a população. Mas, veja você:  os cubanos resistiram e após esses 53 anos enfrentando uma política terrorista, praticada pelo governo norte-americano e por anticastristas. O que vemos hoje é uma Cuba que está "dando a volta por cima" e atualmente encontra-se, "guardando as devidas proporções", em boa situação econômica, social e política. Conseguiu com esforços heroicos resistir e abrir caminho rumo à conquista de melhores dias para os cubanos. Não sendo profeta, mas analisando mais atentamente, a pergunta não é se o bloqueio econômico terá fim; mas sim, quando e como. No caso de Cuba, historicamente, o bloqueio econômico com "todo seu rastro de destruições" e ações terroristas foi derrotado pelo povo cubano.

DM – Qual o impacto da suposta medida?

Silvio Costa – Há uma tendência de ampliação dos fluxos comerciais e de capital entre os países da América Latina e Caribe e deste com a Europa, África e Ásia, de ampliação da presença chinesa na região e Cuba, com a entrada em operações do Porto de Mariel, jogará importante papel.

DM – Yoani Sánchez diz que em Cuba há um capitalismo de Estado controlado por um clã familiar, os Castro. O senhor concorda?

Silvio Costa – Antes de responder diretamente a sua pergunta, acredito ser importante dizer: esta senhorita, uma desconhecida, quando esteve no Brasil, foi financiada e recebida pela direita com "ares de embaixadora", de "grande personagem"; ciceroneada por deputados, senadores e elogiada exaustivamente pela mídia, como uma "grande líder da oposição em Cuba". Mas, tudo isso não em consequência "de seu conhecimento", de suas "teses respeitáveis e brilhantes". Mas sim pela possibilidade de manipulá-la, de transformá-la em um aríete para atacar Lula e Dilma, sua exitosa política externa; para atacar principalmente suas iniciativas na área da saúde, o "Mais Médicos", cujo objetivo é minimizar a falta de médicos nas periferias e nas cidades do interior. No caso dessa denominação, o conceito capitalismo de Estado, não é novo e não traz novidade; surgiu como fruto de debates político-acadêmicos – intermináveis – para se referir à "sociedades pós-capitalistas", como por exemplo, União Soviética e China. Mas, em uma abordagem mais atenta e detalhada, percebemos que ele traz em si uma contradição e ao confrontá-lo com a realidade, surge sua própria negação – não da realidade, mas do próprio conceito que procura captar uma determinada realidade. Esse conceito, utilizado para caracterizar a URSS e a China, agora, essa senhorita, o utiliza para Cuba. Em minha opinião, ao unir os conceitos capitalismo e Estado, é extremamente complicado; isto porque capitalismo corresponde a uma determinada forma de organização econômica-política-social-cultural, fundada no livre mercado, na competição entre agentes econômicos, que por si só nega a interferência do Estado como indutor do planejamento, necessário à conservação de justiça social, maior ou menor. Mesmo uma abordagem inicial e uma análise rápida, não indicam que esse conceito pode ser utilizado com êxito para caracterizar a realidade cubana. Ela acrescenta ainda, "controlado por um clã familiar, os Castro"! outra caracterização problemática! As diversas caracterizações apresentadas, sobre o que é Cuba, à luz de conceitos e caracterizações, estão desenvolvidas no livro Cuba, hoje, do jornalista Renato Dias, pertencente a este Diário da Manhã. Aqui, tomo a liberdade de indicar aos leitores desta entrevista, a leitura desse excelente livro. Ao lê-lo confesso que tive a oportunidade de ter acesso a um grande número de informações e análises importantes e interessantes. Muitas delas poderiam ter contribuído para que minha estadia em Cuba tivesse maior qualidade! Mas, a leitura a posteriori foi importante em termos comparativos e para as críticas sobre minha percepção sobre o que vi e sem dúvida, para uma organização inicial e despretensiosa, sobre o que estou apresentando nesta entrevista.

DM - Qual o futuro de Cuba? É possível arriscar previsões?

Silvio Costa - Ao que tudo indica, caso não ocorra "um tsunami", Cuba possui condições reais – econômicas e políticas – e apoio entre a população para crescer economicamente e melhorar as condições de vida de sua população.

DM - Qual a importância do Porto de Mariel para a economia da região?

Silvio Costa - Esse porto contribuirá para alterar de forma significativa o comércio regional e mesmo internacional, e os fluxos de capitais, o que poderá significar desenvolvimento e bem-estar nos países que se envolverem na criação e consolidação de bloco alternativo ao existente, que é dependente dos EUA. Países tais como China e Rússia, que possuem até então pequena presença na região, poderão gradativamente ir ampliando essa presença. Devemos ressaltar que o Brasil possui papel de destaque nesse redesenhar geopolítico, podendo abrir e consolidar novos mercados e estabelecer relações de cooperação científica e tecnológica com diversos países.

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