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OPINIÃO

Irmã Maria Nelly Amorim (Adelaide Siqueira de Amorim)

Antônio César Caldas Pinheiro ,Especial para Opinião Pública

Um preito de gratidão e carinho poder-se-ia dizer do trabalho que ora iniciamos. Ao biografarmos Irmã Maria Nelly Amorim, fazemo-lo com reverência e saudade. Por quase trinta anos fomos vizinhos, visitávamo-nos, rezávamos juntos. Tendo sido síndica do Edifício Dom João VI, na Avenida Goiás, no Centro de Goiânia, por quase dez anos, substituída por sua ex-aluna e minha tia paterna, Emê Vera Cruz Pinheiro Costa, e depois por mim, pude sorver de sua experiência em administração, no que era exímia, grandes e importantes lições que carrego para a vida. A grande contribuição, porém, que dela guardo, é o amor a Jesus e a perseverança em viver as virtudes evangélicas. Alma nobre, devotada aos pobres e sofredores, fez de sua vida uma constante doação. Enérgica, de personalidade forte, porém temperada pelos mais altos sentimentos religiosos, soube imprimir em seus atos uma constante imitação d’Aquele de quem se fizera esposa. Ascendendo sempre na escada do autoconhecimento, lapidou-se e se auto aperfeiçoou, para tornar-se, após quase um século de vida, em oferta singular de esforço diuturno e entrega total ao seu Deus que tanto amou.

Adelaide Siqueira de Amorim, eis seu nome no século, nasceu no dia 22 de janeiro de 1917, na então bucólica Bela Vista, a outrora Sussuapara, decantada pelos poetas e berço de tantos homens e mulheres ilustres. Era filha de Antenor de Amorim, comerciante e político, natural de Pirenópolis, e de Nayá Siqueira de Amorim, prendada belavistense, descendente de Luiz José de Siqueira, um dos pioneiros da cidade.

No dia 11 de outubro de 1917 recebeu as águas lustrais do batismo das mãos do padre Américo de Jesus Araújo Paz, na Matriz de Nossa Senhora da Piedade de Bela Vista. Foram seus padrinhos Antônio Ramos Caiado, prestigioso líder político goiano, parente afim de seu pai e conhecido por Totó Caiado, e dona Adelaide Cristina do Nascimento, sua avó paterna, representada por Maria Ferreira da Silva.

Adelaide, herdando o nome de sua avó paterna, foi a segunda filha de Antenor e Nayá. Por ordem nasceram-lhe os seguintes filhos: 1 - Luciola de Amorim Villela, nascida em Bela Vista, em 11 de setembro de 1915, residente no Rio de Janeiro. Casou com Antônio de Araújo Villela, cardiologista, falecido. Lucíola é colaboradora na produção de filmes produzidos por sua filha Lucy Villela Barreto. Escreveu uma autobiografia intitulada Anjos e Suspiros. Filhos: Lucy Villela Barreto, produtora de filmes; Ronaldo Villela, cardiologista; Maryse Afonso Ferreira, 2 - Adelaide Siqueira de Amorim, nossa biografada, apelidada de Lelé; 3 - Lelia de Amorim Nogueira, nascida em Bela Vista, em 16 de fevereiro de 1919, e falecida em Goiânia, no dia 26 de novembro de 2002. Casou com Alvicto Ozores Nogueira, natural da Galícia, Espanha, comerciante de sucesso em Goiânia; 4 - Laila de Amorim Guanabara, nascida em Bela Vista, em 1921, e falecida em Goiânia. Casou com Alcindo Carlos Guanabara, diplomata, falecido; 5 - Leny de Amorim Fontenelle, nascida em Bela Vista, em 1924, e residente no Rio de Janeiro. Casou com Wilson Fontenelle da Silveira, advogado, falecido e o sexto filho, o caçula Leônidas Siqueira de Amorim Nascimento, nascido em Bela Vista em 1926, residente, desde 1959, em Hockessin, Delaware, USA. Leônidas, já falecido, era engenheiro civil aposentado.  Exerceu o cargo de Engenheiro Chefe da Raytheon Engineering & Construction Co., localizada em Filadélfia, USA. Casou com Arlene Nascimento.

