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OPINIÃO

Úrsula: um cão de opinião

JB Alencastro,especial para o Diário da Manhã

Lembro-me bem quando minha filha foi operar das amígdalas e adenoides. Voltando para casa uma bola de pelos a esperava, um filhotinho de schnauzer, aquele cão de barba e bigode. O olhar das crianças é idêntico ao dos cães, pureza total. O amor foi a primeira vista. Minha menina tinha seis anos e o menino oito. Fase ideal para a chegada de um cachorrinho, toda criança merece um cão.

Nosso belo apartamento nunca mais foi o mesmo. O cão tomou conta de todos os cantos e urinava na sala de estar, bem no centro, no nosso piso de pedra de Pirenópolis. Jamais mudou o hábito. Grandes cães e grandes homens são bichos de hábitos arraigados. Sua alegria contagiante, sua fidelidade à todos e a mim em especial - meu melhor amigo teve que aceitar ela rosnando entre nós dois durante três horas de filme, "Era uma vez na América" - eram tocantes.

O canídeo sempre escolhe alguém na casa para que seja o seu líder. Durante 13 anos fui eu. E agora, quase sem andar e aos cuidados do meu filho, ele tornou-se o rei e sou imensamente grato à ele. Isso também desperta um orgulho ímpar, pois quem ama animais e cães em especial, sempre é uma alma boa. João Mário, o gigante gentil e Úrsula a fera combalida. Uma dupla belíssima. Dois filhos. A filha ela premiava com lambidas que nada mais são do que beijos esparramados. Três filhos.

Maria Clara, a filha; nadava. Margareth, a esposa; nadava. João Mário o grande campeão e eu, o velho jogador de pólo-aquático, também. Obviamente que com isso, Úrsula tornou-se exímia nadadora, perseguidora implacável dos gansos do Lago das Rosas, nas nossas madrugadas felizes. Também arrancava as plantas submersas para atrair os peixes que capturava sem dó. Uma caçadora nata.

De tanto nos ver lendo e escrevendo, ela lançou o premiado blog - no qual patilhava diariamente com afinco no seu lapdog - intitulado: Úrsula, um cão de opinião. Centenas de visitas diárias, contratos com o Google Adsense, leitores ávidos. Durante mais de um ano e meio ela escreveu e publicou diariamente, um sucesso! A visão animal do mundo humano. Também fundou e participou ativamente dos encontros de schnauzers em Goiânia. Passeando e orientando os mais jovens, como fêmea alfa que era.

Tinha tosa e banho domiciliares, único momento em que sua ferocidade natural era esquecida - ou guardada - e se deliciava. Todo cão gosta de água e sabe nadar. Eles têm milhares de habilidades inauditas. Eles têm um contrato com Deus. E nada melhor que poder acariciar um pelo macio e sedoso e receber um esfregar de patas delicado e sincero. Isso é divino.

Essa mágica a tornava sublime aos olhos dos outros, raramente deixava alguém tocá-la, além da família Alencastro. Reta, perfilada, atenta. Sua devoção desmedida por mim, até quando a deixei trancada um dia e uma noite no meu escritório - e, pasmem; ela não urinou e nem defecou lá - era algo indescritível. Saindo daquele cubículo e me saudando eufórica por me ver. Cães são fiéis, não importa o que aconteça.

Seu assobio especial para chamá-la. - Venha, cão! Quando eu pronunciava baixinho seu nome e ela a dezenas de metros corria em disparada em minha direção. Isso me dava uma sensação de integração imensa, cão e o dono sendo um só. Correndo com pelo e cabelo compridos soltos.

Seus primeiros dois filhotes imensos e natimortos, foi triste e um aprendizado. Depois pariu sete - que receberam o nome dos sete anões, em alemão; claro - belos filhotinhos aos quais cuidou de maneira delicada e sutil com eles e selvagemente com quem se aproximava. Fêmea morde enquanto não morre. A vida ali representada em toda sua plenitude, rebentos de seu único amor, o falecido grande campeão, o Dexter.

Hoje deitada no seu ninho, com um par de meias de cada integrante da família, não perdeu a nobreza do olhar. Ainda é um animal magnífico. Eu poderia dizer que ela quase falava, mas todos amantes de cães sabem que isso não é necessário para se comunicar com esses seres angelicais. A transmissão é de pensamento, tudo de melhor que um ser humano pode ter, um cão exibe facilmente.

Úrsula está morrendo. Um pedaço de todos nós também. E eu, com meus bem vividos 51 anos, só posso agradecer a oportunidade de ter convivido com esse animal esplêndido e dele ter dado tantas alegrias à nossa família. Obrigado. Auuuuuuuuuuuuuuú !

(JB Alencastro é médico e poeta)

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