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OPINIÃO

Carta para Luísa, minha neta

Heloisa Helena, Especial para Diário da Manhã

Antes de tudo, minha menina querida, quero que esteja sempre certa deste meu amor coruja de avó. E por ser assim, coruja, acredite, esse meu afeto paira acima dos parâmetros oficiais do feio, do bonito, do atual, do ultrapassado, do demasiado, porque trata-se de um afeto, por assim dizer, de prontidão, isto é, pronto para ser partilhado sempre que precisar de um colo, de um abraço apertado, de uma palavra de carinho ou de uma cúmplice piscadela de olhos.

Luísa, apenas com 1 ano e 4 meses de vida, dona de um vocabulário que se resume em poucas palavras: mamã, papá, dadada, auau, uouó, que traduzo por vovó (isso me deixa imensamente feliz) e que vive em um universo onde cabe somente a satisfação das suas necessidades, bem sei que você ainda nada entenderá do que vou lhe dizer.

Entretanto, mesmo sabendo do quanto esta minha carta é prematura, escrevo-lhe, porque nunca pensei que, pela falta de consciência do que é ser e pela irresponsabilidade para com o estar no mundo, a Humanidade chegasse a cometer tamanhos desatinos e a banalizar atos assassinos, dotando-os de uma naturalidade inacreditável.

Minha neta, quando estiver adiantada em seus estudos humanísticos, você verá que em todos os lugares acontecem fatos que causam perplexidade e que nosso Brasil não é o único País cuja história é recheada de escândalos.

Entretanto, a imprensa estrangeira noticiou como o maior descalabro econômico já registrado na História Universal, o desvio de bilhões dos cofres da Petrobras. Esta ação criminosa envolve funcionários, empresários, políticos, cujos mandatos foram conquistados por votos de brasileiros, em grande parte carentes em suas necessidades básicas de sobrevivência.

Minha pequena, na noite do dia 6 de março de 2015, também me coloquei diante da televisão para acompanhar a divulgação dos nomes de políticos acusados de receberem propinas.

Como a divulgação foi feita parcialmente, mudava de canal esperando flagrar um “furo” de reportagem. E foi em uma dessas mudanças que ouvi o depoimento de um pescador do norte do Brasil clamando por melhores condições de vida.

O pescador tinha a fisionomia envelhecida, dentes estragados e implorava pelo bem-estar de seus filhos, aqueles direitos já instituídos na legislação brasileira. Foi somente pela idade dos filhos do pescador que percebi o seu envelhecimento precoce, resultado de uma existência desamparada.

Mas a minha tristeza não se deveu apenas às palavras do pescador. Em nova troca de canal, presenciei a angústia dos estudantes diante da inoperância do programa do governo para efetuarem em tempo hábil suas matrículas nas faculdades escolhidas e, também, a incerteza do repasse de verbas já previstas para continuidade dos estudos de muitos deles.

Quando ouvi a quantia assombrosa do desvio do dinheiro público e a comparei com as pequenas parcelas pleiteadas pelos estudantes, senti todo o peso da indignação que, naquele momento, abatia sobre a nação brasileira. Por que tamanha ganância? Por que essa inversão de valores?

Ah!, Luísa, não é este o Brasil que eu gostaria de lhe apresentar como um bom lugar para viver. O caos moral que nos circunda é tão imenso que não sei com quais valores poderei aconselhá-la em suas dificuldades existenciais. Os que eu poderia lhe apresentar agora serviriam para que você fosse rotulada de ingênua, de tola, por não aproveitar oportunidades que, porventura, possam aparecer em seu caminho.

Pelas minhas indagações, Luísa, você pode sentir o quanto a sua avó está perdida diante da mudança dos traços morais e dos princípios que deveriam ser buscados para guiar a ação humana ao longo da sua trajetória.

Mas nem tudo está perdido, minha menina. No século passado, o poeta Fernando Pessoa já alertava a todos para o fato de que tudo vale a pena, se a alma não for pequena.

Sendo assim, querida, para não terminar esta carta demonstrando toda a minha desilusão, justo para você que ainda está aprendendo a andar, quero tão somente lhe desejar sensatez ao fazer suas escolhas, firmeza para praticá-las e grande respeito por todos, sobretudo por aqueles que muitas vezes nada dizem, nada pleiteiam, pois não têm consciência de que também ocupam um lugar digno na História.

Beijos e muitas bênçãos da sua avó, Heloísa.

(Heloísa Helena é escritora)

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