No lar privilegiado de Antenor e Nayá, Adelaide cresceu em meio ao carinho dos pais, irmãos, parentes e dos empregados da casa, destacando-se dentre estes, Francisca, a Chica, que esporadicamente trabalhava com Nayá:

Chica lhes contava estórias de almas penadas e outros causos mais que amedrontavam a meninada. Adelaide cresceu nesse ambiente sadio. Seus pais eram abastados, mas a infância de Adelaide e seus irmãos transcorreu, normalmente, dentro dos confortáveis costumes ornados pela simplicidade que caracterizava a vida sertaneja de então. Dona Nayá era uma mulher à frente de seu tempo, já na década de 1920 era ela que dirigia o carro da família, um Chevrolet Ramona. De senso prático, criou as filhas com a liberdade que lhe caracterizava a própria existência.

Dona Nayá não as estava criando para servirem de objeto de ornamentação. As Amorim, até para certa estranheza da cidade, assoviavam, subiam em árvores, corriam, pulavam, ficavam encarapitadas no muro, eram tão moleques quanto Leônidas. Dona Nayá não exigia que ficassem em casa, bem comportadas, nem tinham de evitar amarrotar seus vestidos. Elas eram crianças felizes. Para elas o melhor da vida era brincar de esconde-esconde, jogar peteca ou encenar um auto pastoril. (Lucíola Villela, Anjos e Suspiros, s.d., p. 20)

Adelaide realizou seus primeiros estudos no Grupo Escolar de Bela Vista. Mais tarde, na Cidade de Goiás, então antiga capital, foi aluna interna do Colégio Santana, dirigido pelas Irmãs Dominicanas francesas, estabelecimento de ensino no qual já se encontrava sua irmã Lucíola.

Em 1929, aos doze anos, passou a estudar como aluna interna do Colégio Santa Clara, fundado em 1922 em Campinas, hoje bairro de Goiânia, pelas Irmãs Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica, originárias da Alemanha. Certamente que a proximidade de Campinas e Bela Vista influiu na transferência da pequena Adelaide do Colégio Santana para o Colégio Santa Clara. Nesse tradicional colégio teve como colegas de turma, entre outras, Maria Pinheiro de Abreu, de Itaberaí e Olímpia de Paiva, de Buriti Alegre. Aplicada aos estudos e observante das regras do colégio e da religião, sentiu-se atraída pelo ideal franciscano. Aliás, o chamado para a vida religiosa já o sentira, como certa feita declarou, desde sua infância, sobretudo em sua primeira comunhão. O espírito de Francisco de Assis falava de perto ao seu coração e já no último ano do Curso Normal sentiu intenso desejo de servir a Jesus em total doação. Percebeu desde os primeiros instantes deste místico chamado que a vocação religiosa “era um chamado muito especial de Jesus e consistia em abandonar tudo e segui-Lo, vivendo para Ele, na doação ao próximo”.

Em 1934, ao terminar o Curso Normal, ano em que se processava a mudança da capital para Goiânia, Adelaide já se decidira pela vida religiosa. Não foi fácil. Sua mãe ficou inconformada. Segundo sua irmã Lucíola, Adelaide, quando criança, contraíra tifo e quase morreu. Dona Nayá, então católica praticante, rezou muito e a filha se curou. Não concebia, então, que Adelaide, tão querida em casa e que tinha toda a sua atenção e desvelo fosse para o convento.

Foi como se uma bomba tivesse caído em cima de mamãe, não tinha jeito de ela aceitar. Achou um absurdo, ela ficar sem a filha que esteve tão doente e que poderia adoecer outra vez. Mas Adelaide estava decidida: queria mesmo ser freira e não ia voltar atrás. Iniciou seus estudos, sua formação religiosa contra a vontade da mãe. (Lucíola Villela, Anjos e Suspiros, s.d., p. 27).

Em 1936 ingressou na vida religiosa franciscana. A 06 de janeiro de 1937 recebeu o hábito das Irmãs Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica de Au Am Inn, para em 7 de março de 1938 professou os seus votos perpétuos, quando recebeu o nome religioso de Maria Nelly. No mesmo dia professaram, também, as Irmãs Maria da Glória Artiaga Moreira, natural de Itaberaí, Lídia, natural de Anicuns, Rogéria e Acácia.

