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    Agrotóxicos: um vilão silencioso

  Em uma loja de produtos agropecuários, um carismático atendente prestigia seu cliente com um belo sorriso, vocábulos de boas-vindas e algumas ensaiadas perguntas, sempre atento à aprovação do gerente. Estendendo um dos braços recebe do agricultor uma re

Em uma loja de produtos agropecuários, um carismático atendente prestigia seu cliente com um belo sorriso, vocábulos de boas-vindas e algumas ensaiadas perguntas, sempre atento à aprovação do gerente. Estendendo um dos braços recebe do agricultor uma receita agronômica prescrevendo certo produto como solução técnica para sua safra. Entre todas as recomendações do agrônomo interessou-lhe apenas o nome comercial do produto e porcentagem de lucro com a venda. Com o produto em mãos, doutro lado do balcão, um cliente ajusta o foco dos óculos movimentando-os para trás e para frente olhando o rótulo na embalagem onde enxerga somente a marca comercial do produto que está em destaque. Mas... ler sobre a classificação toxicológica do produto, precauções de uso, advertências quanto aos cuidados com manipulação, quantidade correta de aplicação, proteção ao meio ambiente e perigos à saúde humana nem sempre é animador, pois, o grau das lentes não é apropriado para diminutas letras e, consumiria tempo. Tempo, é dinheiro. Maior preocupação gira em torno da observância sobre quantidade e concentração durante a aplicação do produto que muitas vezes não levam em conta os efeitos na saúde da população consumidora de agrotóxicos. Torna-se um perigoso experimento de negativos resultados de médio e longo prazo na saúde pública, infelizmente, ainda hoje, é uma realidade prática e comum no país, incluindo o Estado de Goiás.

Tais circunstâncias são facilitadas pela precária estrutura do estado para inspeção, fiscalização e assistência educativa aliada ao uso indiscriminado de agrotóxicos contrabandeados ou pirateados, sem devida licença para comercialização colocando em risco a segurança alimentar do consumidor, que receberá nos alimentos substâncias em quantidades acima do permitido por lei ou mesmo proibidas no Brasil. Este é um vilão silencioso e invisível para o consumidor goiano que suportará efeitos adversos como infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer. Vale ressaltar que os agrotóxicos estão presentes não só em produtos in natura, como também industrializados e processados. Este tem sido assunto de crescente preocupação entre poder público e sociedade goiana já que seus efeitos na saúde humana são hoje cientificamente conhecidos e responsáveis pelo crescente índice de câncer no estado. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indicam que o consumo de agrotóxicos cresceu 190% no Brasil, entre 2000 e 2010 enquanto o crescimento mundial no mesmo período foi de 93%. O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, movimentando 7,3 bilhões de dólares e 19% do mercado mundial, deixando os EUA em segundo lugar, com 17% do mercado global.

Em março de 2015, a Agência Internacional de Pesquisa de Câncer (Iarc), após avaliação da carcinogenicidade de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil, classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa, diazinona, tetraclorvifóis e parationa como prováveis agentes carcinogênicos para humanos. Em 16 de abril de 2009, o Estado de Goiás realizou o 4º Seminário Regional sobre Agrotóxicos, evento importante que reuniu pesquisadores, produtores e fiscais, destinado a todos os órgãos envolvidos na regulamentação e fiscalização da produção, comercialização, transporte e utilização de agrotóxicos em seu território. Portanto, é urgente que o estado e sociedade reúnam forças para priorizar a conscientização dos produtores rurais, buscar alternativas viáveis ao uso de agrotóxicos, intensificar o combate ao comércio ilegal, uso indevido e excessivo dessas susbstâncias, assegurando o direito humano à alimentação adequada previsto nos artigos 6° e 227 da constituição da República Federativa do Brasil de 1988, executada pela política nacional de segurança alimentar e nutricional (Decreto n° 7.272/10).

(Raflésia Pereira, advogada, especialista em direito ambiental e imobiliário)