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Grécia entre o Não e o Sim

  • Syriza recorre à democracia direta em negociação com Troika
  • Historiador diz que planos de austeridade foram um fracasso
  • Escritor conta que a dívida do País já atingiu 177% do PIB
  • Para professor, vitória do Não é rejeição ao neoliberalismo 

Não aos planos de austeridade em acordos com os credores. Sim ao arrocho. Esse é o dilema que levará a Grécia, neste domingo, às urnas, em ato de democracia direta convocado pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras, um homem que recusa-se a usar gravata, é ateu, casado, com filhos, e que lidera a coligação da esquerda radical - o Syriza. Ele ganhou as eleições em janeiro de 2015. Especialista em Política Internacional, o historiador e pós-doutor da Universidade Federal Fluminense [UFF] Daniel Aarão Reis Filho diz, em entrevista exclusiva ao Diário da Manhã, que o referendo é vital para a democracia. Segundo ele, a vitória do Não, defendido por Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, significará a rejeição ao pensamento único neoliberal e às políticas de redução de direitos dos habitantes do País. "Dados oficiais sobre a economia grega, compartilhados pelas instituições europeias, mostram um quadro assustador de desemprego - 25% em média -, alcançando quase 50% entre os jovens entre 18 e 24 anos. Neste período, entre 2009 e 2015, o PIB grego despencou de quase ¼. O mais catastrófico é o fato de que a dívida correspondia, em 2009, a 130% do PIB. Atualmente, graças aos planos de "austeridade", alcançou 177% do PIB", explica o escritor. Já a vitória do "Sim" imporá, sem dúvida, novas eleições, pois o Syriza e suas lideranças rejeitaram claramente a aceitação das políticas acima referidas, dispara.

“A dívida correspondia, em 2009, a 130% do PIB. Atualmente, graças aos planos de "austeridade",  alcançou 177% do PIB.

Daniel Aarão Reis Filho,Historiador

grecia

PERFIL

Nome completo: Daniel Aarão Reis

Idade: 69

Formação: História

Livros publicados: Ditadura e democracia no Brasil (Zahar, 2014). Prestes, um revolucionário entre dois mundos (Companhia das Letras, 2014)

O que anda lendo? São Petersburgo, de Salomão Volkov; Dr. Jivago, de Boris Pasternak

Projeto de novo livro? Editando, com Keila Grinberg,  em forma de livro, os artigos apresentados no seminário internacional sobre a emancipação de servos/escravos no Brasil, Rússia e Estados Unidos. Deve ser publicado em 2016.

Livro a ser publicado em 2015? Nenhuma previsão.

CONFIRA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

Diário da Manhã - Qual o significado para a democracia do plebiscito deste domingo na Grécia?

Daniel Aarão Reis Filho - Incentiva o debate nacional sobre as questões em jogo nas negociações entre a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu/BCE e Fundo Monetário Internacional/FMI) e o governo grego, trazendo o povo para decidir os rumos do país, nada mais vital para uma democracia.

DM - Qual o resultado dos planos de austeridade pós-2008 no País?

Daniel Aarão Reis Filho - Os planos foram um grande fracasso. Dados oficiais sobre a economia grega, compartilhados pelas instituições europeias, mostram um quadro assustador de desemprego - 25% em média -, alcançando quase 50% entre os jovens entre 18 e 24 anos. Neste período, entre 2009 e 2015, o PIB grego despencou de quase ¼. O mais catastrófico é o fato de que a dívida correspondia, em 2009, a 130% do PIB. Atualmente, graças aos planos de "austeridade", alcançou 177% do PIB. Além do sofrimento e da falta de perspectiva das famílias e pessoas mais pobres, incomensuráveis, estes dados são o maior índice do fracasso deste "plano". Enquanto isto, os grandes bancos europeus receberam generosa ajuda para se reerguer e ainda puderam passar as dívidas gregas para as instituições públicas - FMI e BCE, livrando-se de "créditos podres" que tinham com Atenas.

DM - O que significará a vitória do Não?

Daniel Aarão Reis Filho - Significará a rejeição de políticas ineficazes  e humilhantes. Conferirá maior poder ao governo para negociar com as instituições e tecnocracias europeias. Muitos pensadores  e líderes conservadores tentam acreditar a tese de que um "não" significará a ruptura da Grécia com a União Europeia. Ora, o governo grego e a maioria dos gregos não têm nenhuma intenção de romper com a Europa. Nem a constituição da União Europeia prevê a expulsão de Estados-Membros. Assim, as negociações tendem a prosseguir, salvo se os tecnocratas "inventarem" um arranjo que lhes possibilite expulsar a Grécia. Neste caso, assumirão a responsabilidade por esta ação extrema.

DM - O que significará a vitória do Sim?

Daniel Aarão Reis Filho - A vitória do "Sim" imporá, sem dúvida, novas eleições, pois o Syriza e suas lideranças rejeitaram claramente a aceitação das políticas acima referidas.