Excelente instituição de ensino, o Santa Clara era procurado pelas mais tradicionais famílias goianas. O ensino ali ministrado pelas irmãs alemãs era rígido, comprometido com a educação integral das moças que aprendiam além das matérias curriculares, outras disciplinas que aprimoravam sobremaneira a formação ali ministrada. Ao final do Curso Normal, a aluna não estaria habilitada apenas a ser excelente professora, mas dedicada dona de casa e catequista em seu lar.

Professora dedicada exerceu o magistério nos Cursos Complementar e Normal do Colégio Santa Clara, no Ginásio Divino Padre Eterno, de Trindade e, mais tarde, no Colégio Coração Imaculado de Maria, de Itaberaí, lecionando Sociologia, Psicologia, Português, Francês, Geografia, Desenho e Latim.

Após Lecionar vários anos, em 1946 tornou-se a primeira diretora brasileira do Colégio Santa Clara, substituindo Irmã Maria Augustina Niederbauer, alemã. Na função de diretora permaneceu até 1954.

Sua administração como diretora do Colégio Santa Clara, fez daquele estabelecimento de ensino um dos melhores educandários do Brasil Central. Fundou o Curso Ginasial do Santa Clara e remodelou, ampliou e construiu outros pavilhões do colégio, inclusive o “Salão Nobre”, um auditório, o melhor de Goiânia naquele tempo. Durante sua diretoria ocorreram as festas dos 25 anos do vetusto educandário, cujas comemorações são ainda hoje lembradas.

Reorganizou e implementou o trabalho na chácara das Irmãs, a Chácara São José, nos arredores do bairro de Campinas. Contratou, para isso, um italiano que conhecia horticultura, fruticultura e plantação irrigada. Do Ministério da Agricultura recebeu mudas de frutas e sementes de hortaliças. Vários legumes, verduras e frutas saíam da chácara para a mesa das Irmãs e alunas, e o excedente era comercializado nas feiras da capital. Os produtos da chácara já tinham compradores certos, devido à alta qualidade do que ali se produzia.  Por este trabalho empreendido na Chácara São José, o Colégio Santa Clara recebeu prêmios e verbas do Ministério da Agricultura que mandou documentar todo o trabalho como exemplo de dinamismo, organização e otimização do serviço e bom emprego das verbas destinadas ao fomento da horticultura.

Após o ingente trabalho no Santa Clara, foi transferida para o Colégio Coração Imaculado de Maria, de Itaberaí, assumindo as funções de Diretora e Superiora da comunidade franciscana. Em Itaberaí permaneceu de 1955 a 1960.

Quando Irmã Nelly chegou a Itaberaí, o prédio do colégio era pequeno, comportava poucas alunas internas. Fora construído no final dos anos 1930 para abrigar o Colégio Nossa Senhora das Mercês, dirigido pelas Irmãs Mercedárias que ali ficaram pouco tempo. Já em 1941 as Irmãs Sacramentinas de Nossa Senhora abriram, no mesmo prédio, o Colégio Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento. Estas Irmãs encerraram seu trabalho em Itaberaí já em 1944. Em 1950, a instâncias de Dom Emanuel Gomes de Oliveira, arcebispo de Goiás e cognominado o “Arcebispo da Instrução”, as Irmãs Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica abriram ao Colégio Coração Imaculado de Maria.

Com a chegada de Irmã Nelly para diretora do colégio e superiora da comunidade franciscana, o colégio passaria por um grande incremento.

Conseguiu permissão para construir um novo pavilhão com grandes e confortáveis salas de aula e dormitório para as internas. Com muito sacrifício levantou um prédio de três pavimentos, a capela e a casa das Irmãs. Enquanto construía, formava uma chácara para que as crianças tivessem frutas e verduras em abundância, para que aprendessem a consumi-las, o que não se dava. (Entrevista de Irmã Nelly Amorim ao Diário da Manhã, 31/12/1980)

Dinâmica e inovadora, Irmã Nelly era admirada e respeitada pelos itaberinos que não se negavam a auxiliá-la na consecução de seus altos objetivos. Com a construção dos novos edifícios do colégio, este de três andares, do convento, composto de dois pavimentos e da capela, edifícios que ficavam no alto da cidade em lugar pouco habitado, a cidade cresceu rapidamente para aquele lado. Com isso surge um problema ingente: a falta de água potável suficiente para os alunos internos e externos. Era governador do Estado o Dr. José Ludovico de Almeida, natural de Itaberaí e que muito auxiliara Irmã Nelly na construção do novo colégio. Desta forma, Irmã Nelly não titubeou, procurou o governador e pediu-lhe um poço artesiano no colégio. O Estado de Goiás, porém, não possuía equipamentos de perfuração para executar a perfuração do poço. Irmã Nelly soube que em Minas Gerais se procedia à perfuração de vários poços e assim solicitou que o governador de Goiás apelasse para seu amigo o Governador de Minas Gerais, Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, que prontamente atendeu o pedido do amigo. O poço perfurado, devido a uma enorme rocha existente no subsolo, pode ser semiartesiano, mas resolveu o problema do colégio e atendia mesmo à sua vizinhança.

