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CNJ: a “nova instância” do Judiciário brasileiro (precisamos de Juiz independente no Brasil)

Fernando Piza de Queiroz ,Especial para Opinião Pública

Criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 que promoveu a reforma do judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ tem sua atuação definida no § 4º do artigo 103-B da Constituição Federal, segundo o qual lhe compete “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura” (...). Até aí, nada demais. Seja bem vindo, Conselho. Todos precisamos de órgãos de controle. Assim vemos como cidadãos e não deve ser diferente com os olhos de autoridades. Advogados precisam de controle; imprensa idem; nada diferente com promotores, delegados e procuradores. Por que os juízes não?

Mas, imaginem um órgão de controle policiando a liberdade de imprensa. O que seria de nós sem imprensa livre? Para que serviriam deputados e senadores sem imunidade para protegê-los por suas opiniões, palavras e votos. Em tempos de corrupção nas alturas – pelo menos como se tem noticiado – muitos até podem ver a imunidade parlamentar como privilégio odioso a ser banido de vez. O bom senso, entretanto, sobrepondo a razão à emoção não deixa dúvida sobre a importância dessa garantia parlamentar para a existência do próprio Parlamento e, por tabela, da democracia.

Volto ao início. Dez anos depois de sua criação o CNJ tem dado mostra de sua importância como órgão de planejamento e controle dos disparates administrativos no Poder Judiciário, especialmente nos tribunais, onde parentes de autoridades se acumulavam às montanhas em cargos comissionados. O CNJ acabou com o nepotismo. Parabéns. Melhorou – ainda falta muito – regras mais claras para promoções de juízes por merecimento reduzindo as influências oligárquicas. Parabéns novamente. O relatório “Justiça em Números” tem se prestado como excelente material de apoio para planejamento, algo raro entre os administradores da justiça, que, forjados para resolver conflitos jurídicos, nunca demonstraram muita habilidade para atuar como gestores de altas somas públicas e considerável contingente de servidores.

Então, parabéns mesmo ao CNJ. Não obstante, o que muitos temiam vem ocorrendo. Se poder atrai poder, o vácuo logo será preenchido. Enquanto os tribunais abrem espaço, o CNJ os ocupa. Ampliando sua atuação, esse importante Conselho tem avançado para além do que realmente seriam suas atribuições, não sendo raras as investidas contra – pasmem – decisões judiciais. Ao pretexto de aferir a lisura do comportamento do juiz, mesmo nenhuma das partes ou o Ministério Público o questionando pelos meios processuais adequados, como a arguição de incompetência ou as exceções de suspeição ou impedimento, de vez em quando o Conselho não simplesmente avalia o mérito da decisão judicial, como também a suspende, a despeito de confirmada por instâncias recursais.

Inventa-se para isso algo vazio denominado “exercício temerário da jurisdição”. Nome bonito. Mas qual o significado? Por que temerário, se os interessados – todos maiores e capazes – não reclamaram? Seria por ter o juiz acolhido alguma pretensão contra a qual a outra parte poderia recorrer? Ou seria justamente por rejeitar a mesma pretensão? O Direito não é matemática e juízes não são computadores. Seres humanos e, assim, pensadores os juízes valoram fatos, provas e teses jurídicas podendo, logicamente, chegar a resultados diametralmente opostos. Justamente por isso, vigora entre nós, desde 1979, quando ainda nem éramos uma democracia, o Art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Loman garantindo aos nossos juízes o direito-obrigação de decidir livremente sem receio de punição.

Vale a pena ver essa norma (Art. 41): “Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.” Ainda mais claro o projeto de reforma dessa lei, cujo Art. 122 assim dispõe: “O magistrado não pode ser punido nem responsabilizado civilmente por suas opiniões ou pelo conteúdo de suas decisões, salvo impropriedade ou excesso de linguagem, que não se caracteriza pelo mero emprego de palavras e opiniões fortes ou incisivas, mas apenas quando se está diante de exacerbação desarrazoada que assuma caráter ofensivo.”

Como nada é absoluto, o juiz não pode ser punido pelo teor de suas decisões e tampouco por opiniões que manifestar. Significa que decisão judicial não pode ser objeto de avaliação em processo disciplinar para possibilitar a punição ao seu autor. Neste ponto, infelizmente, o importante CNJ tem extrapolado. Em vez de se restringir ao controle administrativo e financeiro do Judiciário, finalidades para as quais nasceu, tem enveredado com certo prazer pelas folhas de autos de processos judiciais como se fosse “nova instância” judicial grátis, não sujeita a prazo ou a qualquer outra formalidade.

Essa atuação causa enorme insegurança jurídica aos juízes vitimando em maior escala a sociedade como um todo. Acontecimentos recentes mostram decisões judiciais de primeira instância, devidamente fundamentadas e confirmadas pela segunda, sujeitas ao crivo de conselheiros que sequer da causa conhecem. Pior ainda quando se ouve alguém, demonstrando completo desconhecimento da importância do Conselho, dizer: “Se não for para isso, para que serve o CNJ?” É de doer!

Precisamos por o trem nos trilhos. Segundo informação do próprio Conselho Nacional de Justiça, em 2013 havia mais de 94 milhões de demandas judiciais em trânsito no Brasil e hoje já passa da casa dos 100 milhões de pessoas batendo às portas do judiciário. Como disse o presidente do Conselho na sessão de 3 de março último, esse número gera pelo menos 50 milhões de insatisfeitos. Se cada inconformado resolver reclamar contra o juiz perante o CNJ... Na verdade, disse o Presidente Lewandowski: “(...) nós precisamos filtrar isso. Não é possível. Realmente, com 100 milhões de processos, nós certamente teremos 50 milhões de inconformados.”.

É isso. Precisamos do CNJ para muitas coisas importantes em termos de justiça, entre as quais não se inclui a caça às bruxas contra decisões judiciais. Caso contrário, não mais precisaríamos recorrer às instâncias superiores para obter a reforma de decisão judicial. Deixemos os juízes trabalharem. Para consertar seus erros existem os tribunais até que um deles tenha o direito de errar por último, mas não o CNJ que, a despeito de ser órgão do Poder Judiciário, não é, nem de longe, órgão judicial.

Se em 1745 “ainda existem juízes em Berlim”, em 2015 precisamos de Juiz independente no Brasil.

(Fernando Piza de Queiroz, pós-graduado em Direito Civil e Negocial Imobiliário, advogado da Associação dos Militares do Estado de Goiás – Assego. [email protected])

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