DM - O premier Alexis Tsipras diz que, caso o Sim ganhe, ele não aplicará o programa da Troika. O que ocorrerá?

Daniel Aarão Reis Filho - Se ganhar o "Sim", o governo do Syriza e a liderança de Alexis Tsipras estarão bastante fragilizados.

DM - Caso o Syriza perca o plebiscito, ele deixará o governo?

Daniel Aarão Reis Filho - Não em termos imediatos. Deverá convocar novas eleições e, então, se verá qual a deliberação do voto popular. Se o voto popular reconduzir o Syriza ao governo haverá um imbróglio singular, uma espécie de desmentido a um eventual "sim" do  plebiscito, um voto contraditório. Não é uma hipótese a ser excluída, mas geraria uma situação bastante confusa.

DM - Em seu artigo em O Globo o senhor cita Hélio Pelegrino e faz um paralelo com 1968: o que o senhor quis dizer?

Daniel Aarão Reis Filho - A informalidade com que se comportam os líderes gregos irrita os tecnocratas e as lideranças europeias, sempre "bonitinhos", bem barbeados e engravatados. Assim também os líderes do movimento estudantil de 1968 irritavam os poderosos de então, por sua permanente informalidade. Encontrei aí uma notável semelhança entre os gregos de hoje  e os brasileiros de 50 anos atrás: não tinham (e não têm) gravatas, mas tinham (e têm) caráter. Helio Pellegrino, autor da frase, deve estar sorrindo na estrela.

DM - Como o senhor classifica o programa do Syriza?

Daniel Aarão Reis Filho - Um programa realista e que seria, caso apoiado, bastante eficaz no sentido de arrancar a Grécia da situação de marasmo econômico e desespero social em que encontra, e cada vez mais, desde 2009. As medidas preconizadas pelo Syriza protegem, na medida do possível, as camadas populares e os aposentados, descentralizam a gestão econômica e tendem a redinamizar a economia do país.  Outra ideia, mais generosa, e que foi aventada por um ex-diretor do próprio FMI, seria definir um prazo, de dois ou três anos, no qual a Grécia não faria qualquer pagamento, ganhando fôlego para rearrumar a sua economia.

DM - A direita foi às ruas na Grécia: é a expressão de que a noção de luta de classes permanece atual?

Daniel Aarão Reis Filho - Esta semana de amplos debates será um tempo de tensões e de enfrentamentos. Propostas de direita e de esquerda se exprimirão, disputando as consciências, e mostrando que a díade direita/esquerda continua atual para compreender as lutas políticas contemporâneas. Uma festa para a democracia.

DM - Como acordará Athenas na segunda-feira?

Daniel Aarão Reis Filho - Seja qual for o resultado, os gregos acordarão tensos e preocupados. O futuro imediato será de crise, o que envolve dúvida, reflexão e decisão.

DM - Existe a possibilidade de surgimento de um movimento como o Syriza no Brasil?

Daniel Aarão Reis Filho - Penso que, em nosso país, alguns elementos estão reunidos para isto - crise profunda de identidade do PT, partido que, nestes últimos anos, vinha liderando as camadas populares, resultando daí uma crise hegemonia entre as classes populares; - dificuldades econômicas que vão se acirrando, e que tendem a se acirrar com estas políticas de "ajuste", assumidas pelo governo Dilma; - Direitas cada vez mais agressivas, no Congresso e nas Ruas; - muitas lideranças populares desencantadas com a política...

No entanto, como é próprio do campo político, nem sempre condições favoráveis geram alternativas políticas à sua altura. Depende de articulações, programas, lideranças, vontade, habilidade. Estamos aí no território da imprevisibilidade...

DM - O que há de comum entre o Syriza, Grécia, o Podemos, Espanha, o 5 Estrelas, Itália, e o Bloco de Esquerda, Portugal?

Daniel Aarão Reis Filho - Uma insatisfação cada vez mais profunda com o fato de que a Europa, desde a criação do Euro, tem sido muito mais uma Europa dos bancos, dos ricos, dos poderosos, do egoísmo, do particularismo e do "salve-se quem puder" , do que uma Europa dos trabalhadores, das camadas populares e da solidariedade. O desconforto com esta situação agravou-se com a crise de 2008 e com as políticas definidas desde então - sempre em favor dos grandes e em detrimento dos interesses das camadas populares. A rebeldia está em ascenso e não se limita aos exemplos referidos na pergunta.  Poderíamos citar igualmente o caso da Islândia que se rebelou, com êxito, face às imposições do sistema financeiro intrnacional. Mesmo na Alemanha e na França, mais ricos e estáveis,  vive-se hoje um processo  interessante, de lutas e questionamentos sociais.

Minha esperança é de que a crise grega abra um tempo de reflexão sobre a Europa que se está construindo e a que se quer construir. Trata-se de uma temática formulada pelas lideranças do Syriza. Faço votos para  que esta reflexão se estenda para além da Grécia, ganhando contornos europeus e internacionais.

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