Amiga de Dr. Juca Ludovico e de Irmã Nelly, a então deputada Ana Braga conseguia verbas para a finalização das obras do Colégio de Itaberaí. Da Alemanha, onde estava a Casa Mãe das Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica chegavam auxílios monetários. Itaberinos que ocupavam postos em repartições e autarquias federais, também buscavam verbas para o término de obra tão sonhada e importante para a cidade.

O Colégio de Itaberaí foi o primeiro, ou um dos primeiros colégios mistos dirigido por religiosas em Goiás. Os meninos e rapazes já poderiam ter um ensino de qualidade e não precisavam deixar sua terra em busca de instituições de ensino em outras plagas.

Incrementou o ensino religioso e a catequese na paróquia de Itaberaí. Organizou palestras, incentivou grupos de jovens e atendia, juntamente com os professores, os jovens em grupos ou individualmente, aconselhando-os e descortinando para eles horizontes novos. Programava conferências, encontros onde os próprios jovens ministravam palestras e confeccionavam cartazes e jornais que eram afixados em mural. A juventude se congraçava e se envolvia em atividades sadias e prestantes. Desta forma a juventude que antes frequentava os jogos de azar, que se dava à bebida e outros vícios, logo se integrou à vida do colégio, abandonando os antigos hábitos.

Aproveitava as habilidades de seus alunos. Assim, um jovem que se interessava pela área da comunicação foi logo convidado a organizar programas para serem apresentados em uma amplificadora, por meio de um alto-falante instalado na parte alta da cidade. Dali se enviava ao povo notícias, mensagens, músicas e o convidava à oração, principalmente à tardinha, à hora do Ângelus.

Deste tempo passado em Itaberaí, Irmã Nelly dizia ter sido a época mais bonita de sua vida. A comunidade religiosa era unida pelos mesmos ideais e laços de carinho e ajuda mútua que ligavam o povo e os alunos às Irmãs.

Irmã Nelly era devota de São José, e as alunas internas sabiam que quando uma vela se encontrava acesa em frente à sua imagem na capela, é que Irmã Nelly estava em meio a alguma dificuldade, seja para pagamento das obras do colégio, compra de material, pagamento de pessoal etc. Ela mesma nos contou que uma vez estava aflita, pois precisava pagar a aquisição de um material para as obras do colégio e não tinha com o quê saldar a dívida. Recorreu a São José. Solicitou a oração das Irmãs e das alunas. Certa noite, ingressando em sua cela (o quarto dos religiosos), notou um pacotinho fixado na parede ao lado de sua cama. Para surpresa sua, eram cédulas dobradas embrulhadas em um papel, no exato valor da dívida. Contou-nos outras graças alcançadas por intercessão de São José, como o monte de feijão que secava ao sol, no quintal do colégio, e que vindo uma chuva intempestiva deu tempo apenas de cobrir o feijão com uma lona e mais o que estava à mão. Apesar da enxurrada que se formou, o feijão nada sofreu e não se molhou. Irmã Nelly, durante a chuva, recorrera a São José, e na capela lá estava, acesa, a vela diante da imagem de seu excelso protetor.

Pelo trabalho realizado em Itaberaí, em sinal de gratidão pelo muito que realizou em prol da juventude itaberina, a Câmara Municipal, em nome do povo agradecido, conferiu-lhe o título de Cidadã Itaberina, na gestão do prefeito Carlos Dias Mendonça, quando primeira dama do município sua ex-aluna Heleni Soares Mendonça.

