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OPINIÃO

Papa Francisco: redenção da Igreja Católica?

Tenha ou não méritos, é meu costume, nos grandes acontecimentos, deixar que passem para fazer meu relato, ocorrendo assim com a vinda do papa Francisco ao Brasil em 2013, de que fiz anotações e guardei documentos, visando também recordar seu nome laico na sociedade civil: Jorge Mario Bergoglio.  Certamente, a aparição desse papa por aqui, começando pelo fato de ser sul-americano, latino da Argentina, esportista apaixonado, desprovido de riquezas, preocupado com pobres, velhos, crianças, família e o próprio anacronismo histórico por que passa a cúpula da Igreja, tantas vezes maculando o trono de São Pedro; diz em comovente discurso noticiado na imprensa dia 23 de julho “não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo”, por ter vindo em seu Nome, para “alimentar a chama de amor fraterno que arde em cada coração”. Notando-se que, surpreende por seu carisma, sua coragem, vaticínio e singeleza do nome. Assim, recorda o famoso trecho bíblico “Ide e fazei discípulos entre todas as nações”.  Pouco importando o tipo de igreja Católica que encontrou em Roma, América Latina, noutras diásporas e em particular no Brasil, admirável Rio de Janeiro, onde esteve de 22 a 28 de julho do ano citado, onde falou várias vezes por dia, sediando sua primeira grande viagem como sumo pontífice, já demonstrando ao Mundo e à Igreja sua grande liderança, motivado sobretudo pelo entusiasmo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), reunindo pelo menos 190 países e 320 mil jovens, destacando-se, também, como a estrela mais brilhante, chegando a conquistar significativa maioria da mocidade dos países referenciados.

Seu tenso roteiro a cumprir no Rio de Janeiro, começa no aeroporto do Galeão onde foi recebido pela presidente Dilma, prosseguindo protocolar cerimônia com autoridades no Jardim do Palácio Guanabara, sede do Governo do Rio, onde recebe as boas-vindas. No dia 23 de julho, por não ter agenda pública, permanece na residência oficial da Arquidiocese, onde recebe líderes religiosos. Em 24, vai de helicóptero a Aparecida (SP), onde celebra missa e faz animado sermão na basílica de Nossa Senhora. À noite, participa de inauguração de área do hospital São Francisco de Assis, na Providência, no Rio. Em 25, encontra-se com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, de quem recebe as chaves da cidade, visita favela em Manguinhos, na zona norte e desfila de “papamóvel” na praia de Copacabana. Em 26, recebe a confissão de cinco jovens, cada um representando um continente, na Quinta da Boa Vista. Encontra-se com jovens detentos no Palácio Arquiepiscopal São Joaquim, onde faz oração do Angelus Domini, almoça com jovens participantes da jornada e, à noite, ainda com jovens, participa de comovente via crucis na orla de Copacabana, onde cada um dos jovens se destinava a encenar uma estação da via sacra.

No dia 27, além de missa com bispos e religiosos na Catedral de São Sebastião e evento com autoridades, artistas e personalidades no Teatro Municipal, à noite participa de vigília de oração com os participantes da jornada no Campus Dei, em Guaratiba. No domingo, 28, quando se despede no aeroporto do Galeão, antes de partir para Roma, ainda sobrevoa de helicóptero o Cristo Retentor, celebra missa de encerramento da jornada no Campus Dei, em Guaratiba; na hora do almoço, faz oração do Angelus Domini e participa em reunião com voluntários da jornada no Riocentro, por certo fechando o mais longo e emblemático périplo que já enfrentou em suas muitas e inapagáveis viagens, típicas de um incurável andarilho.

Vale dizer: o papa Francisco chegou ao Brasil num momento em que o catolicismo já dava os primeiros passos como reação ao declínio acentuado que sofreu nas últimas décadas. Segundo Datafolha, chegou ao país quando tínhamos somente 57% católicos dos 75% que éramos anteriormente. Somente 17% vão à missa mais de uma vez por semana, tendo havido um inegável avanço de 28% dos evangélicos, em maioria pentecostais. Situação realmente complicada para o s catolicismo, num país onde se reza mais terços do que se assiste a missas. Contudo, o rigoroso cumprimento dos eventos da ampla programação desse megaevento e as ativas reações de outros segmentos religiosos, mostraram que a primeira viagem Internacional de Francisco, conforme anteviam as expectativas dos líderes da Igreja Católica, se confirmaram, transformando a JMJ no Rio de Janeiro num forte símbolo da nova direção que o Papa Francisco pretendia imprimir à Igreja, como reação ao que teria perdido.

