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OPINIÃO

Gleba legal no nordeste goiano

Ao invés da denominação “Nordeste goiano” adotada como divisão política com que o governo estadual identifica as microrregiões do Vale do Paranã e da Chapada dos Veadeiros, este escriba prefere usar a referência geográfica de “Leste goiano” para identificar a extensão territorial que vai desde Formosa até Posse englobando os municípios que se distribuem às margens da rodovia federal Brasília-Fortaleza até a divisa com a Bahia. Nesta microrregião, do leste, é que o Executivo estadual deu o primeiro passo de implantação do programa Gleba Legal para regularização das posses em terras devolutas.

Na edição deste jornal do dia 11 deste mês, em discurso publicado pelo secretário estadual do Desenvolvimento Econômico e vice-governador José Éliton Júnior, refere-se ele ao feito histórico de lançamento do programa Gleba Legal, iniciado em área limítrofe dos municípios de Posse e Iaciara, para a efetiva regularização das terras indiscriminadas naquela região.

Afirma o vice-governador que “com esse programa de regularização fundiária, o governador Marconi Perillo quer acelerar a regularização de terras em todo o Estado”. E informa que para implementar o Gleba Legal, contou com o esforço dos poderes Legislativo e Judiciário e que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás formou inclusive um núcleo específico para dar maior celeridade aos processos discriminatórios.

Dias antes, neste mesmo cotidiano, o deputado estadual Iso Moreira assinava também um artigo definindo Gleba Legal como prática de “justiça social” e alegando ter ele agenciado junto ao governador “para que fosse encaminhado à Assembleia Legislativa projeto que dispõe sobre terras devolutas do Estado”. Deixou claro que o programa aprovado pela Assembleia Legislativa “foi criado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico por meio de sua Superintendência Executiva de Agricultura”, sob a tutela do supersecretário José Éliton.

Região das terras de ninguém É sem dúvida uma notícia alvissareira, ver que agora dois gigantes da política goiana, um vice-governador e um deputado estadual, ambos com domicílio eleitoral na mesma região, em sucessivos mandatos, estejam unidos junto ao governador Marconi Perillo para a esperada “justiça social”, que é o sonho da “terra prometida” aos pequenos agricultores agregados na “terra de ninguém” e que ali se sucedem em várias gerações plantando ilusões e colhendo promessas vãs.

Num passado recente, políticos arrivistas ali chegavam aterrissando de para-queda (para não falar de avião do Estado), em tempo de eleição e de colheita de votos, prometendo terra e ouro aos pobres munícipes, depois desapareciam para só retornarem na nova safra eleitoral. Na literatura oral, são assim decantados esses não-pagadores de promessas, em versos de cordel do folclore regional: “O rico conhece o pobre / Só em tempo de inleição. / Encontra no mei da rua / Diz adeus, pega na mão. / Tem terra pra tu morá / Tem dinhero pra te emprestá. / Quando passa as inleição / Decá meu dinhero pra cá / Disocupa meu lugá.” Isso cantado e acompanhado com toque de sanfona, faz parte do repertório dos menestréis populares, que ironizam as fantasias da ficção política.

Agora os dois discursos sobre a Gleba Legal são de caráter institucional (e não politiqueiro) e se afinam nos planos legislativo e executivo, com o concurso do Poder Judiciário (comandado por sinal por um desembargador filho da região, Leobino Chaves), todos voltados para a solução de um problema estrutural que está na raiz da realidade social da região leste de Goiás, que decorre da questão fundiária. Além da falta de regularização de propriedades, sempre houve na região incidência de grilagem em áreas de terras devolutas, objeto de ações discriminatórias que rolavam sem solução desde o tempo do extinto Idago.

