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Corazón Aquino, da cozinha à presidência

Guardo profunda admiração e respeito pelas lideranças femininas ao longo do tempo. Golda Meyer, que conduziu Israel contra ingleses e árabes, é uma delas. Margaret Tratcher, precursora do neoliberalismo, foi considerada a “dama de ferro”, pôs a economia inglesa nos eixos, apesar dos contra.

Sem dúvida, Cora Coralina, a doceira e poetisa de Vila Boa, a antiga capital goiana, ultrapassa as divisas do Estado. Com repercussão no Brasil, na área de comunicação, detenho-me no nome de Célia Câmara. Na Televisão Anhanguera teve audácia ao criar um programa dedicado às mulheres. Antecipou-se à própria Rede Globo. Em Goiás, Almerinda Arantes, Ana Braga e Berenice Artiaga. Elas foram deputadas e Berenice Artiaga foi a primeira parlamentar goiana. Consuelo Nasser fundou o Centro de Valorização da Mulher, justamente numa época em que feminismo era palavrão.

Claro que existem muitas mulheres admiráveis tanto em Goiás quanto em qualquer outro canto do mundo, que pretendo estudá-las mais a fundo para uma divulgação posterior, sem receio de omissão involuntária.

Tanto é que minha escolha mundial recaiu no nome de Corazón Aquino, uma dona de casa que nasceu em Manila, capital das Filipinas, em 25 de janeiro de 1933. Seu nome de batismo: María Corazón Simulong, mais conhecida por Cory. Seus irmãos se compunham de cinco pessoas. Seus avós foram senadores e seu pai deputado. Pelo que vê, o sangue político estava nas veias da família. Corazón realizou seus estudos primários e secundários com êxito. Como a maioria, praticamente em todo o mundo, foi educada com a responsabilidade da mulher como esposa, que incluía sacrificar seus próprios desejos ao do marido e favorece seu prestígio, segundo narra Geraldo Castillo, em “14 líderes inesperados”.

O curso de Direito deu-se na Universidade de Far Eastern de Manila, interrompido para casar com Benigno Aquino, em outubro de 1954, aos 21 anos. Os negócios do marido iam bem e nessa idade Benigno elegeu-se prefeito. Aos 28 tornou-se governador, depois senador. Cory era dona de casa e cuidava dos filhos, seguindo as tradições. Embora pertencesse a uma família de políticos, seguia à sombra. Mas, Benigno foi preso na condição de dissidente político por ordem do presidente Ferdinand Marcos em 1972. Tornou-se, então, inabilitado para candidatar-se à presidência no ano seguinte. Permaneceu por sete anos na prisão, sofrendo torturas e impedido também de concorrer às eleições gerais de 1978.

Corazón Aquino tomou uma decisão, talvez uma das mais sérias de sua vida. Entrou na política. Sua vida de criar os filhos e de pura doméstica sofreu um revés antes inimaginável. Mesmo porque enfrentar a ditadura, ocupando o lugar do marido, constituía tarefa dificílima. Conduzindo com mão de ferro a Filipinas, Marcos condenou Benigno Aquino à morte. A intercessão do então presidente norte-americano Jimmy Carter conseguiu o indulto a Benigno. Este decidiu exilar-se em Boston. Durante o período de 1980 a 83 foi professor da Universidade de Harvard.

Nas eleições de 1984, Ninoy, como era chamado, decidiu apresentar-se como candidato às eleições convocadas por Marcos. Regressou a Filipinas em 21 de agosto de 1983. Na chegada, no entanto, foi assassinado no aeroporto por agentes de Marcos. Corazón Aquino volta a Manila e acompanha os ritos fúnebres do marido. Como nas Diretas Já, no Brasil, mais de dois milhões de pessoas comparecem no último adeus a Benigno Aquino.

Corazón inconformada com o crime brutal, mas cheia de força moral e espiritual ante o apoio da multidão, cria coragem. Acusa Ferdinand Marcos do atentado ao seu marido e decide continuar sua obra política. As marchas de protesto se sucedem pelo país. Milhares de pessoas acorrem às ruas portando flores e rosários e enfrentam os tanques de Marcos. Torna-se uma líder incontestável.

Candidata-se ao cargo de presidente e irrita Ferdinand Marcos que diz mais ou menos que “lugar de mulher é na cozinha”. Sua candidatura cresce de tal maneira e o próprio exército oferece a presidência a si num golpe de estado. Ela rechaça o gesto e diz aos militares: “Eu não estou aqui pelo poder. Quero saber se as pessoas realmente me apoiam e para elas devemos realizar estas eleições”. Na verdade, ela não pretendia o poder absoluto, e sim criar um marco político sedimentado na legitimidade e compartilhado por todas as forças políticas.

A sua habilidade política surpreende e torna-se reconhecida, além de mostrar-se sensível, acolhedora e amistosa, algo que lembra Nelson Mandela, na África do Sul. Cory sempre tinha uma resposta aos reclamos do povo. Ouvia as pessoas por onde transitava e soube ainda utilizar a televisão, assim como Obama nas redes sociais. Sob sua imagem terna, havia firmeza e preservava os valores da democracia, da igualdade e da justiça. Condenava os abusos do presidente e proclamava a necessidade de abertura econômica, que lembra o procedimento de Fernando Henrique Cardoso em relação ao inchaço provocado pelas estatais e sua ineficiência. E a consequente privatização.

Nas eleições, Corazón Aquino ganhou, mas Ferdinand Marcos se proclamou vencedor. As reações da sociedade foram imediatas, com manifestações de greves. Milhões de pessoas voltaram às ruas e os altos oficiais das forças armadas instauraram Marcos a reconhecer a vitória eleitoral sob pena de mobilização militar. Os Estados Unidos deixaram de ser aliados de Marcos. Sem apoio, Marcos abandonou o país em fevereiro de 1986. Corazón assume, tornando-se uma das primeiras mulheres da Ásia a desempenhar o papel de presidente, igual a Indira Gandhi, na Índia.

No poder, restaurou a nação, estabelecendo uma constituição democrática e a reconciliação e um programa de desenvolvimento no país. Concedeu anistia aos guerrilheiros, levando-os ao abandono das armas. Por sua luta em prol da democracia, a revista norte-americana Times a elegeu Personalidade do Ano em 1986. No ano seguinte seu nome foi indicado ao Nobel da Paz. Cumpriu seu mandato até 1991, optando por não candidatar-se à reeleição. Depois, retirou-se para a vida privada. Faleceu aos 76 anos, vítima de um câncer.

A lição que deixou Corazón Aquino é a de que promoveu transformações profundas, exemplo a outros países, em plena democracia e com liberdade de imprensa.

(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista da Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)

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