Vemos, portanto, que são muitos os desafios e riscos a enfrentar, num momento histórico particular, marcado pela onda de protestos que já sacudia o país desde junho, assustando autoridades, sociedade e a própria Igreja, ali procurando uma profunda experiência espiritual da fé cristã, forçando o papa a falar e dialogar com os 320 mil jovens peregrinos, em maioria afastados da Igreja, mais de 1000 bispos, milhares de padres e religiosas, falando sete línguas oficiais, ante renitente chuva fina, filas intermináveis e frio de 19ºC. Nesse contexto a sociedade já descobrira que o mundo juvenil não vive somente de bebidas, vandalismos e orgias, os tais “Happy Hours” da linguagem inglesa, num país onde os jovens viram sua expectativa de vida cair, informando o Ipea que 1,9 milhão deles se tornaram vítimas de morte violenta numa década (1995-2010). Conforme Fernando Altemeyer Junior, professor da PUC-SP, um dos compromissos desse megaevento (...) “é ajudar a fazer surgir uma juventude ainda mais rebelde e promotora da paz, da justiça social e da solidariedade internacional”. Os jovens são a “esperança do mundo e da Igreja”, diria papa Francisco, em sua primeira encíclica vital, possivelmente numa sexta-feira, em via-sacra em Copacabana, exposta mais em atos que em palavras.

Em cada ato, visando afugentar o medo, alimentar a esperança e alcançar a fé, papa Francisco ia descobrindo vários tipos de Igreja e de público, rostos e perfis, que nem imaginava; sem perder, porém, um dos focos básicos de sua viagem: robustecer e avivar o espírito, a coragem e o entusiasmo como condição essencial para administrar, modificar e seguir nova orientação política na Igreja Católica do futuro. Foi assim que conseguiu inovar e emergir a antiga ideia de uma Igreja ou Evangelho dos excluídos, pobre para os pobres, na defesa deles; estimular a história de um dia do “Não vou mais pecar” ou PHN, para os jovens, existente na comunidade Canção Nova, às margens da Via Dutra, a 30 km de Aparecida, em São Paulo; aflorar o fervor popular dentro de casa e ampliar-se a devoção aos santos, no país e Igreja tradicionais, onde um velho dito popular, de certo modo lembrado e modificado, sempre foi um emblema do catolicismo por aqui praticado, merecendo transcrição: “Muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”.

Embora cauteloso ao enfrentar riscos reais na viagem ao desconhecido e muito arredio diante da Teologia da Libertação, corrente católica mais preocupada com a injustiça social, quando arcebispo de Buenos Aires, na Argentina, a humildade demonstrada pelo papa Francisco na JMJ na cidade do Rio de Janeiro, está confirmada quase dois anos depois, pela própria sabedoria do Universo, estando até mais evidente, consoante dizem os fatos, a ênfase na defesa dos pobres e a incrível habilidade no emprego de símbolos religiosos, justificando singular popularidade pelo mundo afora. Não é à toa, aliás, ter o ardoroso papa Francisco, logo que foi eleito, aposentado o inabalável “papamóvel” blindado usado por seus antecessores, João Paulo II e Bento XVI, passando a circular de carro aberto entre os fiéis na Praça São Pedro, no Vaticano e outros lugares; pagou pessoalmente a conta de hotel; manteve relação cordial com seu antecessor citado e no Rio de Janeiro continuou investindo no simbolismo religioso de vários modos, inclusive lavando os pés de 12 detentos na cidade do Rio de Janeiro ou do Tom Jobim.

Assim, o que vejo, chego a vaticinar das arrojadas e temerárias ações do papa Francisco até o presente, substituindo Paulo II, numa inesperada renúncia, é que se trata de homem e personalidade extraordinários, predestinados a fazer e renovar a história da Igreja Católica em particular, justificando o título epigrafado, aí posto como registro de minha ousadia historiográfica.

(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras, IHG-GO, UBE-GO, AGI, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected]))

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