Home / Opinião

OPINIÃO

10 anos da Lei de Biossegurança

Adriana Brondani ,Especial para Opinião Pública 

Em março de 2005, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aprovou a Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança) que regulamentou todos os aspectos do uso de organismos geneticamente modificados (OGM) no Brasil, incluindo pesquisa, testes a campo, transporte, importação, produção, armazenamento e comercialização.

O projeto de lei tramitou no Congresso Nacional por dois anos e foi amplamente discutido. Cientistas, produtores rurais, representantes de organizações não-governamentais, do Governo, do Ministério Público e diversos setores da sociedade civil participaram ativamente das audiências públicas que antecederam a aprovação, enriquecendo o debate e legitimando seu caráter democrático. A discussão sobre o tema gerou uma mobilização popular incomum e o assunto teve ampla cobertura da imprensa. Entre aqueles que mais se envolveram no processo, cabe ressaltar a participação dos agricultores e da comunidade acadêmica.

Alguns anos antes, em 1998, foram os mesmos agricultores que pressionaram para que fosse autorizado o uso de uma semente geneticamente modificada (GM) tolerante a herbicida no sul do País. O produtor brasileiro, sempre em busca de soluções tecnológicas para aumentar a produtividade, à época, constatou que os vizinhos argentinos já estavam colhendo benefícios da soja GM. Entretanto, conflitos jurídicos sobre a quem cabia a palavra final em matéria de transgênicos impediam o desenvolvimento e a adoção plena da transgenia agrícola no Brasil.

O País contava com normas de segurança e uso da biotecnologia desde 1995. Entretanto, essa lei conflitava com a do Meio Ambiente, gerando uma instabilidade jurídica que desestimulava a pesquisa e o desenvolvimento da área. Dez anos depois, o Brasil passou a contar com a Lei de Biossegurança, que harmonizou o ambiente institucional e pavimentou o caminho para que o nosso marco regulatório fosse reconhecido internacionalmente como um dos mais rigorosos e completos do mundo.

De fato, nos anos que sucederam a aprovação da Lei 11.105/05, as sementes GM, autorizadas depois de uma análise criteriosa de biossegurança, contribuíram de maneira significativa para a agricultura nacional. Sem as características agronômicas introduzidas geneticamente nas plantas, seria bem mais difícil que o agricultor brasileiro atingisse altos índices de produtividade e, consequentemente, evitasse o avanço da agricultura sobre áreas de proteção ambiental.

É notável a diferença entre o número de tecnologias disponíveis antes e depois do advento da Lei. Até o final de 2005, apenas quatro produtos estavam liberados para comercialização: uma soja tolerante a herbicida (TH), um algodão resistente a insetos (RI) e duas vacinas de uso veterinário. Desde 2006 até o final de 2014 foram aprovadas 61 tecnologias GM. Nesse período o País passou a contar com inovações para milho, feijão, combate à dengue e produção de biocombustíveis por meio de microrganismos.

A correção e a atualidade da Lei estão refletidas na evolução das aprovações. Se, no início, as liberações comerciais tinham características eminentemente agronômicas e eram obtidas pela introdução de um único gene; hoje, sementes transgênicas com dois, três e até quatro genes que combinam diferentes tolerâncias a herbicidas (TH) e diversas resistências a insetos (RI) já são realidade para as culturas de soja, milho e algodão. Esse aumento de complexidade é uma tendência mundial e os próximos passos serão plantas resistentes a estresses abióticos (seca, excesso de água, solos salinos e outros) e com características nutricionais melhoradas. É fato que, quanto mais tecnologias estiverem à disposição os agricultores, mais alternativas eles terão para controlar as pragas, realizar o manejo adequado e alcançar sucessivos ganhos de produtividade.

A comunidade acadêmica também teve razões fortes para apoiar a legislação. Uma parte importante da ciência conduzida no Brasil, um país com uma das mais ricas biodiversidades do mundo e cuja pesquisa agropecuária é referência global, deve muito a esta Lei. O caso do feijão GM resistente a vírus desenvolvido pela Embrapa é emblemático. Resultado de muitos anos de pesquisa e aprovado em 2011, o primeiro transgênico do mundo completamente desenvolvido por uma empresa pública talvez não fosse possível sem o suporte do marco regulatório de 2005.

Tão ou mais importante do que as inovações que já estão no mercado são aqueles que, graças à Lei de Biossegurança, estão em fase de pesquisa por empresas públicas e privadas. A Embrapa, também nesse caso, é um exemplo de sucesso. Encontram-se em fases de testes uma alface GM com 15 vezes mais ácido fólico que uma variedade convencional, uma soja que tolera a falta de água, plantas que sintetizam substâncias com propriedades farmacêuticas e muitos outros.

Há, ainda, um terceiro aspecto que a Lei de Biossegurança favoreceu: a criação de empresas que desenvolvem produtos de base biotecnológica, seja para prover alimentos, gerar energia ou promover saúde. De acordo com o relatório organizado pela Br Biotec, o Brasil já conta com mais de 230 empresas de biotecnologia e as estimativas apontam para o crescimento e diversificação do setor.

Além de propiciar um ambiente estável para empresas investirem em ciência, a Lei 11.105 também atesta a segurança dos derivados da biotecnologia. Ela estabelece uma série de mecanismos de controle que vão desde o desenvolvimento até o monitoramento dos produtos no mercado. Entre eles está a exigência de que todas as avaliações de biossegurança no Brasil sejam rigorosamente técnicas, cabendo à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância colegiada vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a análise do OGM sob o aspecto de saúde humana, vegetal e ambiental. As decisões da CTNBio, composta por cientistas com título de doutor em áreas afins à biotecnologia, são sempre tomadas caso a caso e levam em consideração os princípios da precaução e da equivalência substancial.

A aprovação da Lei 11.105 e o constante e criterioso trabalho da CTNBio contribuíram sobremaneira para o fortalecimento da biotecnologia e da agricultura do Brasil. A combinação bem sucedida desses dois setores transformou o País em um dos mais competitivos players do mundo no que se refere à agricultura tropical. Nesses 10 anos de vigência do marco regulatório, ele se mostrou um parceiro inequívoco da sociedade, uma vez que tem garantido a pesquisa e o desenvolvimento de produtos que estão de acordo com as necessidades do agricultor e com os mais recentes avanços da biotecnologia.

(Adriana Brondani é doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diretora-executiva e porta-voz do Conselho de Informações sobre Biotecnologia)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias