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OPINIÃO

A igreja e o Banco do Brasil

“E a andorinha, sozinha,

Bateu asas de África,

Atravessou o oceano,

tirou um fino no Banco do Brasil,

Passou entre três fios de alta tensão,

Posou na torre da igreja

E ninguém bateu palmas”

Os versos são do poeta José Décio Filho, de Posse, recitados de improviso no dia 20 de julho de l969.

No auge da Guerra Fria, a Rússia disputava a corrida espacial com os Estados Unidos, e este ganhou, pois, naquele dia, o norte-americano Neil Armstrong pisava na lua.

O poeta, militante do glorioso Partido Comunista Brasileiro, despeitado com a vitória norte-americana e a derrota soviética, desforrou em versos lapidares, acrescentando:

–Estes versos são dedicados a meu irmão Paulo.

Paulo era o nome de batismo do seu irmão mais novo, D. Thomaz Balduino, de esquerda, e também filho de Posse.

Desde então, a agência do BB de Posse está ligada à Igreja Católica da cidade, pois os dois estão no mesmo terreno, fisicamente, um ao lado do outro. Não há nada mais poderoso do que a fé e o dinheiro juntos. É de se pensar que lá do alto, a torre protege o cofre e este, cá de baixo, escora a torre.

Nem essa aliança sacro-financeira impediu que, em 2003, o BB fosse assaltado e a igreja invadida e ocupada por bando armado de pistolas R-l5 e metralhadoras ponto 20. Militares ficaram  feridos e a polícia correu. Edméia Régis Valente, matriarca da mais importante família da região, morreu em frente da igreja por bala, não se sabe se da polícia ou dos bandidos. Com Edméia (mulher heróica, mãe extremosa, cidadã exemplar) enterrou-se uma época e encerrava-se barbaramente um dos mais fortes capítulos da história da cidade. Nesse mesmo dia, l4 de março, o Bradesco e o Itaú também foram assaltados.

O assalto aos Bancos em Posse e a invasão e ocupação da igreja lembram os versos de Voltaire: “O para-raios na igreja/ é uma prova aos ateus/ de que o padre se apega à ciência/ porque também duvida de Deus”.

Mas há mais de meio século que a agência do Banco do Brasil de Posse está presente e envolvido na vida daquela região.

Mas banco é banco.

Bertoldo Bretch nos ensina que “crime hediondo não é reunir-se para assaltar um banco. É reunir-se para fundá-lo”. A culpa então é de D. João VI que, em l2 de outubro de l908, fundou o Banco do Brasil.

Posse hoje ancora uma das mais importantes fronteiras agrícolas do Brasil plantadas em terras de Goiás e do Oeste da Bahia. De lá, à Barreiras e à Correntina é uma paisagem só: o amarelo dourado da soja só para, quando tropeça no verde muito verde dos milharais que invade as distâncias e se esbarram no branco, branquíssimo dos algodoais.

Por ali passaram as tropas de meus pais, nas picadas das chamadas estradas salineiras, levando couros para Minas/Bahia e de lá trazendo sal, café e querosene. E os pousos das tropas ainda estão vivos: cabeceira do Arrojado, Velha da Galinha, Cajueiro, Taguari, Xavier, etc.

Ainda existe em Posse, pelo menos um protagonista dessa epopéia heróica: o fazendeiro José Nunes, de 90 anos,  quase um século de história, testemunha ainda viva de uma época, quando ele ajudou escrever a saga desse povo, ouvindo os guizos das tropas ou cavalgando no coice de boiadas curraleiras.

José Nunes é absolutamente ativo e ainda toca hotel, exercendo, às vezes, até o papel de guarda-noite. É um dos homens mais honrados de muitas gerações de homens honrados. Ele é tão novo que até parece que vem de tempos que ainda não chegaram.

Essa exuberante fronteira agrícola de Goiás/Bahia está plantada no chamado Gerais, de topografia regularíssima, com mais de mil metros de altitude, claridade de sol estralado, água com abundância de nascentes perenes e beirando Brasília, a capital do Brasil. Não se pode negar que  a agência do Banco do Brasil de Posse é quem ancora essa economia há meio século.

Acaba de assumir a gerência do BB de Posse Audimir Diniz, um homem de um currículo invejável, oriundo do Mato Grosso do Sul, meca do agronegócio, e que dirigiu a agência de Jataí, talvez a mais rica de Goiás, pois a terra ali é a preço de ouro pela sua fertilidade.

Só não é mais fértil para a produção de grãos do que as nossas: enquanto as terras de Jataí produzem em média 95 sacas de milho por hectare, a nossa média é de l75 sacas, e até já exageramos, pois chegamos a produzir 250 sacas/hectare, o que qualifica as terras dos Gerais como as mais produtivas do planeta.

Audimir Campos Diniz, o atual gerente do Banco do Brasil de Posse, está chegando para a mais promissora fronteira agrícola do País, como esperança nova de um povo honesto, trabalhador, com o mínimo de inadimplência.

Trazendo a experiência acumulada da rica economia do Sul, espera-se que o novo gerente permaneça por longo tempo na agência da cidade (nem que for por desconto de pecados) para certificar-se do valor desse povo que quer crescer, mas faltam incentivos.

OS “YOUNG RICH” E O ANTIPREFEITO

Não há melhor lugar para família do que Posse. A mão de obra qualificada não acompanha o desenvolvimento da cidade: lá, faltam pedreiros, eletricistas, mecânicos, encanadores e falta, principalmente casas para se alugar. A mão de obra e os aluguéis são caríssimos.

A sociedade é chique. Posse é a cidade que tem mais young rich de Goiás. As festas sociais chegam a cobrar mil reais por mesa. E a oferta se esgota muito antes do dia. Chique mesmo são os young rich passarem de nariz empinado em camionetes caríssimas, sempre com música caipira.

A cidade ferve. Lá, o caldeirão político ferve como a caldeira do diabo. O povo é tão excêntrico que faz troça do próprio destino, faz piada consigo mesmo: na última eleição, votou no anticandidato e o anticandidato virou o antiprefeito. A culpa da cidade estar sangrando então não é do antiprefeito. É do povo que votou no anticandidato. O destino de todo anticandidato é ser antiprefeito.

E a cidade continuará sangrando até a eleição do ano que vem, quando completaremos oito anos de sangria. Ô cidade dura na queda.

(Carlos Alberto Santa Cruz, jornalista)

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