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Violência campeia no Brasil

Da Redacão com BBC

O Brasil lidera, pelo quarto ano consecutivo, a lista de países que mais tiveram ativistas ambientais e agrários assassinados compilada pela ONG internacional Global Witness e divulgada ontem. Das 29 mortes de líderes e militantes de causas ambientais ou agrárias registradas no País no ano passado, 26 delas estavam ligadas a conflitos de terra. Quatro das vítimas eram indígenas.

O Brasil está à frente de países como Colômbia (25 mortes em 2014), Filipinas (15 mortes) e Honduras (12 mortes). Desde 2002, só houve um ano, 2011, em que o País não liderou esta lista. Ao todo, 477 "ativistas ambientais ou agrários" foram assassinados no País desde 2002, segundo a ONG.

A ONG adverte que esses números podem estar subestimados. "Essa é uma crise oculta que está escapando da opinião pública, primeiro porque não é monitorada de forma adequada pelos governos, e também porque muitos ativistas vivem em comunidades pobres e remotas, com acesso limitado aos meios de comunicação e à mídia", diz o relatório.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora a violência no campo há 30 anos, destaca que o Estado com maior número de assassinatos foi o Pará, com nove casos, seguido de Rondônia e Mato Grosso. Outro dado alarmante destacado pela Pastoral foi o crescimento do número de tentativas de assassinato, que apresentou um aumento de 273%, passando de 15 casos em 2013, para 56 em 2014.

O maior índice de crescimento de conflitos e da violência no ano passado foi verificado nas regiões Sul e Sudeste. O total de conflitos no campo cresceu 91% na Região Sul, passando de 56 ocorrências em 2013, para 107 em 2014. O mesmo ocorreu no Sudeste, com aumento de 56% nos casos – 62 em 2013 para 253 em 2014. Mesmo com o Sul e o Sudeste apresentando grande crescimento do número de conflitos, o Nordeste foi o que teve mais casos (418), seguido pela Região Norte (379).

A edição com números de 2014 marca os 30 anos da publicação, que é divulgada anualmente. Nesse período, foram registrados pela CPT 29.609 conflitos no campo, envolvendo 20.623.043 pessoas. Foram 23.079 conflitos por terra, 4.389 trabalhistas, 836 por água e 1.305 de outras naturezas. Entre 1985 e 2014, foram registrados 1.723 assassinatos em 1.307 ocorrências de conflitos.

De acordo com Elizabete Cerqueira, do acampamento Dom Tomás Balduino, de Corumbá de Goiás, onde 3.500 famílias foram despejadas após sete meses produzindo alimentos agroecológicos nas terras do senador Eunício de Oliveira, a esperança e a luta por um pedaço de chão permanece. "Alguns dos nossos foram ameaçados, fomos despejados, mas nem por isso nos afastamos da luta", completou.

Para Jeane Bellini, da coordenação nacional da CPT, um dado preocupante é o da punição dos envolvidos nesse tipo de crime ao longo dos 30 anos. "Somente 108 casos foram levados a julgamento e pouco mais de 80 pessoas condenadas, além de mais de 20 mandantes, mas nenhum deles está preso."

Conforme a Comissão Pastoral, os movimentos que lutam pela terra e os povos indígenas que também lutam por direito ao seu território não têm a quem recorrer. "Você tem que se apegar a Deus. Nessas condições em que o Estado não funciona, não tem segurança nenhuma, se for pensar bem, você desiste, porque o risco é permanente", diz Siqueira.

"As pessoas não confiam na Justiça. É uma terra de ninguém. Quando a lei ameaça funcionar, acontece isso, vão ameaçar a vítima, que é testemunha." A Global Witness cita, como exemplo da violência no campo em 2014, o caso de Raimundo Rodrigues da Silva, líder de uma comunidade rural no Maranhão.

Ele levou um tiro e foi para o hospital e, enquanto estava internado, dois homens tentaram sem sucesso entrar no seu quarto para matá-lo. Pouco tempo depois, ele veio a falecer em decorrência dos ferimentos causados pela bala.

Impunidade

Para a Global Witness, um fator que "complica" a violência no campo no Brasil "é a falta de documentos oficiais da terra para comunidades indígenas ou de camponeses". "Muitos dos suspeitos de (serem) mandantes desses crimes de 2014 são poderosos latifundiários", disse à BBC Brasil Billy Kyte, um dos principais autores do estudo.

A impunidade é o fator mais citado no documento para justificar o alto número de assassinatos ligados a questões ambientais e agrárias no mundo.

No Brasil, segundo Billy Kyte, a impunidade também "é o maior problema". "O Brasil precisa monitorar esses assassinatos e levar os responsáveis à Justiça. Existe uma falta de vontade política (no país) para fazer justiça pelos mortos nesses conflitos."

A Global Witness diz em seu relatório que muitos mandantes de assassinatos de ativistas "escapam" de investigações, "mas as informações disponíveis sugerem que grandes latifundiários, empresários, políticos e agentes do crime organizado frequentemente estão por trás desse tipo de violência".

Para Rubens Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, a falta de punição "incentiva" a violência no campo. Ele lembra o massacre de Eldorado de Carajás – quando 19 sem-terra foram mortos a tiro por policiais em uma marcha de protesto contra a demora para a desocupação de terras em Eldorado dos Carajás, no Pará.

O massacre completou 19 anos na última sexta-feira (17) e, até hoje, ninguém foi punido. "O caso de Eldorado é um caso clamoroso. É um país de faz de conta, as autoridades lamentam, vão lá, mas nada acontece", diz o coordenador da CPT.

"O Estado favorece esse processo de reciclagem da violência, porque essa população fragilizada não tem a quem recorrer. A Justiça demora, falha ou, quando acontece, livra o mandante. É um ciclo vicioso no campo, que nunca parou e está sempre crescendo."

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, chegou a ir a Eldorado dos Carajás na sexta-feira e reiterou seu compromisso com a "reforma agrária e a paz no campo". "Viemos aqui hoje prestar uma homenagem aos 19 mártires que aqui tombaram, vítimas da violência, da brutalidade na luta pela reforma agrária. Viemos também para reafirmar nosso compromisso com a vida", disse ele.

"Estamos empenhados, no governo federal, em promover a paz no campo. E a paz se constrói com justiça. Estamos aqui porque temos um compromisso, o compromisso do governo da presidenta Dilma com a reforma agrária. Vamos assentar todas as famílias acampadas no Brasil e transformar nossos assentamentos em espaços de vida", discursou.

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