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OPINIÃO

Dengue e o fumacê do pouco caso

Nunca acreditamos que existe uma epidemia, até que ela vem bater à nossa porta. Sempre encarei a dengue como algo sério, tanto que em meu apartamento preferi trocar as plantas vivas de minha sacada, pelas artificiais, pois vai que por um descuido eu deixasse que a danada da “mosquita”, que existe um na proporção para cada milhão de pernilongos existentes por aí,  aparecesse por lá e depositasse os seus indesejados ovos em um dos vasos.

Segundo informações de um site educacional, estima-se que ele pique até 300 pessoas durante seu ciclo de vida, que é composto por quatro fases de desenvolvimento: ovo, larva, pupa (correspondem à fase aquática do ciclo) e adulto (correspondendo à fase terrestre). A fase de maior resistência é a do ovo, pois este é resistente à dessecação por períodos que variam de seis meses a um ano. O mosquito, em condições favoráveis, dura até oito dias da oviposição até atingir a fase adulta.

Apesar de incansável, ele gosta mesmo é de sombra e água fresca. Vive onde há calor, mas foge do sol. O Aedes aegypti prolifera-se principalmente dentro ou nas proximidades de habitações. Não é ao ar livre que se corre o maior risco de contaminação, é no abrigo do lar, entre quatro paredes, que mora o perigo.

É a fêmea a grande responsável pelo surto. Primeiro, ela se contamina ao picar alguma pessoa doente. Em Goiânia, ela pode escolher vítimas à vontade (84 mil casos só este ano, o que corresponde a 43,7% dos casos no Estado). Quando entra no ciclo da reprodução, ela se alimenta de sangue para desenvolver seus ovos. É assim que contamina pessoas sadias até depositar seus ovos em recipientes de água limpa e parada.

Segundo o boletim semanal da dengue da Secretaria Estadual de Saúde, o ano de 2013 foi o mais crítico, com 163 mil, 808 casos notificados, com 95 mortes, correspondendo a um aumento de 743,12% em relação a 2012. Neste ano, 84 mil casos já foram notificados até o último dia 18, com 36 mortes (sete em apenas uma semana). Se continuarmos nesta média, haverá um número superior a 2013, e poderemos ter a pecha de “Goiânia a capital da dengue”.

Na minha família, ao longo dos últimos anos, várias pessoas foram vítimas do famigerado mosquito. Alguns sofrerem menos e outros ficaram ruins, a ponto de ser necessária a internação hospitalar. E, recentemente, meu afilhado passou por maus pedaços por conta dos sintomas; ele mora pertinho dos tanques descuidados do viaduto-sonrisal da T-63, que poderiam se transformar em canteiros, já que não recebem, da prefeitura, o devido cuidado.

Esse danado não escolhe a vítima. Perdi a conta das charges sobre a dengue e os mosquitos nos últimos anos: eles voando sob a cabeça de nosso prefeito; outro do mosquito com a frase “I love Goiânia”; a do "mosquiteló" cantando “Ai, ai, se eu te pego”, e um cidadão correndo desesperado; dois mosquitos dialogando: “Imagina se eu perderia o carnaval!”; um cidadão dizendo: “Neste carnaval eu vou me acabar”, e o mosquito respondendo: “E vai mesmo!”; o mais engraçado foi a de dois deles conversando: “Adivinha quem eu peguei!”, fazendo uma alusão ao maior líder político do estado quando contraiu a dengue em 2012. E por aí vai ...

Mas, noves fora a brincadeira, a coisa é bastante séria. No meu caso, o que era medo passou a ser fobia. Já estou sentindo saudade de ouvir o barulho das caminhonetes com os fumacês que passavam pela rua de meu escritório, que segundo o doutor Dráuzio Varella é de pouca eficiência, uma vez que eles não estão nas ruas e as pessoas fecham as janelas e o mosquito se espreita.

