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OPINIÃO

Piaget, Pestalozzi e a pedagogia espírita

Poder-se-ia falar de uma linha evolutiva da pedagogia que vai de Rousseau a Pestalozzi e de Pestalozzi a Piaget. Vale dizer, passando da visão histórica para a visão naturalista, bem como de uma visão da natureza para a da biologia. Da visão biológica, afinal, para a da energia do espírito como princípio inteligente do ser humano, cuja educação deve estar orientada para a sua finalidade última que é a assimilação das leis divinas.

A educação é, antes de tudo a construção de valores a serem vivenciados. Por exemplo, antes de se falar de amor, é preciso amar. Antes de se falar em justiça, é preciso ser justo. Antes de se falar em bondade, ser bondoso. Os conceitos devem vir depois dos exemplos, que lhe imprimem a forma de conscientização. Nas linhas que se seguem, nos limitaremos ao enfoque das pedagogias de Piaget e Pestalozzi em aproximação com a doutrina espírita.

Seguindo Piaget

Toda ação (digamos, positiva) nasce de uma necessidade que leva o indivíduo a uma readaptação, como a colocar-se numa situação entre desequilíbrio e reequilíbrio. Segundo Piaget, todo procedimento (ou ação) supõe um aspecto energético ou afetivo e um aspecto estrutural ou cognitivo. Enquanto age, o indivíduo utiliza sua estrutura psíquica constituída de inteligência e emoção, adaptando-se a situações novas assimiladas com base em experiências anteriores.

Toda atividade mental se processa pela assimilação e acomodação em níveis gradualmente crescentes, num avançar progressivo, constituindo sempre novas estruturas em níveis cada vez maiores. É nessa posição mental que nos situa Walter de Oliveira. Como a dizer: a criança constrói sua própria inteligência pela assimilação de experiências novas incorporadas às experiências precedentes, criando novas estruturas para alcançarem maiores níveis de assimilação, assim passando gradativamente a uma mudança interior de acordo com sua acomodação ao mundo exterior.

Com palavras do autor: “O processo de assimilação e acomodação é constante. A criança passa a assimilar o meio através das experiências, da ação, até o momento em que acomoda suas estruturas interiores às novas experiências. E assim sucessivamente, reconstruindo sempre novas estruturas em níveis cada vez maiores.” Dessa forma, adverte o autor: “A criança necessita de desafios um pouco acima do estágio em que se encontra para, através do seu próprio esforço, atingir novo estágio em nível superior.”

Esse processo de funcionamento da mente tende a aumentar cada vez mais com o amadurecimento da criança, em termos de percepção e memória, no tempo e no espaço, desenvolvendo sua inteligência como capacidade própria para enfrentar novas realizações.

Piaget e a doutrina espírita

A teoria construtivista de Piaget, baseada na ação e reação da criança em sua relação com o meio, guarda certa correspondência com a teoria evolucionista da doutrina espírita, embora partindo esta do princípio do inatismo das ideias. Vale lembrar que, segundo Sócrates, as ideias são inatas, e no caso, fazê-las virem à tona, é papel do professor.

Enquanto Piaget fala da estrutura mental da criança, que se desenvolve progressivamente ao impacto com o meio ambiente, a doutrina espírita situa o aprendizado do espírito numa relação de causa e efeito entre o passado e o futuro. Ou seja, a criança traz uma bagagem espiritual que se desenvolve em cada experiência existencial e tende a aperfeiçoar-se com a efetiva educação do espírito. Nessa linha de raciocínio, vejamos algumas afirmações de Walter de Oliveira, ilustrando a aproximação entre a teoria de Piaget e a doutrina espírita:

“Segundo Piaget, a inteligência começa a ser construída no período sensório-motor, através de uma ampliação constante de esquemas. Assim, progressivamente, a criança constrói esquemas diversos que se coordenam entre si e são usados em conjunto, majorando e ampliando sua capacidade intelectiva.” Desse modo, desenvolve cada ato, como pegar, olhar, empurrar e assim por diante.

