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OPINIÃO

Definição de termos para melhor compreensão da realidade anunciada e observada na política brasileira do momento

Ercília Macedo-Eckel  ,Especial para Opinião Pública

Para Platão, filósofo, autor de “A República”.

_ Dize-me, minha cara mestra Akila, qual a diferença entre fantasia e realidade?

_ Com todo prazer, Coraci. Não sou sofista que exige pagamento para transmitir o pouco que sabe. Então te digo:

Fantasia significa ficção, idealização, devaneio, desvio da realidade, através da imaginação – capaz de torcer os fatos ou de negá-los, para não assumir a responsabilidade sobre eles. Vemos isso em casa, na caverna (os prisioneiros veem as sombras projetadas pelo fogo, que está atrás deles, como verdadeiras); vemos isso na rua, no trabalho e na cabeça de quem decide sobre os rumos desse país. O desejo inconsciente de grandes realizações pode comportar deformações defensivas, de recusa, diante da percepção da dura realidade.

_ Eh, mestra, o ignorante se torna prisioneiro de si mesmo e sente a vista ofuscada pela luz. Teima em dizer que as sombras são mais verdadeiras que a realidde. E que dizes dessa última?

_ Realidade, minha cara discípula, é o que posso constatar que existe e é verdadeiro, diante de mim e do mundo – e não o resultado de minha imaginação, da aparência ou da ilusão. É aquilo que se realizou ou que possui existência de fato. A realidade não parece, ela é o modo real de ser.

_ Perfeitamente, mestra Akila. Se eu voltasse à caverna da ignorância-prisão, provavelmente veria com mais dificuldade que os que ali ficaram. Sabes por quê? Porque deixei subitamente o brilho ofuscante do conhecimento, do mundo inteligível, com o qual me deparo agora.

_ Dizes muito bem, minha cara discípula. E não retroajas àquela caverna. Sente piedade de teus antigos companheiros que ainda estão lá.

_ Então eu me tornei uma burguesa, com a decadência daqueles senhores que me acorrentavam e, em consequência, com a chegada do livre comércio e do capitalismo? Como minha mestra definiria burguês e burguesia? E qual seria a diferença entre burguesia e elite?

_ Como vês, Coraci, o conhecimento desses termos se faz necessário para evitarmos alcunhar nossos opositores levianamente.

Burguês e burguesia se originam de burgo, nome dado às vilas ou povoados medievais (século XII e XII), cercados de muralhas, cujos habitantes eram mercadores e comerciantes de roupas, especiarias, jóias, etc. Tinham dinheiro e não eram bem vistos pela Igreja Católica. Mas, aos poucos, os burgueses foram se infiltrando na aristocracia (nobreza, classe social superior) e passaram a comandar a vida política, social e econômica, principalmente a partir da Revolução Francesa (1789-1799).

Mais adiante, no século XX, a classe média burguesa englobaria profissionais liberais, classes dirigentes e até altas esferas econômicas desse regime capitalista. Porém, no Brasil, a classe média não é burguesa. Trabalha muito para pagar impostos e juros altíssimos, como no tempo do rei Luís XVI e Maria Antonieta. Burgueses são os políticos da esquerda ou da direita, os dirigentes de vários escalões e os empresários – que se mantêm no luxo com o suor da população trabalhadora. Alguns analistas dizem que a burguesia brasileira tem o controle absoluto da mídia; mídia essa capaz de sitiar o Poder e seu contorno. Será?

_ Mestra Akila, a senhora não falou sobre elite.

_ É verdade, esqueci-me. Deve ser pela idade; estou me desacostumando de enxergar no escuro, de me lembrar da substância, de falar sobre a verdadeira essência das pessoas e das coisas. Está duro encarar a luz do dia nesse momento.

Entretanto, elite provém da desigualdade entre os indivíduos; compreende a ideia de uma classe minoritária atuando sobre uma classe maioritária: há elite política, econômica, militar, social, cultural, religiosa, sindical; há elite negra de artistas, elite gastronômica, de francoatiradores, de esportistas. Há até a elite de “aposentadoria diferenciada” e de “dupla aposentadoria” para políticos. E, o que dizer de um servidor de cafezinho no Congresso ganhar mais que um professor universitário?

Enquanto a burguesia incorpora a ideia de classe do dinheiro, do lucro, no regime capitalista – elite traz em si a percepção de superioridade, de mais competência (ou de mais “malfeitos”); e é, também, formadora de opinião. Quem se julga da elite (não importa em que categoria) deseja perpetuar-se no poder. Daí prover-se de meios (até escusos) para alcançar esse objetivo.

Quem critica a elite seria o contrário dela? Ou deseja estendê-la para todos os membros de sua família, descaradamente?

_ Vetusta mestra Akila, percebo que a compreensão desses termos é apenas o preâmbulo da dialética para uma política racional, sem radicalismo e intervenção de fortes emoções, como numa partida de futebol.

Mudando de assunto, ultimamente tenho ouvido falar em “golpismo”, “golpe de Estado”, ou da derrubada premeditada de um governo legalmente constituído. E que isso seria consequência de uma “conspiração política”. Mestra, o que é conspiração política?

_ Escuta, então, querida Coraci, essa expressão está ligada ao que tu acabaste de dizer. É o plano secreto de um grupo contra um governante, ou contra qualquer pessoa poderosa da governança. Pode até incluir (ameaça de) morte.

_ Mestra, seria tal governo escarnecido pelos ignorantes da caverna, se lá ele estivesse, para depois voltar à luz, ascender ao poder novamente e governar sem corrupção? Em “A República”, de Platão, eu li que “tudo o que nasce está sujeito à corrupção”. É verdade, então, que ela é uma velha senhora?

_ Sim, minha discípula. E deixa filhos e netos. Porém a justiça prevalecerá sobre a corrupção, assim espero.

_ Sábia Akila, gostaria de que me falasses acerca de democracia.

_ Com todo prazer, Coraci: Democracia é um regime político em que os cidadãos participam igualmente da governança (supõe-se), através do sufrágio universal(direito de voto aos capazes, conforme a lei). Assim, nessa forma de governo, a soberania é exercida pelo povo, por meio do voto. A democracia pode existir tanto no sistema presidencialista, como no Brasil atual, quanto no sistema parlamentarista, no qual há um presidente eleito pelo povo, mas quem toma as principais decisões é o primeiro ministro.

Nossa “redemocratização” completou 30 anos (15/3/1985 – 15/3/2015), porém ainda é imperfeita. Falta-lhe mais transparência, maior resposta do governo à demanda da populaçao, maior conhecimento da periferia sobre seus direiros, com mais capacidade de argumentação nos debates e menos radicalismo, acompanhado de extrema emoção ou de violência. Finalmente, que em nossa balzaquiana democracia haja menos corrupção e mais respeito aos contribuintes, esmagados sob os impostos mais altos do mundo.

_ Obrigada, mestra! Nessa viagem de 515 anos de Brasil, já conseguimos atravessar o Rio do Esquecimento algumas vezes. Somos bons nisso, com a ajuda dos deuses. Por isso somos felizes. Fantasia ou realidade?

(Ercília Macedo-Eckel, escritora, membro da Aflag e sócia da UBE-GO. E-mail: [email protected]. Site: erciliamacedoescritora.com.br)

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