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“A África está muito pior hoje do que em 2003”, diz ex-procurador do TPI

Agência O globo

Por nove anos à frente do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo esteve no Brasil para participar de uma conferência sobre corrupção. Hoje professor da Universidade de Harvard, nos EUA, o advogado argentino afirma que justamente a corrupção, ao lado do narcotráfico e da violação dos direitos humanos, é o problema mais grave da América Latina: “Os grupos atuais de poder têm que entender como eles funcionam numa democracia. Esse é o desafio na Venezuela”.

A ENTREVISTA

O senhor foi o primeiro procurador-chefe do TPI. Como avalia os nove anos à frente do órgão?

Quando assumi a função, tinha dois empregados e seis andares vazios. Fui embora, em 2013, com mais de 300 funcionários e o dobro de países signatários. Tivemos momentos complicados, como na presidência de (George W.) Bush, que era muito hostil ao tribunal. Mas foram 32 investigados, alguns fugitivos, como Bashir (Omar al-Bashir, presidente do Sudão). Deixei um tribunal que funcionava como instituição, com 121 (hoje são 123) Estados que o ratificam. É a única instituição do século XXI que não serve a um Estado, mas à Humanidade.

A visita de Bashir, condenado pelo tribunal, à África do Sul, signatário do TPI, indica um fracasso?

Pelo contrário. Já em 2008, pedimos a prisão do presidente Bashir por genocídio, crimes de guerra e de lesa humanidade. Inclusive, foi nessa época que Bush nos apoiou, e mesmo contrário ao TPI decidiu apoiar a prisão. Sob pressão, o país aceitou receber as forças de paz da ONU e permitiu a ajuda humanitária. Agora, Bashir quer demonstrar sua força. Mas um presidente que se ufana de estar livre não tem muito poder. Ele foi para a África do Sul mostrar sua força e teve que escapar de lá como um fugitivo.

Há proteção política?

Sim. Na África, sete ou oito líderes cometeram crimes para chegar ao poder, o que pressiona muito os demais. Não há um equilíbrio de forças, como na América do Sul, por exemplo, onde a Venezuela começa a causar um desequilíbrio. Por isso, a decisão dos juízes da África do Sul é um triunfo e indica que Bashir está protegido politicamente. E esses líderes estão dispostos a protegê-lo por razões distintas. O fato de o Tribunal continuar funcionando nos dá esperanças. Mas a África está muito pior hoje do que era em 2003, quando assumi o cargo no TPI. Nesta época ainda havia uma tentativa de estabilização dos conflitos. Agora, eles se proliferaram em países como Mali, Somália, Quênia, Zimbábue.

Os EUA vetaram a criação do tribunal. Por que eles se opõem ao TPI?

Em 2010, com os EUA envolvidos em outros assuntos, como as guerras no Iraque e no Afeganistão e os conflitos em Israel, o já presidente (Barack) Obama tomou a decisão de negociar com Bashir, que havia suspendido a ajuda humanitária nos campos de refugiados. Ele aceitou então a independência do Sul (um ano depois nascia o Sudão do Sul). Na verdade, os EUA não acreditam na lei internacional. Acreditam na lei dentro do país, mas fora dele, acreditam no poder. Principalmente porque estão envolvidos em conflitos, como Iraque e Afeganistão.

Como o senhor avalia a Justiça na América Latina?

São três problemas graves: a corrupção, o narcotráfico e a violação dos direitos humanos. A corrupção é um tema generalizado e os casos Petrobras e Fifa são exemplos. Os dirigentes precisam mudar a forma de lidar com ela. No caso do tráfico, o México é uma mostra de aonde ele pode chegar. Um político mexicano me disse uma vez: Nos anos 1980, pensávamos que era um problema de passagem para os EUA, mas nos enganamos. E hoje não podemos mais lidar com ele.? Sobre os direitos humanos, tivemos uma reação que nasceu na época das ditaduras, nos anos 1970, mas os grupos atuais de poder têm que entender como eles funcionam numa democracia. É o desafio na Venezuela.

Por que o caso Fifa é um exemplo de corrupção na América Latina?

Por que a investigação não foi feita pela América Latina? Ainda em 2011, Julio Grondona (argentino que foi vice-presidente da Fifa) foi denunciado por contas na Suíça e nunca pediram uma investigação. A Associação de Futebol da Argentina (AFA, presidida por ele até morrer em 2014) tem papel-chave na América Latina. Na investigação, Grondona aparece como o conspirador 10, como Messi e Maradona.

Como advogado argentino, como o senhor analisa a investigação sobre o caso Alberto Nisman, que foi encontrado morto em sua casa?

O caso é extraordinário e parece que a investigação foi levada de maneira desastrosa. Se foi suicídio ou assassinato, nos dois casos, sua morte é resultado da forma ilegal de se investigar na Argentina. O aparato de Inteligência não mudou desde a época do governo militar. Por que não foi desmantelado pelos governos? Porque serve para manejar fundos, comprar jornalistas, juízes e procuradores, e espiar a oposição. Os EUA não acreditam na lei internacional. Acreditam apenas na lei dentro do país, mas fora dele, os EUA acreditam no poder?

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