“Dessa forma, a contradição entre as ideias inatas e a construção da inteligência é apenas aparente, pois ambas se completam para explicar a própria evolução. Desde o nascimento, a criança estará habilitando o novo corpo ao seu funcionamento, em consonância com o próprio espírito. Reconstrói seus esquemas mentais, estrutura por estrutura, a partir dos reflexos inatos que, em verdade, ela reconstruiu durante a gestação.”

“Diversas crianças, com a mesma idade, expostas ao mesmo meio, responderão de formas diferentes, ou seja, a construção ou reconstrução dos esquemas correm com maior ou menor destreza, maior ou menor aptidão, diferentes velocidades, atingindo resultados diferentes, pois os espíritos passaram por experiências diferentes e possuem diferentes bagagens interiores.”

Esses extratos sumários bastam para evidenciar a intenção do autor de assimilar na pedagogia espírita a teoria educacional de Piaget, como de Vygotsky, Pestalozzi e outros educadores. Assim deduz o autor: “Todo o movimento construtivista, que se apóia na teoria de Piaget e que cresceu nos últimos anos (estamos em 1952), reformulando a educação em todo o mundo, tem enormes pontos de contato com a doutrina espírita.”

Desenvolvimento proximal

Há também uma aproximação do ponto de vista de Vygotsky com o de Piaget e Pestalozzi – observa o autor – destacando a necessidade de interação entre os educadores. Vygotsky define uma chamada zona de desenvolvimento proximal, que consiste da articulação entre desenvolvimento real e desenvolvimento potencial da criança, a depender da colaboração dos adultos.

Seguindo Walter de Oliveira, encontraremos, de fato, grande semelhança entre a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky e a construção da inteligência proposta por Piaget: “Em verdade, o desenvolvimento real pressupõe a existência de estruturas anteriores, onde através da interação com o meio, o indivíduo constrói estruturas novas.” E assim deduz: “Dentro da mesma linha de pensamento, ao trabalharmos com grupos heterogêneos, uma criança poderá auxiliar a outra. Da mesma forma que o adulto, a criança pode ser medianeira (mesmo de forma inconsciente), despertando o interesse e a vontade do companheiro.”

Vemos em Vygotsky o mesmo destaque dado ao trabalho coletivo, conforme ressalta o autor em pauta, citando Maria Kohl de Oliveira:

“Se o professor dá uma tarefa individual aos alunos em sala de aula, por exemplo, a troca de informações e de estratégias entre as crianças não deve ser considerada como procedimento errado, pois pode tornar a tarefa um projeto coletivo extremamente produtivo para dada criança.” E assim conclui: “As escolas de Pestalozzi, principalmente em Yverdon, se caracterizavam pela utilização das próprias crianças como monitoras, auxiliando, umas o aprendizado de outras. As atividades de cooperação lembradas por Piaget, propiciam esta interação, onde uma criança auxilia a outra dentro de sua habilidade.”

Moral segundo Piaget

Para Piaget o problema da educação moral é paralelo ao da educação intelectual. Segundo ele, a criança na faixa de 4 a 5 anos encontra-se ainda numa condição pré-moral, de egocentrismo infantil. Depois passa dessa fase de anomia (digamos, desordem) para a de heteronomia (ordem ética), em que se submete às regras estabelecidas, mas sem uma tomada de consciência. Só passa a ter autonomia moral quando internaliza as noções de dever e responsabilidade associando seus atos às próprias intenções.

Conforme assinala o texto em tela: “Piaget considera que a autoridade do adulto por si só não pode ser fonte de justiça, pois o desenvolvimento da justiça supõe a autonomia. O adulto deve praticar a reciprocidade com a criança e pregar com o exemplo e não apenas com palavras. Somente com o respeito mútuo, as relações serão formadoras de valores morais.”