Também por meio de um itaberino, o então deputado Tércio Caldas, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, aprovou, por unanimidade, a concessão do título de “Benemérita do Ensino em Goiás” à Irmã Nelly, projeto que se tornou Lei promulgada pelo governador Mauro Borges Teixeira. O pedido que originou esta concessão foi feito pela Secretaria de Serviços Sociais, da qual, à época, era titular Ana Braga, ex-aluna de Irmã Nelly. Esta lei concedeu à Irmã Nelly uma pensão por serviços prestados a Goiás, o que lhe serviu até o fim de sua preciosa vida.

A Congregação das Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica no Brasil constituía, dentro da organização eclesiástica, uma província dependente da Casa Mãe na Alemanha. Em 1960, Irmã Nelly foi eleita delegada para representar a província brasileira no Capítulo Geral da Alemanha. Sua atuação na Ordem no Brasil a fizeram conhecida e admirada pelas coirmãs alemãs. Quando retornou ao Brasil foi eleita Madre Provincial, a primeira não alemã a dirigir a província brasileira, governando-a por 7 anos.

Durante sua gestão como provincial, fundou, nos diversos colégios da Ordem, o Curso Primário de Rondonópolis - Mato Grosso; o Curso Primário de Lages - Santa Catarina, o Jardim de Infância, Pré-Primário e o Conservatório Musical Santa Cecília, em Pindamonhangaba - São Paulo. Reformou e ampliou, construindo novas salas de aula, o Educandário São José, da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, fundou e construiu o Instituto São Francisco de Assis, na Vila Coimbra, em Goiânia. Supervisionou os estabelecimentos de ensino da Ordem no Brasil, realizou várias conferências referentes ao ensino e educação e buscou, incansavelmente, melhorar o nível do ensino e modernizar as instalações, atualizando o material didático dos colégios e escolas. Estimulou e favoreceu o aperfeiçoamento e reciclagem das professoras por meio de cursos de férias e organizando cursos de formação profissional para as professoras dos diversos colégios.

Irmã Nelly ainda foi Diretora da Escola Reunida Paroquial Nossa Senhora da Conceição, em Campinas, Goiânia; participou de comissões de estudo para a renovação e atualização do ensino primário; fundou o Curso Técnico de Contabilidade no Colégio Santa Clara e o Jardim de Infância do mesmo Colégio; participou da fundação do Ginásio São Francisco de Assis de Tatuapé, São Paulo; fundou os cursos de alfabetização de adultos no salão paroquial Nossa Senhora da Conceição e no Colégio Santa Clara, em Campinas, Goiânia e no Ginásio Coração Imaculado de Maria, de Itaberaí; além de ter fundado vários clubes agrícolas.

Em Pindamonhangaba, adiantando-se à experiência ecumênica preconizada pelo Concílio Vaticano II, fundou e organizou a SOS – Serviços de Obras Sociais, congregando as entidades e instituições pertencentes a diversas religiões. A atuação da SOS mereceu elogios do Juiz de Direito da Comarca devido aos serviços prestados pela instituição filantrópica aos pobres e desamparados daquela cidade paulista.

Com a renovação da Igreja encetada pelo Concílio Vaticano II e a rápida e às vezes atropelada abertura da vida religiosa à pastoral e inclusão junto ao povo sofredor, Irmã Nelly buscou uma adaptação mais lenta, dando tempo às Irmãs acostumadas com o carisma educação, de se integrarem paulatinamente às pastorais e experiências que surgiam. Nesta época Irmã Nelly era Superiora da Casa do Noviciado, em Pindamonhangaba, e lidava com diversos afazeres, como o trabalho com o Serviço de Obras Sociais. Pensava mesmo que a Ordem poderia trabalhar com dois carismas, a educação e a pastoral social de inclusão junto ao povo empobrecido das periferias, desta forma Lutou por uma adaptação mais lenta, mais afetiva, para que a vida religiosa não sofresse na sua essência (...). (Entrevista, 1980). Mesmo porque, o trabalho com a educação era uma pastoral, formava pessoas dignas, mulheres e homens de bem, bons cristãos que fomentavam e levedavam as comunidades onde viviam.

Em 1968, convocada para um Capítulo (assembleia das religiosas) em São Paulo, para onde se dirigira apenas com o Ofício Divino (livro de orações) e pequena bagagem, pois tencionava retornar logo a Pindamonhangaba, não imaginava o que estava prestes a ocorrer.  Infelizmente, Irmã Nelly, não por vontade própria, deixou a Congregação das Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica por tempo indeterminado. Gastara 31 anos de sua vida em um trabalho diuturno, aperfeiçoando-se como religiosa, dando o que possuía de melhor, servindo à Igreja e à Ordem Franciscana.

Pode-se imaginar o estado de sua alma, ao se afastar da vida que escolhera para si, arrostando a incompreensão materna, deixando de lado sonhos e vaidades de uma menina rica para professar os votos de pobreza, obediência e castidade, vivendo uma vida em comum, reclusa, mas servindo ao seu Esposo Místico que cedo a chamara e a cujo chamado nada e ninguém puderam se antepor.

Deixando o colégio onde ocorrera a reunião, já sentido se afastar de suas coirmãs, das quais não teve tempo de se despedir adequadamente, Irmã Nelly, que agora voltava a usar seu nome civil, Adelaide, foi amparada por sua família. De São Paulo foi com a irmã Lucíola para o Rio de Janeiro onde passou a trabalhar na Fundação Getúlio Vargas. Mais tarde trabalhou na LC Barreto, a empresa cinematográfica da família de sua irmã Lucíola, avó do cineasta Bruno Barreto. Cuidava da contabilidade da empresa e ali imprimiu sua marca de excelente administradora.

No Rio de Janeiro foi morar com sua mãe, Dona Nayá, a quem acompanhou quando de seu retorno ao nosso estado. Vieram residir no Edifício Dom João VI, na Avenida Goiás, no centro de Goiânia. Cuidou com desvelo de Dona Nayá até sua morte, em 1983.

Com o falecimento de sua mãe, permaneceu no mesmo apartamento onde recebia os familiares, amigos e as inúmeras pessoas que a procuravam em busca de auxílio material e espiritual, tornando sua residência local seguro onde os sofredores encontravam remédio para o corpo e a alma.

Em Goiânia, Irmã Nelly trabalhou como tesoureira na firma de seus sobrinhos, a Nogueira S/A. Prestou excelente serviço a uma creche mantida pelo estado de Goiás, a pedido de Dona Íris Araújo, no primeiro governo de Íris Rezende Machado. A pedido também de Dona Íris, acompanhou e orientou a reforma do Hospital e Maternidade Dona Iris. Emprestou, ainda, sua eficiente colaboração, à Maternidade Nossa Senhora de Lourdes.

Dedicou-se com carinho e perseverança aos pobres que a procuravam. Conhecida em Goiânia e com um grande círculo de amizades, conseguia consultas e tratamento médico, remédios, ajuda financeira, auxiliando a todos os que batiam à sua porta. Costurava cotidianamente, saindo de suas mãos todos os anos, centenas de enxovais de bebês que eram distribuídos aos menos favorecidos.

Na convivência com sua mãe, buscou conhecer a doutrina espírita. Tornou-se amiga do médium de Uberaba, Francisco Cândido Xavier, que fora muito amigo de sua mãe. Esta aproximação com a Doutrina Espírita atiçava a curiosidade dos que a conheciam. Uma vez, perguntada se continuava católica, respondeu:

Se ser católica, apostólica e romana é servir a Deus nas criaturas, procurá-Lo e vivenciá-Lo nelas, ir ao encontro do Cristo que se apresenta velado nos doentes mais pobres, nos corações desesperados e aflitos, nos doentes de corpo e alma, nos abandonados e desprezados por todos, até por si mesmos; se ser católica é socorrer leprosos, crianças, quando até rejeitadas pelos seus familiares, tornando-se irmã dedicada, mensageira do amor de Cristo; se ser católica é ser presença de Jesus, é ter fé, ser apóstola, perdoar, receber a ofensa com humildade, ver nos humildes sua própria inferioridade, renunciar o próprio gozo em prol do bem alheio, ver um bem na dor, sufocar a própria dor para sentir a dor alheia; se ser católica é isto, então estou tentando ser verdadeiramente católica e esposa de Cristo. (Entrevista, 1980)

Nos últimos anos de sua vida, frequentava diariamente a missa matinal na paróquia Coração de Maria e as missas dominicais na paróquia Nossa Senhora de Lourdes, onde era pároco seu grande amigo padre Alcides de Lima Júnior, missionário redentorista. Como o padre Alcides a compreendia, como a ajudou e lhe estendeu sua mão amiga!  Com ela conversava e confabulava, minorando aquela dor que nós, os que dela privávamos, sabíamos que estava ali, no fundo de sua alma, machucando, resquício recôndito de emoções vividas, de uma decepção sofrida.