O mito das

estatísticas

Na década de 70, o Ibra (agora Incra) adotou um plano teórico de cadastramento dos imóveis rurais que levou muitos supostos proprietários a cometerem exageros em suas declarações, por supostas vantagens e segurança às suas propriedades ou posses. Na verdade as terras declaradas, ou não existiam ou eram de extensão questionável. Além do mais, as terras indivisas, que por si sós não tinham valor, tocavam geralmente nos espólios, às pessoas menos esclarecidas da família, o que facilitou por muito tempo a aquisição fraudulenta de terrenos por parte de forasteiros que chegavam à região com olhos grandes no futuro.

Essa prática é ainda comum nas áreas limítrofes de Goiás com a Bahia, onde grileiros profissionais utilizam-se de métodos violentos para conquistarem a posse da terra, em função de especulações comerciais e com desvio de suas finalidades produtivas. Isso para falar apenas do problema da terra, deixando de lado outros fatores infraestruturais que não vêm ao caso expor aqui.

Agora o Gleba Legal não é mito: é justiça social. O vice-governador no seu texto publicado, explicitou que, mais do que propriedade, a regularização das terras garante também aos pequenos produtores acesso a outros programas sociais e até linhas de crédito. O programa da Gleba Legal se desenvolverá este ano no município de Nova Roma, para regularizar 121 mil hectares de terras. Continuará em 2016, nos municípios de Guarani de Goiás e Iaciara, Posse e Simolândia, legalizando 90 mil hectares. Em 2017, a meta será regularizar 295 mil hectares de terras em Damianópolis e Flores de Goiás, no vale do Paranã, bem como nos municípios de Alto Paraíso, Monte Alegre de Goiás e São João D’Aliança, na chapada dos Veadeiros.

É previsto que até 2018 o programa apresentado pelo vice-governador, se estenda aos municípios de Cavalcante, Colinas do Sul, Teresina de Goiás, Trombas, Anicuns, Formosa e Aragarças, que somam cerca de 350 mil hectares de áreas irregulares. Daí se deduz que o nordeste goiano ficou estagnado no que chamaríamos de período feudal, em que uma vastidão de terras indiscriminadas encontra-se ainda em poder do Estado. Imagine-se como será a festa da entrega de títulos (dessas terras), que gerará sem dúvida outra festa de entrega de títulos (de eleitores), que iriam cair nas mãos (ou nas urnas) dos políticos demagogos, que sempre tiveram o nordeste goiano como celeiro de votos.

Descentralização econômica e

administrativa

As coisas não surgem por acaso: em tudo há um processo evolutivo. Justiça seja feita ao ex-prefeito de Posse, José Éliton Figueredo, pai do vice-governador José Éliton Júnior, que quando coordenou o programa Pronordeste no governo Santillo, já tentava resolver a questão fundiária da região. Em histórica entrevista publicada também por este jornal, em 8 de abril de 1990, foi por ele sugerida como poderia estruturar-se a ação governamental, em vista da desproporção entre latifúndios e minifúndios existentes no nordeste goiano.

À época, segundo ele, as terras da região já eram ocupadas, na maioria, por pequenos proprietários ou posseiros. Sua preocupação não incidia sobre a diferença entre os tipos de propriedades, mas na forma como se deveria promover sua utilização com resultados econômicos e exploração das mesmas com métodos racionais e tecnologia avançada.

O Estado já vinha desenvolvendo nesse sentido, uma ação social através da Emater e da Caesgo, apoiando o pequeno produtor rural em vários municípios da região, com oferta de máquinas e orientação técnica, mediante convênio com as prefeituras. A forma pela qual se desenvolveria esse apoio seria a da criação pelo Estado, de uma Companhia de Desenvolvimento Regional. Está aí uma dica para o atual e para o futuro governador de Goiás, que poderia repensar a ideia da administração regionalizada.

Isso parece coincidir com o ponto de vista do governo atual, refletido no discurso de José Éliton (o filho): “Descentralizar o desenvolvimento e induzir o crescimento em todas as regiões do estado é uma das prioridades de uma gestão que vem direcionando políticas e investimentos, buscando dotá-las de infraestrutura e logística necessárias e das condições para atrair negócios, gerar mais postos de trabalho e mais renda.” Aplausos!

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa)

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