Do exposto, conclui-se que indivíduos não educados não evoluem e permanecem em estado de anomia, desrespeitosos, antissociais, desobedientes às leis e tendentes à delinquência. Na heteronomia, por sua vez, os indivíduos só obedecem por medo de punição. Mostram-se individualistas e, na ausência da autoridade, tendem à desordem e à indisciplina. Só os indivíduos dotados de autonomia moral têm plena consciência dos princípios éticos e deveres sociais, sendo responsáveis por si mesmos.

Moral segundo Pestalozzi

Diz o texto em referência, que Pestalozzi via o homem como ser criado por Deus, trazendo em seu íntimo um conjunto de qualidades e poderes herdados do Criador. “A educação é o desenvolvimento natural e progressivo desses poderes e faculdades que todos possuem.” Segundo o autor, cada órgão dos sentidos tem a sua função a ser potencializada. Em cada um dos dotes da natureza humana há um impulso que os faz elevar-se a um estado de adaptabilidade e aperfeiçoamento. Para ilustrar tal compreensão, recortemos alguns dados do texto:

  1. “A inteligência, o sentimento e a vontade, constituem os elementos básicos de nosso potencial interior. E tudo faz acreditar que é preciso reconhecer a intuição como verdadeira fonte do conhecimento.” 2. “O homem é como uma árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as faculdades que lhe hão de desabrochar-se durante a vida, os órgãos do seu ser gradualmente se formam, em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus.” 3. “A educação do homem é um resultado puramente moral. Não é o educador que lhe dá novos poderes e faculdades, mas lhe fornece alento e vida.” Nesse sentido, conclui o autor que “educação é, portanto, o desenvolvimento natural, progressivo e harmonioso de todos os poderes e faculdades do ser”.


Tal como Rousseau, Pestalozzi destaca três estágios de desenvolvimento do ser humano: natural, social e moral, que correspondem aos próprios estágios evolutivos da humanidade. Do estágio natural ou primitivo, ou de instintividade animal, o homem foi evoluindo gradativamente às formas de convivência social, assim chegando a criar regras de comportamento que, por sua vez, levaram à descoberta das leis da consciência, que refletem um código moral.

Não confundir lei moral com moral social: esta não transforma os instintos básicos do homem, apenas inibe suas manifestações. Mesmo sem moralidade, a sociedade pode ter sua animalidade reprimida, mas não escapa de sua fragilidade, sempre incorrento em desvios de comportamento.

Pestalozzi se identifica com Piaget quanto às três fases prenunciadas, ou seja, da anomia, que corresponde ao estado natural (ou primitivo do homem), da heteronomia, que corresponde ao seu estado social (ou da moral social), e afinal, da autonomia, que corresponde ao seu estado moral, ou da consciência dos valores éticos. O homem deve ser visto como um ser moral e, acima de tudo, como um ser espiritual.

A pedagogia de Pestalozzi está centrada no amor, emanação divina que deve ser despertada pelo educador, de forma a contagiar o educando para que ele desenvolva uma essência que já traz em si mesmo. Pestalozzi nos fala de amor assim como Sócrates nos fala de ideias inatas como essência do ser humano. No método da maiêutica de Sócrates, conforme dissemos linhas atrás, o papel do professor consiste em fazer o parto das ideias. Na pedagogia de Pestalozzi, o papel do educador é despertar no educando o amor que este já possui em si mesmo. “O professor contagia, desperta essa essência que se encontra em estado latente”, afirma Walter de Oliveira. E arremata: “O fim principal da educação não é ministrar conhecimento ao aluno, mas desenvolver os poderes interiores que ele já possui.”

Para Pestalozzi, o princípio da educação consiste na observação e na intuição das coisas ligadas ao mundo natural. Assim como Pestalozzi baseou-se na natureza para suas experiências de desenvolvimento integral das faculdades da criança, Piaget se baseou por sua vez na biologia, demonstrando que a aprendizagem se desenvolve a partir de estruturas mentais existentes, sobre as quais se constroem novas estruturas, baseadas na assimilação e na acomodação ao meio, num avançar progressivo e contínuo de novas fontes de conhecimento. Eis em linhas gerais, os elementos precursores da pedagogia espírita.

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa)

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