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OPINIÃO

Antígona, o direito dos homens, o direito divino ou o contrato social? - parte I

Uma das mais belas histórias e dramáticas tragédias já escritas é “Antígona” de Sófocles dramaturgo grego (497-405 a.C.), que relata com toda profundidade o amor e a lealdade de um ser humano por outro. Esta é a história da protagonista Antígona, que deseja enterrar seu irmão Polinice, que atentou contra a cidade de Tebas. Porém o tirano da cidade (Creonte) outorgou uma Lei impedindo que os mortos que se rebelaram contra seu governo fossem enterrados, o que era uma grande ofensa aos deuses, ao morto e à sua família, pois a alma do morto não faria a transição adequada ao mundo dos mortos, para o encontro com Hades.

Antígona, irmã do falecido enterra-o, desafiando a lei da cidade, é capturada e levada até seu tio Creonte rei de Tebas, que a sentencia à morte, não adiantando nem os apelos de Hémon seu filho e noivo da “subversiva”, que clama ao pai pelo bom senso e pela vida da virgem amada, pois apenas queria dar um enterro justo ao irmão, um ato fraterno, justifica.

Antígona foi levada a uma tumba onde ficou presa até desfalecer. Surge então Tirésias, o adivinho, que avisa a Creonte que sua sorte está acabando, pois seu ato de não deixar enterrar Polinice acabará destruindo seu governo. Antes de poder fazer algo, Creonte descobre que Hémon, seu filho, se matou desgostoso com a morte da amada Antígona. Eurídice esposa de Creonte, desiludida pela morte do filho Hérmon, também se mata, para desespero de Creonte, que ao ver toda sua família morta lamenta por todos os seus atos, mas principalmente pelo ato de não ter atendido ao desígnio dos deuses, o que lhe custou à vida de todos aqueles que lhe eram queridos.

Como se nota acima, a tragédia tem como cerne uma antinomia, ou seja, a vontade do cidadão (Antígona), versus a vontade do Estado (Creonte). Antinomia essa que se desenvolve com Antígona desobedecendo às leis impostas pelo rei tebano, que proíbe o enterro de seu irmão declarado inimigo de Tebas.

Nessa tragédia se vê também a coercitividade das leis humanas em oposição às leis divinas, contudo existem fatos sociais relevantes os quais são; uma norma coletiva com poder de coerção sobre o indivíduo e sobre a religião; Antígona que luta pelo seu direito individual e também pelo direito do irmão de ser enterrado; e o legado dos deuses que são descumpridas pelo rei e obedecidos pela fiel.

Refletindo a partir de tudo que já foi exposto, segundo Tomas Hobbes, para se construir uma sociedade, o homem tem que renunciar a parte de seus direitos e estabelecer um “contrato social”, garantido pela soberania do Estado sobre o indivíduo. É importante notar que, ao contrário dos autores adeptos da teoria do direito divino dos reis que o precederam (Jean Bodin e Jaques Bossuet), Hobbes defende que a fonte do poder monárquico não residia no direito divino, mas na manutenção do contrato social entre indivíduos e soberano.

Para Hobbes, a soberania é a capacidade do Estado de se autovincular e autodeterminar a uma forma jurídica exclusiva. Isto significa que, internamente, a soberania é a supremacia que faz com que o poder do Estado se sobreponha incontrastavelmente aos demais poderes sociais, que lhes ficam subordinados. A soberania assim entendida fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num certo território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais. Assim, pode-se entender que o que está por trás do pensamento ou teoria de Hobbes não é a pessoa do rei, mas o conceito de Soberania de Estado.

Na peça a antinomia essencial identificável realmente é entre a lei dos deuses e a lei do homem, podendo ser vista como uma das primeiras antinomias jurídicas relatadas na História. Assim o poder do Estado, forma de poder organizada pelo homem, sucumbe ao poder dos deuses, ou seja, o mundo divino prevalece ao mundo dos homens, essa é a grande verdade que quer transmitir Sófocles. A ideia central é mesmo o contraditório: uma só mulher pode questionar o Estado? O Estado (Tebas/Creonte) é inquestionável contra a individualidade (Antígona/cidadã). Ou seja, deveria Creonte escutar Antígona? A ideia defendida por Antígona deve ser encarada como uma fonte histórica da evolução dos direitos humanos. A questão fundamental é: Antígona representa no mundo ocidental a mãe da individualização do direito, da democracia, da liberdade, da livre expressão; pois na Antiguidade não havia sequer a ideia de direitos individuais.

Para Hobbes a competição pela riqueza, por honra, e outras formas de poder é que levam o homem à luta, à inimizade e à guerra, pois a forma encontrada para se adquirir o que deseja é matar, subjugar, suplantar ou repelir os outros. Na verdade, o homem busca incessantemente sobrepujar os demais. Foi o que Creonte fez em relação à Antígona e sua família, sua sede pelo poder, seu medo de ser flexível, sua arrogância e egoísmo, e sua falta de misericórdia, o impediram de continuar sendo um rei de sorte e sucesso.

A raiz das discórdias entre os homens tem seu cerne quando entram em choque os apetites/aversões e o relativismo moral. A primeira segue as vontades individuais, a segunda as questões do que é certo e errado, dessa maneira entende-se que os desejos dos homens são diferentes, pelo fato de que estes diferem em comportamento, costume e opinião, dessa forma o que é aprovado por uma pessoa é desaprovado por outra, a primeira vê como bem a segunda vê como mal. Portanto, seguirá dessa forma a discórdia e o conflito.

Hobbes entendia que, a igreja cristã e o Estado Absolutista Cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar leis, decidir questões e presidir os conselhos. Segundo ele, a primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais. Por isso, a vida seria uma “guerra de todos contra todos”, na qual “o homem é o lobo do homem”... (Continua).

(Professor Nilton Carvalho, historiador, teólogo, pós-graduado em educação pela PUC-Goiás e graduando em Direito pela Universo-Goiânia. ([email protected]))

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