Padre Alcides acompanhou os últimos anos de Irmã Nelly, com ela rezou, com ela viajou para o Rio em visita à irmã Lucíola, e foi quem celebrou, na presença de amigos, parentes e das coirmãs do Santa Clara, os 70 anos de profissão religiosa de Irmã Nelly. Amigo certo de todas a horas, padre Alcides foi uma luz no caminho de Irmã Nelly e ela lhe devotava enorme carinho e zelo, preocupando-se com sua saúde, com o seu bem-estar. Quando ela nos falava de sua amizade com padre Alcides, seus olhos brilhavam e sem dúvida, do céu, ela o acompanha com sua intercessão.

Irmã Ivaldete Rodrigues, à época a Ministra Geral (Madre) das Franciscanas da Ação Pastoral, congregação fundada para reunir as religiosas Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica no Brasil, após a separação da Casa-Mãe da Alemanha, também acompanhou com desvelo os últimos anos de Irmã Nelly. Visitava-a em Goiânia, e esteve presente na missa de Ação de Graças pelos seus 70 anos de vida consagrada. Este contato com a Ministra Geral foi de grande alegria para Irmã Nelly que muito a admirava, queria bem e dela nos falava com muito carinho.

Irmã Nelly, aos 92 anos de idade estava forte, lúcida, trabalhando como sempre. Infelizmente, devido uma queda ocorrida na Rua 4, no Centro de Goiânia, e que afetou suas funções neurológicas, não mais teve saúde. Após internações hospitalares volveu ao lar, mas sempre acamada, bem tratada por cuidadores. Faleceu em seu apartamento, na Avenida Goiás, serenamente, no dia 08 de agosto de 2009, às 9 horas, em um sábado, dia consagrado a Nossa Senhora, de quem fora sempre tão devota, A comunidade de Itaberaí que residia no mesmo edifício, tão logo soube do infausto acontecimento, ali se reuniu para rezar e lhe prestar sua última homenagem. Estávamos ali minha mãe, Maria José da Piedade Pinheiro, minha tia Emê Pinheiro, ex-aluna de Irmã Nelly, Maria da Glória de Oliveira, psicóloga e ex-aluna do Colégio de Itaberaí, dona Isabel Mendes da Silva Rosa, Josefina Lourenço Costa e nós que realizamos os cursos primário e ginasial no colégio de Itaberaí e que privamos tanto da amizade de Irmã Nelly, vizinhos que fomos por quase trinta anos.

A missa de corpo presente foi celebrada na igreja Nossa Senhora de Lourdes, oficiada pelo padre Alcides que, emocionado, despediu de sua amiga e a encomendou Àquele de quem fora esposa fiel e amantíssima.

A escritora Ana Braga, emocionada, proferiu uma sentida mensagem de despedida. Perdia, disse ela, uma amiga, nossa ex-professora e mais que isso, uma irmã. Ultimamente suas visitas às nossas casas eram acompanhadas daquela áurea divina que a ornava e deixava, em nossas pessoas e em nossos lares, a força de suas palavras cheias de ensinamentos cristãos e da luz que não se apaga – a Fé em Deus. Ele já a espera na Casa do Pai onde sua morada lá está, há tempos bem preparada, onde a senhora, Irmã Nelly, usufruirá, eternamente, da paz, da alegria e da acolhida de Deus, benefícios divinos que a senhora soube, tão bem, conquistá-los, aqui na terra. Lá, pertinho de seu eterno Esposo, nunca mais a senhora sofrerá as incompreensões, nem as ingratidões desse mundo que é, afinal, o pó, resultado das aflições. Deus a acompanhe e não se esqueça de nós!

Irmã Maria Celeste Borges, sua ex-colega de internato e coirmã de congregação do alto de seus 92 anos, pronunciou esta bela e sentida despedida:

Irmã Nelly, companheira do Colégio e de muitas caminhadas, você partiu, sem se despedir... Aqui estão para celebrar a sua ressurreição, não apenas amigos e amigas, parentes e ex-alunas. O Santa Clara também, representado por suas duas Diretoras – Irmãs Adilaza e Marly. E algumas irmãs da Fraternidade. Poucas, Ir. Nelly, mas você conhece nossas limitações..

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