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OPINIÃO

Almoço cultural

Hélio Moreira, Aidenor Aires e Eurico Barbosa, Especial para Opinião Pública

“Continuação” das nossas (Aidenor Aires, Eurico Barbosa e H. Moreira) discussões em nosso “Almoço Cultural” do dia 26 de novembro de 2013, quando contamos com a companhia do cientista político e nosso confrade na Academia Goiana de Letras, Prof. Itami Campos.

Dentre outros assuntos suscitados naquele memorável encontro, o confrade Eurico Barbosa volta a elogiar o Prof. Itami pelo seu livro “Coronelismo em Goiás – Ed. UFG, 1983” que, aliás, mereceu da crítica especializada, manifestações que provavelmente devem ter sensibilizado o autor, tal a veemência do aplauso.

Após discussões preliminares, decidimos (Aidenor, Eurico e H. Moreira) trazer à discussão, um capítulo daquele livro que é dedicado à política goiana nos primeiros 20 anos após a Proclamação da República (1889 a 1909), tendo em vista que é um período que continua a despertar a curiosidade do historiador ligado à história de Goiás, principalmente nos aspectos que o Prof. Itami se propõe a discutir no seu livro; se lembrarmos que Goiás, no contexto político da Federação daquela época, era um estado que vivia isolado dos demais, fica sempre a curiosidade: como os políticos goianos reagiram ao acontecimento.

Ouçamos o depoimento do Prof. Itami, permeado com intervenções dos demais componentes da mesa:

No primeiro momento, confirmada a queda da monarquia, houve muita indecisão por parte dos políticos, principalmente pelo fato de que as noticias chegavam com bastante atraso à nossa, então, Província de Goiás; acho, intervém Eurico Barbosa, que os nossos políticos, mesmo que as noticias tivessem chegado a tempo, reagiriam, como reagiu o povo do Rio de Janeiro – bestializados – como nos conta o jornalista e republicano sincero, Aristides Lobo; por oportuno, acho (HM) interessante transcrever um pequeno trecho do artigo-carta do maçom Aristides Lobo que foi escrito na tarde daquele dia 15 de novembro de 1889 onde ele descreve como o povo do Rio de Janeiro assistiu à Proclamação da República e que foi publicada no jornal Diário do Povo do Rio de Janeiro.

“...O povo assistiu aquilo, bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram estar vendo uma parada militar ... Era um fenômeno digno de ver-se. O entusiasmo veio depois, veio lentamente, quebrando o enleio dos espíritos. Pude ver a sangue-frio tudo aquilo...” Pois é, continua o Prof. Itami, somente no dia 5 de dezembro é que os políticos goianos agiram, constituindo um governo provisório, composto pelas seguintes pessoas: Dr. Joaquim Xavier Guimarães Natal, Dr. José Joaquim de Souza e Major Eugênio Augusto de Melo, destacando-se a figura de Guimarães Natal, o único republicano histórico deste grupo; aliás, ele, Guimarães Natal, tentou, nos primeiros dias após a formação deste governo provisório, articular, em um único bloco, todas as correntes políticas do Estado (republicanos, conservadores e liberais), surgindo então o Partido Republicano em Goiás.

O primeiro desapontamento surgiu com a nomeação, feita por Deodoro da Fonseca, do Major Eugênio Augusto de Melo para Presidente do novo Estado de Goiás; os que acreditavam em mudança no estilo centralizado de governo verificaram, logo no inicio do governo republicano, que não haveria autonomia política para os Estados, pois o governador que fora indicado não tinha raízes com Goiás. Como se poderia esperar, houve rompimento de alguns dos mais expressivos políticos do recém formado Partido Republicano com o governo central, cisão nas correntes políticas do Estado que apoiaram a Proclamação da República e o consequente término da pretendida coalizão vencedora. No vácuo do poder, os Bulhões passaram a controlar o Partido Republicano no Estado; a renuncia de Deodoro da Fonseca e ascensão de Floriano Peixoto, provocou alteração na chefia do executivo estadual, assumindo a Presidência o militar goiano, General Braz Abrantes, ligado aos Bulhões.

Na primeira eleição direta para Presidente do Estado de Goiás, foi eleito José Leopoldo de Bulhões Jardim, que não quis tomar posse (era Deputado Federal), assumindo o vice eleito, o Sr. Antonio José Caiado; logo em seguida Leopoldo de Bulhões renuncia ao cargo, obrigando, então, a se realizar nova eleição, saindo vencedor o Major Ignácio Xavier de Brito, primo de Bulhões.

