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OPINIÃO

Legalidade e justiça Solidariedade ao juiz Ari Queiroz

Um dos grandes dilemas de qualquer julgamento sempre foi, e sempre será,  determinar se a decisão é, ao mesmo tempo, legal e justa. Todo juiz vive esse drama, procurando cumprir a lei e fazer justiça, porquanto nem tudo que é legal é justo. Mas a dúvida não atinge apenas os magistrados, como também as partes envolvidas, da mesma forma que pode ser motivo de reflexão para qualquer pessoa que analisa um caso concreto. Recomenda o bom senso que, na indecisão entre o legal e o justo, a opção seja pela justiça.

Noticiam os jornais que o juiz goiano Ary Ferreira de Queiroz foi punido com a pena de aposentadoria compulsória. As acusações são variadas, tais como excesso de vaidade e estrelismo, em se auto-promovendo na internet; proferir decisões “teratológicas”; afronta ao princípio do juiz natural, não obediência aos princípios de imparcialidade e cautela; abuso de jurisdição; interferência nos trabalhos  da Corregedoria Nacional de Justiça; abuso na decretação de segredo de justiça, etc.

Em processo administrativo disciplinar (PAD) existe um escalonamento de penas previstas para as infrações administrativas praticadas pelos magistrados, conforme Lei da Magistratura Nacional - Loman (Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979): a) advertência; b)censura; c) remoção compulsória; d) disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; e) aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e f) demissão.

A pena de aposentadoria compulsória é reservada aos juízes que praticam atos considerados ilícitos graves, desonestos e que agridem  o bom nome do Judiciário. Não consta, no julgamento, que o magistrado teria praticado qualquer ato de desonestidade. O processo administrativo, que resultou na punição, deixou bem claro essa circunstância. Sobre decisões teratológicas, que significam esdrúxulas ou notoriamente equivocadas, trata-se de conceito altamente subjetivo, variando de pessoa para pessoa. O que pode ser teratológico para um, pode não ser para outro. Igualmente, as outras acusações são, também, de conteúdo subjetivo. Por tais razões, mesmo que o SNJ quisesse puni-lo, não deveria ter aplicado pena tão exagerada.

Conheço o magistrado Ari Queiroz  há vários anos. É inquestionável que ele é inteligente, trabalhador e competente, entre outros requisitos que podem ser considerados positivos. Certamente que deve ter defeitos, o que é próprio do ser humano, porquanto ninguém é perfeito. Talvez seja vaidoso, mas elencar tal circunstância como positiva ou negativa não é fácil. O fato é que os requisitos positivos dele, para ser um bom magistrado, superam, e muito, os negativos.

Ari Queiroz é culto. Conhece, e muito, de Direito. Tem coragem em proferir decisões que desagradam até mesmo colegas de magistratura. Tem vários livros escritos. É reconhecido expositor e debatedor em  diferentes temas jurídicos. Não raro escreve artigos variados para diferentes tipos de publicações. Leciona em diversas faculdades e cursinhos preparatórios para muitas finalidades. Nas comarcas, e varas, que trabalhou não deixava processos paralisados. Sempre manteve em dia os serviços sob sua responsabilidade. Pela imputação de ser relapso  no desempenho de suas funções, gastando tempo em outras atividades, como exemplo lecionar em mais de uma escola de Direito, não foi possível “pegá-lo”.

Na minha opinião ele não proferia decisões teratológicas, mas sim heterodoxas, vez que  fugia às decisões “certinhas”, o ramerrão do dia a dia, obedecendo as normas legais. Aliás, o magistrado que só pensa em sentenças de acordo com a lei e a jurisprudência, mesmo contrariando sua opinião pessoal, preocupado em não ver reformadas suas decisões, para não prejudicar promoção, não é um bom julgador, porquanto poderá praticar muita injustiça.  Não é certo que o juiz seja um fiel seguidor da lei, ficando melhor dizer que ele deve aplicar o Direito. Mas o Direito não é estático, variando no tempo e no espaço.  Com certeza ele desagradava muita gente, inclusive no próprio Judiciário. Por tais razões, mais cedo ou mais tarde seria alvo de punição pelo Poder Judiciário, pois estava mexendo com status quo da magistratura.

Ari Queiroz é juiz de primeiro grau. Considerando que existe o duplo grau de jurisdição, quem não concordasse com suas decisões sempre poderia recorrer para o segundo grau. E isto aconteceu muito. Como as decisões eram bem embasadas, dificilmente ocorria reforma. Mas ser ou não modificado o julgamento faz parte do jogo jurídico e o magistrado não deve se preocupar com tal circunstância. O que deve fazer é julgar honestamente, ficando a critério de quem não concordar usar o direito de recurso. O juiz é livre para decidir de acordo com sua convicção. É claro que o magistrado tem orientação jurisprudencial sobre como proceder nos casos concretos. Todavia, excluindo a súmula vinculante, que é obrigado seguir, as decisões dos tribunais são apenas, e tão somente, orientações, seguindo ele se quiser. Se entender de forma diferente é livre para julgar, desde que suas decisões sejam motivadas (fundamentadas).

Sobre o julgamento do SNJ, não cabe discutir sobre o mérito. Os julgadores são competentes e experientes. Todavia, extrapolaram na pena aplicada. O magistrado não cometeu nenhum crime, mas foi punido com uma pena hedionda. Como advogado há mais de 40 anos, ex-presidente da OAB-GO, em nome próprio manifesto minha solidariedade ao juiz Ary Queiroz ao mesmo tempo que discordo da pena aplicada. Se queriam puni-lo, por estar  incomodando com suas decisões, que punissem, mas não com uma pena tão desproporcional. O julgamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode até ser legal, mas a pena aplicada foi injusta.

(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-G0, professor universitário, escritor)

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