Não quero aqui dizer que a culpa é só da Prefeitura de Goiânia, embora alguns logradouros públicos estejam infestados de larvas e mosquitos. Esta é uma questão que envolve todos, pois basta uma tampinha de garrafa em um cantinho do muro, para que nela seja um espaço de proliferação do terrível inseto.

Semana passada, por conta de uma crise alérgica fui até um hospital particular, e lá me surpreendi com a quantidade de pessoas que tomavam soro na sala do pronto-socorro. Como eu também estava com uma medicação endovenosa, comecei a especular um e outro, e a grande maioria dos que lá estavam era por conta da dengue.

Alguns deles relataram que perambularam pelos postos de saúde da capital a procura de ajuda, mas foi em vão, pois seus funcionários e médicos estavam de greve. A saída foi apelar para a consulta e medicamento particular. E, confesso-lhes: tive pena de uma senhora de quase oitenta anos, mais preocupada com o valor que deveria pagar do que com a doença propriamente dita.

Vejo, no caso da dengue, pouca propaganda e pouquíssimas ações. Basta andarmos por Goiânia para encontrar uma enorme quantidade de lotes com matagais tomados. Isto, sem falar nas casas, praças, prédios em ruínas, logradouros públicos, galerias de águas pluviais entupidas etc.

Não vejo outra alternativa para o Poder Público que não seja uma atitude ostensiva, com ajuda até mesmo das Forças Armadas, se necessário. Que a prefeitura contrate empresas particulares e faça a limpeza de lotes e casas abandonadas, e inclua o custo na conta no IPTU ou ITU do proprietário. E, caso encontre focos do mosquito, que seja também acompanhada de uma bela multa.

É inadmissível vivermos uma situação de epidemia. Mais ainda não vermos campanhas diárias nos meios de comunicação, alertando sobre o perigo da doença. Na Europa, em alguns países, depois de muita polêmica e alardes diminuíram drasticamente os acidentes de trânsito, com peças publicitárias pesadas sobre acidentes fatais. O mesmo deveria ser feito com a dengue, principalmente com seus sintomas e até mesmo o número de mortes por ela ocasionado. O medo muitas vezes nos desperta!

Torna-se até meio clichê ficarmos falando sobre o mosquito, a doença, de como se contrai, como se evita, pois isto todo mundo já sabe. O que esperamos é ação e que ela seja urgente! Não adianta esperarmos a colaboração da maioria da população, pois ela não virá. Se não existe a consciência coletiva sequer para a limpeza urbana, quiçá para o combate deste mosquito.

Dr. Paulo Garcia, peça mais ajuda ao Ministério da Saúde para o aumento da dedetização. Para o Estado, através da Agetop, e até mesmo das Forças Armadas para a cata de latas, lixos e possíveis depósitos nos lotes baldios. Que se realizem campanhas nas escolas estaduais, municipais e particulares, para que os alunos colaborem na indicação de possíveis criatórios. Que se crie um espaço virtual exclusivo para que possamos denunciar locais de possíveis criatórios. Enfim, faça mais do que tem feito, pois o que vivenciamos é insuficiente e a incidência da doença só vem aumentando.

Que não tenhamos mais esta vergonhosa situação de epidemia. Isto evidencia desleixo. Falta de planejamento. Irresponsabilidade. Inação. Desinteresse. Pouco caso.

Um exemplo de ação inteligente foi realizada, recentemente, no município de Vianópolis, na Região da Estrada de Ferro. O governo municipal empreendeu, na cidade, distrito e povoados, intenso trabalho de coleta de entulhos, limpeza de lotes e esclarecimentos. Por dois anos consecutivos, o município ganhou o certificado da Secretaria Estadual de Saúde, de zona verde, certificando-o em uma situação de baixo risco para a epidemia da dengue. Neste caso, vale a frase: “Quando se quer fazer, dá-se um jeito, quando não, arruma-se desculpas”.

(Cleverlan Antônio do Vale, graduado em Gestão Pública, Administração de Empresas, pós-graduado em Políticas Públicas e Docência Universitária, doutorando em Economia, articulista do DM - [email protected])

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