A partir de então os Bulhões, na verdade Leopoldo de Bulhões, exerceram, até 1901, marcante influência na política de Goiás, até que naquele ano, Xavier de Almeida, ligado a vários governos dos Bulhões, lança-se candidato a Presidente do Estado, indicado pelo Centro Republicano e vence a eleição e, inusitadamente e de maneira paulatina, ele se aproxima dos opositores dos Bulhões – Gonzaga Jayme, João Alves de Castro e Antonio Ramos Caiado e para maior desafio, casa-se com uma moça da família Lopes de Moraes, de Morrinhos, frustrando os Bulhões que tinham a expectativa de vê-lo casado com alguém da sua família.

O rompimento definitivo de Xavier de Almeida com os Bulhões aconteceu no inicio de 1904, quando ele nomeou João Alves de Castro e Antonio Ramos Caiado para Secretários do Estado; sentindo-se fortalecido politicamente, Xavier de Almeida funda um novo partido político – Partido Republicano Federal de Goiás – com incorporação nesta nova legenda de expressivos políticos regionais, conseguindo, com isto, eleger a representação estadual e a Presidência do Estado para sucedê-lo em 1905.

Leopoldo de Bulhões, na época Ministro da Fazenda (governo Rodrigues Alves) tentou, utilizando-se do seu prestigio na esfera federal, que seus candidatos junto à Câmara Federal fossem “reconhecidos”, ao invés dos seus adversários (grupo Xavier de Almeida), chegando, inclusive, a solicitar intervenção federal no Estado, porém, não obteve êxito; finalmente, em 1906, Bulhões perde a eleição para o senado.

Aidenor, corroborado por H. Moreira e Eurico, expõe sua visão a respeito deste “reconhecimento”:

– Na verdade, as eleições eram manobradas pelos “Coronéis”, em todas as suas fases, desde o alistamento, na votação, apuração dos votos e o fatídico “reconhecimento”; analfabetos e mulheres não votavam e as eleições eram comandadas por uma “Mesa Eleitoral” (escolhida pelos detentores do poder) e a votação era a “bico de pena” (escreviam-se os nomes dos candidatos e as apurações eram realizadas por esta mesma “Mesa Eleitoral” que lavrava uma “Ata da Apuração”, quando então ocorriam os maiores descalabros (inventavam-se nomes, ressuscitavam os mortos e ausentes compareciam para votar). Diziam, jocosamente, que a pena dos mesários realizava milagres!

Depois disto tudo, o candidato mais votado para Deputado Federal ou para o Senado, deveria ser “reconhecido” por uma – Comissão Verificadora dos Poderes – órgão da Câmara dos Deputados, logicamente controlada pelos governistas (sempre maioria naquela instancia), que com frequência não “reconheciam” alguns candidatos da oposição. Não é a toa que este mecanismo fosse conhecido como – degola.

Finalmente, em 1909, foi articulado um movimento, que ficou conhecido como “Revolução de 1909” , para tentar por fim ao domínio xavierista no Estado, onde aparece, nitidamente, a figura dos “fazendeiros-coronéis” que estavam agastados com o governo Xavier de Almeida (1901-1905), que havia introduzido um sistema de arrecadação de impostos prejudicial a este segmento.

A partir deste momento, a política goiana nunca mais seria a mesma, por um longo período de tempo, os “coronéis” decidiam as eleições, organizando os chamados “currais eleitorais”, quando os votos dos eleitores, embora “secretos”, eram identificados.

Tanto Eurico como H. Moreira, Aidenor e Itami, discutiram esta “excrescência” da política; Eurico discorrendo sobre este acontecimento em sua cidade natal, Morrinhos, graças a presença de um dos elementos chaves dos representantes dos “coronéis” o fazendeiro Lopes de Moraes, aliado dos Bulhões; já que estamos falando em “coronéis”, aduziu Eurico, é preciso lembrar de outros nomes, como o próprio José Xavier de Almeida, Silvio Gomes de Melo, Gumercindo Otero, todos fazendeiros e líderes de Morrinhos daquela época.

  1. Moreira e Aidenor, falaram sobre a trajetória política do lídimo representante dos “coronéis”, o senhor Antonio Ramos Caiado o famoso líder Totó Caiado, evocando, para isto, o livro da festejada historiadora Lena Castelo Branco Ferreira de Freitas: “Poder e Paixão: A Saga dos Caiados, Ed. Cânone – 2 volumes, 2009”; Totó Caiado foi o patriarca da família Caiado, rica e poderosa; ele mandava e desmandava, nomeava desde os prefeitos dos municípios até o Presidente do Estado; nada se decidia sem a sua aquiescência.


Como sempre acontece nestes almoços, foi dada a palavra a todos para as considerações finais; em uníssono, todos agradeceram a presença do Prof. Itami e este, como todos nós, lamentou não dispormos de mais tempo para prosseguirmos nas discussões.

(Hélio Moreira, Aidenor Aires, Eurico Barbosa, membros da Academia Goiana de Letras)

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